Dos passarinhos às botas de Sabry: as melhores frases de Mourinho no Benfica
José Mourinho estreou-se como treinador principal no Benfica em setembro de 2000. Durou apenas dois meses e meio, depois de mudança de presidente — Manuel Vilarinho, que ganhou as eleições a Vale e Azevedo, tinha prometido Toni aos adeptos e recusou renovar o contrato ao técnico de Setúbal após vitória por 3-0 sobre o Sporting.
Foram, então, apenas dois meses e meio, mas com muita história. E muitas frases polémicas, que A BOLA recorda:
22 de setembro, véspera da estreia pelo Benfica, contra o Boavista
Quem tem medo fica em casa. Quem não sente potencial psicológico para isso passa toda a sua vida em clubes de menor dimensão. Quem se sente com confiança para estas guerras, entre aspas, que para mim o futebol nunca é guerra, esfrega as mãos.
O Benfica não tem dez bons jogadores e dez passarinhos. Tem vinte bons jogadores. Olho para todos eles com a mesma confiança. Para mim, jogar o A, o B ou o C nunca será motivo para surpresa. Quero que os jogadores pensem que o coletivo se sobrepõe sempre ao individual. Quem quiser provar o contrário vai ter de o fazer sozinho.
28 de setembro, a seguir a empate com o Halmstads e eliminação da Taça UEFA
Não vou ter contemplações. Vou para a guerra sem medo com quem tenho cem por cento de confiança, com aqueles que são, se não ganhadores, pelo menos lutadores. Temos de ter caráter e os que não o tiverem não me dão segurança para seguir em frente. Acredito que todos estão disponíveis para ir para a guerra e vencê-la, mas alguns poderão ter neste momento menos aptidões, pela sua mentalidade e forma de estar em campo.
1 de outubro, antes de receção ao SC Braga
Não estou a apontar uma pistola a ninguém, mas sim um indicador que diz, a alguns, que ainda não atingiram os níveis de seriedade no trabalho, de concentração e de sacrifício que pretendo. Verifiquei, pela análise do trabalho anterior, que talvez faltasse uma pontinha de agressividade nos treinos.
14 de outubro, sobre as eleições de dia 27 desse mês
Só penso no meu trabalho. Quero viver totalmente independente e isolado de eleições e consequências eleitorais. A minha preocupação é a equipa e, com as limitações que temos, tenho demasiado com o que me preocupar. Os dias até deviam ser mais longos para mim...
21 de outubro, após empate 0-0 em Paços de Ferreira
Defensivamente a minha equipa foi perfeita e esta é a única coisa positiva que consegui extrair do jogo. De 0 a 10 a defesa tem 10 e a qualidade de passe foi 1. E já estou a ser simpático.
28 de outubro, antes de jogo com o Campomaiorense e comentando vitória de Vilarinho sobre Vale e Azevedo na véspera
Assinei contrato com o Benfica a 20 de setembro mas também assinei um compromisso moral com os sócios, no intuito de me dedicar a 100 por cento a este clube. Repito: o meu compromisso é com os sócios do Benfica, com os meus jogadores e com as pessoas que estão comigo.
29 de outubro, após vitória sobre o Campomaiorense
Dedico esta vitória ao presidente que me trouxe para este clube. Desejo a melhor sorte e um bom futuro para o novo presidente do Benfica.
Não sei se é gozo, mas quando estamos a ganhar os árbitros dão cinco ou seis minutos de desconto; quando é ao contrário, dão só um ou dois...
1 de novembro, sobre reunião com o novo presidente
Esta manhã, antes do treino, tive uma reunião com o doutor Manuel Vilarinho, em que, depois de nos apresentarmos mutuamente, o senhor presidente tomou a palavra e disse-me de forma muito explícita: se estava na minha mente pôr o meu lugar à disposição, que não o fizesse porque ele não aceitaria. Depois desta declaração, tudo aquilo que eu possa sentir ou ter preparado como tomada de posição deixa de ter qualquer tipo de importância. A partir deste momento continuo a ser o treinador principal do Sport Lisboa e Benfica, com toda a motivação e com todo o orgulho.
