Figura do Ano para A BOLA lembra momentos difíceis, carregados de dúvidas, na fase inicial da carreira

Vitinha: «Luis Enrique teve mais confiança em mim do que eu mesmo»

Das dificuldades do primeiro à explosão total no segundo, que lhe tiraram todas as dúvidas na sua última oportunidade para provar que podia vir a ser o que achava que era

— O PSG libertou-o para ser o jogador que queria vir a ser?

— Sem dúvida. Sem dúvida. E, em grande parte, o maior culpado disso é Luis Enrique. Devo-lhe muito. Já lhe disse isso. Ele diz que não lhe devo nada, que sou eu. Mas bem sei que sem ele, sem a confiança que tem em mim não chegaria a este nível. Costumo dizer-lhe e é errado. Ou seja, é o que aconteceu, embora não devesse ser assim. Digo-lhe que ele acreditou mais em mim do que eu mesmo depois daquele primeiro ano. Foi ele quem me potenciou e permitiu chegar a este nível. Estou-lhe extremamente agradecido.

— E acrescentou essa confiança com a vice-liderança, se quisermos, ao integrá-lo no grupo dos capitães, com a marcação de penáltis…

— Sim, sim. Somos nós jogadores que escolhemos os capitães, mas claro que sim. Se não tivesse estado nestes anos na forma em que estive, provavelmente também não seria capitão. Ou seja, acaba por ser tudo uma consequência. Disse isto a pouca gente, só a família e amigos: depois desse primeiro ano, estava com essas dúvidas todas também e tinha sempre aquela questão de a minha forma de jogar ser um bocado…

— Após o primeiro ano ainda com Christophe Galtier como treinador...

— Sim, com Galtier. Tinha aquela situação de a minha forma de jogar ser um bocado característica, às vezes algo ambígua. De acordo com os livros, não se devem fazer algumas coisas que faço em campo, e o mister já confessou isso, que não sou um seis como Busquets, que era um, dois toques. Faço algumas coisas contra o que dizem os livros desde a formação. E sempre tentaram… Sempre houve isto dos ‘muitos toques na bola’, de ‘não deves fazer isso’, aqui e ali, ‘é jogar simples’. Muita coisa, muitos anos. Não me considerava mais inteligente ou que era mais do que eles, mas era um bocado instinto e continuava a fazê-lo. Quando já era profissional, também sempre ouvi isso dos treinadores que tive. E nunca apanhei um estilo de jogo… talvez um pouco o de Rui Jorge nos sub-21, mas depois nunca apanhei um treinador até ao Luís Enrique que tivesse aquele estilo claro de posse de bola, de domínio com a bola, de escola Barcelona, tiki-taka, estilo Guardiola. Ou o Luís Enrique como é. Nunca tive ninguém desse mundo, dessa visão de jogo, a elogiar-me, a dizer que achava que combinava. E tinha sempre aquela dúvida de… ‘Estou enganado e engano-me a mim próprio’… porque eles também não fazem muito isso. Não há muitos toques na bola, há toques, mas a circular. Como estavam sempre a dizer isso, pensava que se calhar estava enganado e teria de fazer de outra forma. Como nunca tive a confirmação de ninguém desse mundo ficava ‘Se calhar não sou isto tudo que penso que sou.’ E quando chega o Luis Enrique no meu segundo ano, depois daquele primeiro difícil, eu tinha… Para mim, não era pressão, mas era… Luis Enrique é um dos maiores pilares, uma das maiores figuras desse estilo de jogo e se ele chega aqui e não gosta da forma como jogo é…

Faço algumas coisas contra ‘os livros’ desde a formação

— É o fim.

— O fim não, porque ia continuar a jogar futebol, mas não era aquilo que eu pensava que podia ser ou que era. E ‘estou errado e pronto’. E depois aceitar, fazer outras coisas e continuar a jogar futebol, mas de outra forma ou adaptar-me. E felizmente a coisa deu-se muito bem. Mas tive esse momento em que, lá está… muitas dúvidas. E para todos os jovens digo sem problemas que até aos melhores isso acontece isso. Todos os outros melhores do mundo duvidaram. Houve muitos momentos em que duvidaram. Não, não pensaram que o iam ser a toda a hora… Não, não. Ouvimos relatos. Há muitos a dizer que quase desistiram e acontece muito. Há muita dúvida. Somos humanos como os outros, ouvimos aquelas vozes de...

