Anders Torstensson, treinador do Mjällby (Foto: Mjällby)
Anders Torstensson, treinador do Mjällby (Foto: Mjällby)

O Ranieri de Mjällby que foi militar, professor e sofre de leucemia

Treinador de 59 anos está a escrever o maior conto de fadas dos campeonatos europeus desde que o Leicester ganhou a Premier League em 2016. Vila de 1500 habitantes à beira da glória na Suécia

Nesta segunda-feira, os 1.500 habitantes da vila piscatória sueca de Hällevik poderão gritar: «Somos campeões!» Não de uma divisão inferior ou de uma taça, mas sim da Suécia. Nesse dia, o Mjällby visita o terreno do mítico IFK Gotemburgo e só depende de si para se sagrar de campeão e fazer história no futebol europeu: tornar-se o clube sediado na localidade menos povoada que alguma vez se sagrou campeão nacional de uma nação da UEFA.

Mas por trás de cada grande equipa, está um homem do leme. E o do Mjällby é protagonista de um conto de fadas à parte, que começou há mais de 40 anos.

«Nunca pensei ser treinador»

A poucos metros do Mar Báltico está o pequeno Strandvallen, estádio do Mjällby que tem uma lotação mais de quatro vezes superior à vila que o acolhe. E foi aí que um jovem Anders Torstensson chegou, com o sonho de singrar como jogador. Passou pela formação do clube e chegou à equipa sénior… que nunca chegou a representar. E abandonou o Mjällby em 1985.

Estádio do Mjällby - o Strandvallen (Foto: Mjällby)

O sonho como jogador ficou por aí e Torstensson foi militar durante 10 anos. Depois, teve vontade de ensinar e tornou-se professor escolar, enquanto começava a carreira de treinador em clubes locais, um patamar que não ambicionava ultrapassar. «Nunca pensava em seguir a carreira de treinador», disse Torstensson, numa entrevista ao The Guardian, sobre aqueles primeiros tempos.

A ligação forjada com o Mjällby era forte e os caminhos dos dois voltaram a cruzar-se em 2007, quando Torstensson foi nomeado treinador-adjunto, numa equipa que quase tinha de fazer omeletes sem ovos.

«Estávamos na Allsvenskan [campeonato sueco], mas era realmente um clube semiprofissional. A maioria dos jogadores tinha empregos paralelos, treinávamos no final da tarde, só eu e o meu assistente éramos a tempo inteiro. Tínhamos um treinador de guarda-redes duas vezes por semana; tínhamos um roupeiro que trabalhava a tempo inteiro no seu próprio negócio. Tínhamos um médico que trabalhava a tempo inteiro como professor. Não tínhamos ginásio. Tomávamos uma refeição juntos após o treino de quinta-feira e a situação económica era muito, muito precária.»

Treinador, não, professor!

Torstensson teve finalmente a oportunidade de ser treinador principal do Mjällby em 2013, mas a experiência não valeu a pena, tanto que este treinador de uma equipa de uma 1.ª divisão europeia preferiu apostar no seu trabalho enquanto professor. Uma decisão que manteve em 2021, quando voltou ao Mjällby para ajudar o clube a manter-se na Allsvenskan.

Finalmente, em 2023, tudo mudou. O Mjällby não tinha razões de queixa de Torstensson e voltou a convidá-lo. E o treinador teve de ser persuadido.

«Eu disse-lhes que mal tinha estado no futebol profissional desde 2013 e que tudo tinha mudado», conta também ao The Guardian. «Eu disse: “Não sou o melhor instrutor, nem o melhor treinador, nem o melhor em termos táticos”. E eles responderam: “É verdade, mas não nos importamos porque tu ganhas jogos”. Eu percebi que, se recusasse, as minhas perspetivas no futebol acabariam. Eu adorava o meu trabalho, mas sentia que era agora ou nunca.» E assim foi.

Otimismo com leucemia

A caminhada história do Mjällby não se fez sem vários percalços e um dos maiores para Torstensson foi um diagnóstico médico em agosto do último ano: o treinador tem leucemia linfocítica crónica. «Dizem que não se morre por causa disto, mas que se morre com isto.»

Adeptos do Mjällby no Strandvallen (IMAGO)

«Por isso, por agora, posso viver a minha vida normalmente. Aceitei o diagnóstico e tento deixá-lo no hospital. 24 horas depois de o conhecer, decidi que tinha a escolha entre seguir em frente ou deitar-me e chorar. No final, tirei apenas uma semana de folga e, mesmo assim, continuei a acompanhar a equipa. Depois, voltei a 100% e estou feliz», retrata.

Mais feliz estará se, a 20 de outubro, imitar aquilo que Claudio Ranieri fez à frente do Leicester em 2016: sagrar-se campeão nacional contra todas as probabilidades. Tanto profissionais como pessoais.

«Quando as equipas chegam aqui de autocarro, conduzem e conduzem, passando por quintas e portos de pesca. Continuam e, quando já não podem conduzir mais, encontram o nosso estádio»

Hasse Larsson também é uma peça importante do sucesso do Mjällby – e o diretor desportivo está quase tão atónico quanto Torstensson por esta caminhada do clube. «Nunca podia imaginar isto, de forma alguma. Nunca estivemos nesta posição, mas cá estamos. Somos uma equipa muito boa agora e temos uma grande oportunidade», disse também ao The Guardian.

Larsson tem outras semelhanças com Torstensson: também jogou no clube, mas com mais sucesso, já que foi seu capitão durante nove anos. E já teve grande desafios de saúde, tendo ultrapassado um tumor no cérebro e um cancro na próstata. «Foi um período difícil, mas eu estava 100% decidido a voltar para a minha família e para o futebol, as duas coisas que mais amo. Demorou algum tempo, mas é assim que eu sou, luto até ao fim.» Tal como o Mjällby que quer agora fazer.

«Este clube sempre foi uma família», conta ainda, dando o exemplo do modesto estádio que o acolhe: «Quando as equipas chegam aqui de autocarro, conduzem e conduzem, passando por quintas e portos de pesca. Continuam e, quando já não podem conduzir mais, encontram o nosso estádio.»

Artigo publicado originalmente a 7 de outubro