«Não era expectável que o Vitinha se tornasse grande jogador»

Médio lembra os muitos momentos de dúvida que teve sobre o seu futuro enquanto futebolista

— Diz-lhe alguma coisa quando alguém como Modric vota em si ou outro grande futebolista afirma publicamente que Vitinha é mesmo um dos melhores do mundo?

— Claro que sim. E, principalmente, porque não esqueço que houve muitos momentos… posso ir até mais longe na formação, mas houve muitos momentos no percurso profissional em que duvidei muito de mim.

— Foi uma luta constante…

— Sim, o facto de ter na formação quase nunca ter sido pela peça essencial. A expetativa… porque, lá está, a expetativa é tudo no futebol e na vida. Quando menos esperamos, podemos ser muito felizes. Quanto mais esperamos, mais difícil é. E para fora, claro que não falo da minha família, o Vitinha não era falado. Não era. Não era expectável que se fosse tornar grande jogador ou que pudesse dar alguma coisa. Pelo menos, foi essa a sensação que tive sempre. Isso foi o que me ajudou, foi o meu combustível.

— Passou pelo que muitos miúdos passam…

— É o espelho de quase todos os casos de quase todas as gerações. Não sei, mas talvez apenas quatro em 100 que pensamos que vão ser é que realmente serão, porque os outros 96 não o serão. Espera-se muito deles. Eles sentem essa expetativa em cima deles. É muito peso. Primeiro, sentem que são jogadores antes de o serem, porque não são, mas tudo à volta faz-lhes parecer que o são e deixam de fazer o que deviam fazer, que é trabalhar, ter aquela vontade de mostrar. Enquanto que os outros, os jogadores que não jogam muito em detrimento desses jogadores, sentem-se injustiçados dizem: ‘Mas eu consigo, vou mostrar a todos que estão errados’ e inconscientemente continuam a trabalhar, dão no duro, vão melhorando. Não têm grandes expectativas. ‘Tudo o que puder fazer é bom’, porque ninguém espera nada deles e esses normalmente são aqueles que acabam, não todos, mas alguns, por chegar lá, enquanto os de que se espera muito, os chamados grandes craques que uma pessoa vai vendo na formação, acabam por não chegar. Tive desses momentos na formação, em que não era das figuras, nunca fui, até ao ano de Youth League, em que acabo por nem ser titular. Depois, no FC Porto B, comecei a jogar sempre regularmente, com muita confiança e bem. Acabo por subir à equipa A, ganhar outra dimensão, mas depois tenho também ali aquele momento no Wolverhampton em que não jogo ou jogo muito pouco, cinco, dez minutos, 20. Uma liga que… Nem diria a Liga, porque há equipas que jogam de forma diferente, mas o contexto do Wolverhampton se calhar não era o melhor para mim. A forma como jogavam não era de facto a melhor para mim e passei um ano difícil, um ano que não apagaria, já que me ajudou imenso a crescer, a sair da minha zona de conforto e a crescer noutros aspetos, mas que foi difícil… Duvidei muito. E depois voltar ao FC Porto com dúvidas, a tentar superar-me. Acrescentei coisas ao meu jogo que não acrescentaria se estivesse bem. Via os anos a passar,  um, dois ou três. Já tenho 21 na altura… ‘Se eu não fizer nada agora…’, porque isto é assim, é muito rápido, começo a cair por aí abaixo. E depois é difícil. E então puxei dos galões e tentei fazer outras coisas que não eram do estilo de jogo, mas que iria dar coisas à equipa e a mim individualmente. E cresci também como jogador nesse aspeto. Mas houve muitos momentos de dúvida nessa altura, de incerteza. Depois, mais tarde, já tinha alguma afirmação pelo menos aqui em Portugal e vou para um PSG que todos sabemos como estava e passei aquele primeiro ano difícil. Não sei até que ponto é que aqui, em Portugal, se aperceberam ou não do que lá se passava e do ano que passei, mas foi muito complicado. Era meu primeiro ano de um contexto mais internacional. Era a minha primeira imagem para fora, porque já sabemos que o campeonato português não chega a muitos sítios. Depois daquele primeiro ano, duvidei muito também. E, entretanto, chegou o Luis Enrique e, felizmente, tirou-me todas as dúvidas e confirmou que eu realmente era o que pensava que era. Mas demorou muito tempo mesmo depois de chegar, foi preciso afirmar-me.

— E essas dificuldades aumentam também o sabor das conquistas?

