Cammy Devlin,  Claudio Braga e Alexandros Kyziridis do Heart of Midlothian festejam triunfo sobre o Hibernian na liga escocesa
Cammy Devlin, Claudio Braga e Alexandros Kyziridis do Heart of Midlothian festejam triunfo sobre o Hibernian na liga escocesa - Foto: IMAGO

Mjallby e não só: a revolta em curso dos ‘Underdogs’ por toda a Europa

Escócia, Dinamarca, Polónia, Noruega, Roménia, Hungria e outros têm líderes inesperados e alguns mesmo poderão vir a ser campeões inéditos

Os underdogs ainda não estão a tomar conta do futebol europeu, todavia, há já vários a deixar marca nesta época. O mais referido nos últimos tempos é o Mjallby, que até podia já ter festejado o primeiro título de campeão sueco no passado fim de semana não fosse o Hammarby ter vencido por 2-1 na visita ao IFK Gotemburgo, com golo decisivo marcado por Max Fenger aos 82 minutos. É também aquele que está mais perto de uma definição. A maior parte das ligas ainda vai muito no início, embora algumas, como se disse, tenham líderes surpreendentes.

Se seguirmos o ranking da UEFA, nos 11 primeiros classificados, temos os campeões em título Nápoles, Bayern, PSG, Union St. Gilloise e Galatasaray no topo respetivamente das tabelas de Itália, Alemanha, França, Bélgica e Turquia. Nos restantes, há um histórico no comando. Aquele que não festeja há mais tempo é o primeiro classificado de Inglaterra, o Arsenal, que venceu a Premier League com os Invencibles de Arsène Wenger, em 2003/04. O Real Madrid foi campeão espanhol em 2023/24, tal como o Sparta Praga na República Checa. 2022/23 foi o ano de Feyenoord nos Países Baixos e de AEK na Grécia, enquanto o FC Porto subiu ao lugar mais alto do pódio em 2021/22 em Portugal.

O Arsenal é, entre os líderes das grandes ligas europeias, o clube que não festeja títulos há mais tempo

Da Noruega à Escócia, como bom 'viking' que se preze

O cenário muda a partir daí. Na Noruega, vítima do crescimento do Molde e do Bodo/Glimt, o Viking, de Stavanger, festejou em 1991 o seu 8.º e mais recente campeonato e, na Polónia, a última grande celebração do líder Gornik Zabrze, na altura o 14.º caneco, que o tornava grande dominador do futebol do país, ocorreu em 1987/88, tendo entretanto sido ultrapassado pelo Legia Varsóvia (15). A Silésia mineira promete agora muito trabalho e voltar a dar luta.

Na Dinamarca está na frente o AGF, abreviatura de Aarhus Gymnastikforening, que celebrou em 1986 o 5.º troféu de campeão, pouco tempo antes da Danish Dynamite, do alemão Sepp Piontek, espalhar um intenso perfume nos relvados do México'86. Se chegar ao fim em primeiro, não só o clube mais antigo do país mas também a cidade, a segunda mais importante do reino, saem finalmente da sombra de Copenhaga.

Vivem-se dias felizes em Aarhus

Entretanto, Rapid Viena perdeu a liderança para o Sturm no passado fim de semana e tudo voltou à normalidade na Áustria, porém na Suíça um FC Thun que nunca foi campeão está a surpreender históricos como Young Boys e Basileia. E não é que o Pafos, fenómeno recente, mas já presente na UEFA Champions League depois da conquista da última temporada, domina outra vez em Chipre. No berço de Afrodite, nasceu um belo projeto para os anos vindouros.

É na Escócia que reside outra grande surpresa. Numa liga que tem sido um verdadeiro duopólio entre Celtic e Rangers, a última equipa a se intrometer entre católicos e protestantes de Glasgow foi o Aberdeen de Alex Ferguson em 1983/84 e 1984/85. Agora, quem arrancou em melhor forma foi o Heart of Midlothian, campeão pela quarta e última ocasião em 1959/60. Com os dois gigantes com tantas dificuldades, como se tem visto interna e externamente, será que não se está já a preparar uma das surpresas da temporada? Seria uma bela festa no Tynecastle Park, inaugurado em 1886 e um dos mais antigos estádios do mundo.

A instabilidade no Leste

Ora, do Mjällby e da Suécia já falámos. Em Israel, lidera o Hapoel Be'er Sheva, que venceu em 2017/18. No entanto, na Roménia, o Botosani, que nunca ganhou — nem nunca desceu de escalão, um símbolo de estabilidade no meio da instabilidade do leste —, luta lado a lado com o Rapid Bucareste, que persegue o quarto campeonato, o primeiro desde 2002/03. Na Hungria, também um Paksi, que o melhor que conseguiu foi dois segundos lugares em 2023/24 e 2010/11, procura transformar o atual sprint numa bela maratona. Contará com a energia nuclear da central da cidade?

Na Sérvia, deu Estrela Vermelha, o que não grande novidade, tal como o Dínamo Zagreb não o é na Croácia. Já o Turan Toruz procura repetir o sucesso de 1993/94 no Azerbaijão. O Dunajska Streda (nunca campeão) e o Zilina (7 vezes) estão em luta na Eslováquia, e o Celje, que investe fortíssimo na formação e em campos protegidos no inverno, espera confirmar o crescimento dos últimos anos, que teve o apogeu em 2023/24. Só dá mesmo Shakhtar numa Ucrânia ainda e sempre, infelizmente, em guerra.

Voltamos aos históricos na Bulgária, com o Levski a querer recuperar o estatuto de pelo menos segunda melhor equipa — o CSKA continua a ser o clube mais titulado —, depois de 14 anos de domínio ininterrupto do Ludogorets. Os Blues não festejam desde 2008/09.

Daí para baixo, as surpresas não são assim tantas. Shamrock Rovers (Irlanda), Vikingur (Islândia), Milsami Orhei (Moldávia), Kairat Almaty (Cazaquistão), Alashkert FC (Arménia), Riga (Letónia), Borac (Bósnia), KuPS (Finlândia), Prishtina (Kosovo), Kí (Ilhas Feroé), Hamrum Spartans (Malta), Vaduz (Liechenstein), Flora Tallin (Estónia), KF Eguatia (Albânia), Zalguris Vilnius (Lituânia), Glentoran (Irlanda do Norte), Dudelange (Luxemburgo), Decic Tuzi (Montenegro), FK Struga (Macedónia do Norte), Dila Gori (Geórgia), The New Saints (Gales), St. Joseph’s (Gibraltar) e Tre Flori (San Marino) já foram campeões nacionais antes. Uns mais do que outros, é verdade.

O Mjällby pode ser o primeiro esta época a elevar uma pequena localidade piscatória ao trono futebolístico da Suécia, mas não está sozinho nesta maré. De Aarhus a Zabrze, de Edimburgo a Pafos, a Europa volta a ouvir vozes que pareciam caladas há décadas. São underdogs ou históricos a querer renascer e a recordar que, no futebol, a geografia do poder também pode mudar. Às vezes basta um vento vindo do mar do Norte para virar o mapa de pernas para o ar.