11 novembro, em conferência de imprensa, reagindo a entrevista de Sabry a A BOLA, na véspera
Preferia que ele tivesse dito: eu não gosto do treinador. Cada um só pode falar dos seus próprios sentimentos. Ele não sabe se eu gosto ou não dele. Mas também digo que não é fácil para um treinador gostar de um jogador que tem uma média absurda de foras de jogo por partida; que não sabe que quando a bola está em posse do adversário no lado contrário ele tem de fechar o espaço interior em vez de o deixar aberto; que não sabe o que é relação posicional e ocupação equilibrada dos espaços; que fora de casa foge quando lhe mostram os dentes; que contra Halmstads, Belenenses e Boavista esteve três vezes na cara do guarda-redes e não fez um golo; que ao intervalo, quando eu sou um pouco mais agressivo, vai fazer queixinhas ao secretário técnico a dizer que eu sou muito agressivo e que tem medo de mim.
Tenho um livrinho onde aponto todas as reuniões individualizadas com um jogador. Com o Sabry, que diz que nunca falei com ele, tive sete reuniões, três delas nos últimos quatro dias. Ele diz que nunca falou comigo, mas ele não gosta é daquilo que eu lhe digo.
O único jogo em que ele só disputou vinte minutos foi em Paços de Ferreira, onde, por sinal, levou oito minutos a preparar as botas e as caneleiras! À minha frente, toda a equipa que estava no banco colocou as mãos na cabeça, porque não compreendiam como é que um jogador que ia entrar demorou oito minutos a entrar em campo. Nesse dia em que jogou apenas 20 minutos, poderia ter jogado 28.
Para mim, e disse-o a ele, quem jogar na posição de um número dez tem de ter uma cultura tática elevada. Um jogador que seja um elo de ligação defesa-ataque, e não que seja o elo de ligação defesa-ataque do... adversário, entregando-lhe as bolas. Jogou nessa posição contra o Belenenses e em 16 minutos o adversário teve cinco contra-ataques por bolas perdidas do Sabry, pelo que tive de mudar o Miguel para o meio e o Sabry para a esquerda.
Na quinta-feira, Sabry disse-me: ‘Quero jogar na posição do Dani e ele pode jogar na minha’. Respondi-lhe: ‘Não, cada um joga na sua posição. Quem manda sou eu’. Na sexta-feira, antes do treino, voltou a falar comigo e disse-me: ‘Quero ficar na posição do Poborsky e o Poborsky fica na minha. Se eu jogar aberto na direita, posso vir para dentro com o pé esquerdo’. Respondi-lhe que não: ‘Se tu jogas na direita e vens para dentro e o Poborsky joga na esquerda e também vem para dentro à procura do pé direito, acabaram-se os extremos, acabaram-se os cruzamentos, é tudo pelo meio’. Mais tarde, uma terceira reunião, com algo ainda mais grave: ‘Mister, como o Dani não tem características para jogar na esquerda, coloque lá outro que eu jogo no meio’. Pela terceira vez, disse que não. Pela terceira vez, vinquei: ‘Quem manda sou eu’.
Isto é o Sport Lisboa e Benfica, não é o PAOK de Salónica. Enquanto me quiserem, quem manda sou eu. O único que me pode influenciar, a quem dou legitimidade para o fazer, e do qual tenho orgulho por tê-lo a meu lado, é o Carlos Mozer.
17 de novembro, antes do jogo com o Vitória de Guimarães, sobre críticas e facto de ser um treinador a prazo
Sei perfeitamente em que filme estou. Sei quem são os realizadores, os produtores e sei qual é enredo e o final do filme que muitos desejam. Mas sendo eu um dos atores principais, sinto-me no direito de alterar o final desse mesmo filme.
