Ao serviço do Rei de Marrocos

Luís Gonçalves, treinador português, é um dos treinadores internacionais convidados para dar corpo a um grande plano de formação de jogadores em Marrocos. Um desígnio assumido pelo rei Mohammed VI com o objetivo do país se assumir como a maior potência do futebol africano

— Que projeto é este que o levou a Marrocos?
— Um desafio que surgiu algo inesperadamente e bastante interessante. A Faderação marroquina está a chamar a si a responsabilidade da formação dos jogadores dos clubes e lançou o Programa Nacional de Formação do Jovem Jogador. Contratou vários especialistas internacionais, entre as quais eu, que assumo funções de direção técnica.. Um trabalho de base, também para dar formação aos treinadores.

— Qual o objetivo principal deste programa?
Marrocos está a crescer muito no futebol, a investir no seu desenvolvimento e quer continuar a fazê-lo de forma sustentada e com investimentos seguros. O contexto é também a organização da CAN-2025 e da coorganização do Mundial 2030. Marrocos quer chegar ao Mundial com alguns jogadores já da sua formação.

— É o único português contratado para este projeto?
— Há um outro colega, Pedro Santos, que já foi coordenador técnico do Rio Ave, que tive o prazer de conhecer já em Marrocos. Há luso-franceses. E claro, muitos franceses, pela relação de proximidade e pela lingua, belgas, um ou outro espanhol e alguns, poucos, marroquinos.

— Tem havido um investimento em recursos humanos. Mas em que ponto está o investimento em infra-estruturas?
— Por causa da CAN e do Mundial estão a ser construídos novos estádios, outros a ser reabilitados, novos relvados, vários investimentos de monta. Mas ainda existe alguma disparidade a nível de clubes. Por exemplo, eu colaboro com o Olympyc Safi, equipa que venceu recentemente a Taça do Rei. Curiosamente, um clube com mais de cem anos e que vence o primeiro título nacional... Não sei se tem alguma coisa a ver com a minha chegada.. [risos]. O Safi está em processo de construção da academia, reabilitando um centro que estava muito degradado. Ainda faltam campos, mas estamos a tratar disso.

— Tem boa matéria prima para trabalhar?
— Tenho, acima de tudo porque pelo menos em Safi existe muito futebol de rua. Existe muita qualidade, muito potencial e estou numa cidade que tem uma grande paixão e cultura de futebol. O Olympic Safi sempre foi um clube que lançou muitos talentos.

— Havendo investimento em recursos humanos e em infraestruturas, em termos de política desportiva a formação é mesmo levada a sério ou apenas uma bandeira para usar?
— Não tenha dúvidas, até porque foi assumido como um desígnio nacional pelo próprio Rei de Marrocos. O presidente da Federação também está a dar muita força ao projeto. A nível de base, fui recebido com muita abertura pelos treinadores marroquinos, querem evoluir, querem conhecer outras visões e outras experiências.

Marrocos, maior potência de África

O também treinador português Alexandre Santos, do FAR Rabat, contava-nos há poucos meses que Marrocos quer mesmo ser o melhor país africano em termos de futebol, superando, em organização, mediatismo e qualidade do campeonato, a África do Sul. Sente o mesmo? É possível?
— Não tenho dúvida nenhuma. E não só ser a grande referência de África como estar ao nível, não digo do topo, mas da qualidade de muitos dos países de topo. O investimento é em todas as áreas e até a FIFA já reconhece este investimento ao instalar em Rabat a sua representação em África. Em Marrocos há um compromisso de todos. Do Rei à Federação passando pelos clubes.

Já treinou em todos os escalões, clubes e seleção. Já fez um pouco de tudo no futebol, como agora... O objetivo é voltar a ser treinador principal?
— Sou treinador profissional é nesse papel que me sinto melhor. Mas atenção, estou a gostar muito deste projeto, de ser diretor técnico de formação, funções que me permitem ganhar outras valências e passar a minha experiência e conhecimentos.

Sadi, uma cidade que já foi portuguesa

Luís Gonçalves vive na cidade de Safi. «Uma cidade calminha, pequena, que nada tem a ver com as maiores referências, que são Rabat, Casablanca e Marrakech». «Uma cidade piscatória e onde se pode comer uma ótima sardinha», junta Luís Gonçalves, «e que já foi portuguesa no século XVI».

De facto, Safi esteve sob domínio português entre 1508 e 1541. Os portugueses instalaram-se aí como parte da expansão no Norte de África, transformando Safi numa importante fortaleza e porto estratégico. Em 1541, após a queda de Agadir (Santa Cruz do Cabo de Gué) e a pressão militar dos saadianos, os portugueses acabaram por abandonar a cidade.