— Claro que sim. Às vezes, não sentes tanto como sentias na altura, há cinco ou quatro anos, quando estava com dúvidas. Mas sei que passei por isso. E, depois disto tudo, conseguir isto tudo sabe ainda melhor. Para a minha família, para os meus amigos que viveram comigo estes momentos, que sabiam de todas as incertezas, dúvidas, conversas, que me acompanharam desde sempre, desde a formação, é perfeito. Atenção, quando falo na formação, parece que digo que ninguém acreditava. Claro que acreditavam em mim algumas pessoas, simplesmente não era um dos destaques ou não jogava como titular, não era muito…

Vitinha com Luís Pedro Ferreira, diretor de A BOLA - Foto: André Carvalho
Vitinha com Luís Pedro Ferreira, diretor de A BOLA - Foto: André Carvalho

— Não era a estrela…

— Sim, sim, Não era posto à frente, entrava. Houve um ano ou outro em que joguei a titular, tipo sub-14, mas depois, antes do Nacional, já não jogava tanto. Não guardo rancor nenhum. Aliás, foi isso que me ajudou a crescer. Só estou a dizer que para o público em geral e para a grande parte das pessoas não era um destaque. Chegar aqui a isto tudo, ter a confirmação de jogadores como o Modric e o Kimmich, que votou em mim, tal como de outros grandes jogadores que falaram já coisas muito positivas sobre mim, diz-me que afinal não estava errado, afinal era aquilo que pensava que poderia ser. E trabalhei por isso.

Recorda o primeiro momento em que percebeu que conseguiria vingar sem a força, a velocidade e a dimensão física dos maiores?

— Na formação, fui sempre tendo isso de forma natural, ou seja, desfrutava. Sentia que umas vezes conseguia, outras vezes não, mas não me questionava, não pensava ‘se calhar não vou conseguir.’ Deixei isso um bocado para quando chegasse a altura certo. ‘Vejo-o na altura mais importante, a transição para sénior.’ A verdade é que quando cheguei a sénior, no primeiro ano na equipa B, senti-me muito bem na Segunda Liga. Sentia-me soltinho, levezinho, não de peso, mas preocupações em jogar. Estava contente. Tinha um espaço importante nos sub-21… Tive fases superimportantes que me ajudaram a dar o salto para poder continuar. Os sub-21 foram importantíssimos para mim, tal como o Rui Jorge, pela forma como também acreditou em mim. E no FC Porto B, que é o primeiro impacto na Segunda Liga, com adultos de homens de barba rija, senti-me muito bem. Senti-me dinâmico. Senti-me solto. Não precisava de ir ao choque, porque já sabíamos que se ia ao choque iria perder. Se fosse ao choque seria um jogador banal. Senti que não precisava disso, conseguia compensar com outras coisas. E foi o que sempre trabalhei em toda a formação. Se não és mais rápido, se não és forte, se não és alto, tens de ter outras coisas. A cabeça tem de pensar mais rápido. Os pés têm de ser melhores. Tens de antecipar muita coisa. Tens de te posicionar de forma diferente. É a evolução. É como as girafas que precisaram de alongar o pescoço para chegar à comida. É igual. Temos de trabalhar outras coisas para poder compensar o que não temos. E acontece o inverso também nos jogadores fortes e rápidos. Muitas vezes, não precisam de pensar, ou seja, podem dar-se ao luxo de não pensar. Não trabalham essa parte e normalmente não são tão inteligentes. Porquê? Porque são rápidos e compensa. Um jogador que seja rápido e forte no choque acaba por ganhar a bola no duelo. Na velocidade, acaba por ganhar ao adversário. Não precisa de se posicionar tão bem. Mal. Não devia ser assim, mas é intrínseco. É natural. Não preciso porque acabo por resolver. Se calhar, não é tão inteligente porque também nunca precisou de exercitar, de resolver, porque já o conseguia fazer das outras formas. Na formação, ele já era mais rápido, mais forte. Um lateral ou um defesa que é rápido provavelmente vai cometer mais erros de posicionamento. Um lateral, um defesa que seja lento  vai estar ali alerta, posicionado no máximo, porque sabe que à mínima já não o apanha. É assim, é normal.

— Se pudesse falar com o Vitinha de 18 anos, o que lhe diria para não apressar?

— Diria… Claro, agora estou a ver o desfecho. Não é o desfecho, não ainda. Ainda estamos a meio, nem a meio, espero eu, mas... Como se ganharam coisas importantes, diria… Mas eu já acreditava na altura. No meio das dúvidas todas, acreditava no fundo. Só que tinha sempre medo de estar enganado. Só diria ‘continua, estás no bom caminho. Acho que sempre estive no bom caminho. Fiz por isso, também.

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