A minha personalidade incomoda muita gente. Frontalidade, abertura e clareza incomodam aqueles que gostariam de ter estes atributos e não os conseguem ter. Estou consciente que estou cada vez melhor como treinador.
25 de novembro, sobre presença de Dani em almoço do plantel e 'staff', apesar de ser alvo de processo disciplinar
O convite foi extensivo a Dani e isso parece-me normal. Não tentem encontrar aspetos negativos neste almoço porque eles não existem, vi pessoas a conviver a comunicar e a aumentar os laços que os une. Não foi este grupo que excluiu Dani e a recetividade de Dani ao convite, pois foram os companheiros que o fizeram, foi total.
25 de novembro, sobre almoço de António Simões, diretor-geral da SAD do Benfica, com Toni e Carlos Queiroz
Eu almoço com quem quero e onde quero e não admito que ninguém tenha considerações sobre isso. Seguindo esta linha de raciocínio, o senhor António Simões pode fazer o mesmo e não tem de me dar explicações sobre os almoços que eventualmente tem ou teve.
26 de novembro, após vitória sobre o Campomaiorense, para a Taça de Portugal
Diamantino Mirnada tem muita coragem. Primeiro os jogadores do Benfica não tinham lugar no Campomaiorense, depois o Fernando Meira e o Poborsky já tinham qualidade. Senti que podíamos estar aqui três dias sem sofrer um golo.
4 de dezembro, um dia após a vitória sobre o Sporting
Já tiveram tempo para saberem se gostam ou não do meu trabalho. Mais um ano de contrato ou vou-me embora porque já tenho outro clube.
5 de dezembro, após rescisão de contrato
Este é um dia muito triste, pois terminamos a nossa ligação contratual com o Benfica. Quando chegámos aqui, definimos dois objetivos principais. O primeiro era que a equipa de futebol se tornasse melhor do que era na altura em que aceitámos o cargo de treinadores e esse objetivo foi, felizmente, alcançado. O segundo era ganhar mais espaço e tempo para podermos pensar em discutir a luta pelo título... Infelizmente chegou ao fim a nossa ligação e não podemos concluir essa meta. Peço que não interpretem mal esta situação complicada, em que houve razões e culpas repartidas pelos dois lados. O doutor Manuel Vilarinho entrou neste clube com o estigma de outro treinador e é perfeitamente legítimo que os presidentes tenham os treinadores da sua confiança. Nesse ponto não culpo ninguém. Agora, perante as coisas que se diziam... que éramos treinadores a prazo, que dependíamos deste ou daquele resultado, que ficaríamos apenas até ao final da época, a nossa confiança no trabalho foi ficando prejudicada. Ontem, fomos falar com Manuel Vilarinho e dissemos-lhe que gostaríamos de renovar contrato por mais um ano, tendo por base os últimos bons resultados e tudo o que se vinha passando. Uma renovação sem acrescentar um tostão a mais nos valores que existem. O presidente, legitimamente, não aceitou esta nossa forma de pressão, podem chamar-lhe assim, e recusou. Assim, entendemos esta atitude como uma prova de pouca confiança e tomámos esta decisão, que já estava pensada há mais tempo.
E, dias depois, chegaria a dura resposta de Manuel Vilarinho, depois de várias entrevistas de Mourinho a dissecar o que se passara na Luz:
O senhor José Mourinho é vaidoso, não tem caráter e é chantagista. Deveria ter percebido que em primeiro lugar está o Benfica, independentemente do que acontece em campanha eleitoral. Ele sabe que só começou a ter resultados depois de eu ter chegado ao clube e de ter pago os ordenados e prémios de jogos aos jogadores. O senhor Mourinho é um instrumento do anterior presidente, o senhor Azevedo, que parece continuar em campanha eleitoral.