Abdoulie Manneh festeja golo do Mjällby ao Gais para a liga sueca
Abdoulie Manneh festeja golo do Mjällby ao Gais para a liga sueca - Foto: IMAGO

Mjällby: o conto de fadas 'à Leicester', se Leicester tivesse 1.500 habitantes

Equipa de Hällevik conta com oito pontos de avanço a oito jogos do final da liga sueca

O futebol sueco está a viver uma das suas maiores histórias de superação e romantismo. A oito jornadas do fim da Allsvenskan, o Mjällby lidera o campeonato com oito pontos de vantagem e sonha com uma presença inédita na UEFA Champions League – algo que, se acontecer, transformará a pequena vila de Hällevik, com apenas 1.500 habitantes, no local mais diminuto alguma vez representado na competição.

O contraste não podia ser maior. Numa liga dominada nas últimas décadas por gigantes como o Malmö FF – vencedor de quatro dos últimos cinco títulos – ou clubes históricos como AIK, Hammarby e Djurgaarden, o Mjällby, clube fundado em 1939 e de raízes humildes ligadas à pesca e à agricultura, surge agora como protagonista inesperado. Depois de décadas entre divisões secundárias, quedas abruptas e até um quase colapso financeiro em 2016, o renascimento foi tão sólido quanto improvável.

A recuperação começou em 2019, com a promoção à Superettan, seguida de título imediato e consequente regresso à primeira divisão em 2020. A estabilidade chegou com Anders Torstensson, treinador que, na sua segunda passagem, fez crescer a equipa em 2024 até um surpreendente quinto posto. Em 2025, a ousadia aumentou: 16 vitórias em 22 jogos, apenas uma derrota e uma invencibilidade caseira que já dura desde julho do ano passado. O modesto Strandvallen, com 6.500 lugares, chega a acolher assistências quatro vezes superiores à população da vila.

Dentro de campo, a revolução tem também um nome: Karl Marius Aksum. O jovem norueguês, doutorado em perceção visual aplicada ao futebol, foi contratado como adjunto em 2024 e trouxe ideias modernas sobre posse, pressão alta e jogo apoiado, rompendo com a tradição de bolas longas e lançamentos laterais. Trabalhou especialmente a capacidade de scanning e visão periférica dos jogadores – a leitura constante do espaço antes de receber a bola – e transformou uma equipa de orçamentos reduzidos na mais produtiva ofensivamente da Suécia, a par do Hammarby, com 42 golos marcados até agora.

O segredo, contudo, não reside apenas na tática. A comunidade de Sölvesborg abraçou o projeto, o clube equilibrou as contas com uma gestão criteriosa e apostou na valorização de jovens talentos, que alimentam tanto a competitividade desportiva como a sustentabilidade financeira. Elliot Stroud, médio de 23 anos e principal referência ofensiva, resume bem o espírito: «Quando pensavam no Mjällby, pensavam em bolas longas. Agora jogamos com energia, pressão e criatividade. É difícil acreditar na rapidez com que tudo se transformou.»

Entre veteranos como Jesper Gustavsson ou Jacob Bergstrom, ainda presentes desde os tempos sombrios, e jovens emergentes como Abdoulie Manneh ou Ludwig Thorell, o Mjällby tornou-se exemplo de resiliência. O apoio fervoroso da claque Sillastrybarna, que também cresceu de algumas dezenas para meio milhar de membros, reforça a ideia de um clube que é mais família do que empresa.

Se a vantagem de oito pontos será suficiente para resistir à pressão até novembro é ainda uma incógnita. Mas, para muitos, a grande vitória já está conquistada: provar que, «onde o mundo acaba e o mar começa», como descreveu um dia um adepto visitante, é possível desafiar a lógica do futebol moderno. Mesmo que o título de campeão não chegue, o Mjällby já se inscreveu no mapa europeu como a mais improvável das histórias da temporada.