— Nesse primeiro ano não foi só as dúvidas interiores que tinha, não havia um balneário muito favorável. Há várias questões com o Messi e com o Neymar a falar até. Que raio é que se passou ali?

— Passou-se muita coisa, mas prefiro não falar disso. Mas foi difícil por isso. Foi um ano em que não senti que éramos uma equipa, em que cada um corria por si, andávamos um bocado perdidos em campo. Era um bocadinho miúdo, acabado de chegar ali. Aquilo foi difícil.

— E também o treinador não tinha sequer força para ajudar. Era um treinador diferente, também mais gestor de egos…

— Era bastante difícil lidar com aquele grupo de jogadores.

Todos os melhores do mundo duvidaram um dia de si mesmos

— Mas pelo menos não nos consegue dizer como é que se manda Messi bugiar, por exemplo…

— Não, porque nunca o fiz, como é óbvio. Tenho grande estima por ele. Um dos melhores de sempre. E não tenho nada, nada, nada mesmo contra ele. Aliás, no Mundial de Clubes acabámos por jogar, no final abracei-o…

— As coisas foram sanadas…

— Sim, sim.

— Mesmo com Neymar?

Também, também. Está tudo bem.

— Uma questão específica em relação ao Luis Enrique. Fez-me confusão na altura, mas depois acabei por dar valor. Como é que vocês reagiram ao ver Dembélé como ‘falso 9’? É algo que, pelo menos na minha ideia, não é muito previsível.

— Ele tem muitas ideias e decisões que, às vezes, para a pessoa comum e para o que nós estamos habituados, pode ser estranho. E quem não conhece pode questionar. Quem conhece e confia, só acredita. Foi o que fizemos. Conhecíamos antes deste ano a capacidade que o Dembélé tem para fazer tudo o que faz. Nós sabíamos. Ele conseguia fazer isto. Víamos nos treinos, em jogos, não com tanta continuidade, com tanta sequência, mas acaba por acabava por aparecer ali. Acreditávamos. Mudou para aquela posição e ajudou-nos muito no meio-campo porque vinha fazer superioridade e tínhamos muita bola, que era o que gostávamos. Para os centrais da outra equipa, ficava difícil porque não tinham quem marcar. Ficavam perdidos porque não sabiam se tinham de sair ou ficar, e deixavam-nos em superioridade. Depois, quando ele aparece para fazer golo, aparece de trás e não conseguem referenciá-lo. E a verdade é que foi tudo muito natural. No primeiro ano, o Luis Enrique tentou pôr mobilidade na equipa, mas com um pouco de ordem. Havia certos limites que não podíamos passar e tudo mais. No segundo ano, apresentou-nos mesmo um PSG 2.0, com muita mobilidade. Não é que agora andemos todos loucos, cada um por si por todo o lado, sem saber por onde anda, porque isso também é mau, mas acrescentou uma mobilidade fora do comum. Vemos o médio a lateral, um extremo a ponta de lança, um médio a ponta de lança, o ponta lança a pivot. E da forma como já temos isso, bem estruturado e dinamizado, é muito difícil para a equipa adversária.

Não tenho nada contra Messi e Neymar

— Também há poucas entradas, aposta-se na juventude, que também já está mais ou menos integrada no contexto…

— Juventude com muita vontade, com muita qualidade também. Foi o cocktail perfeito.

— Curiosidade minha, o próprio Mayulu chegou a ser utilizado nessa posição…

— Já foi utilizado em todo o lado. Aliás, não só ele, quase todos na equipa já jogaram em três, quatro posições. Desde que o mister está na equipa, fácil. Para usar esse exemplo, o Senny [Mayulu] já jogou a ponta de lança, a extremo, a médio e a lateral-direito. Só falta central, lateral-esquerdo e guarda redes. E é isso que ele nos traz, que é ótimo. Para poderes jogar nestas posições todas tens de compreender o jogo. E se temos um jogador, um miúdo, o Senny ou outro qualquer, que consegue perceber o jogo numa idade tão tenra é incrível. Ele vai saber o que há que fazer a jogar a lateral. Se depois, a jogar a lateral, troca com o extremo, já sabe o que o extremo tem de fazer, e atacar a defender. Ficamos muito mais completos e o futebol hoje em dia é um pouco por aí.

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