SC Braga transferiu Roger para a Arábia Saudita por mais de 30 milhões de euros — Foto: IMAGO

Portugal pode ser irrelevante no mercado de transferências

Tribuna Livre é um espaço de opinião de A BOLA e esta é da responsabilidade de Luís Sobral, consultor e ex-CEO da FPF

A FIFA divulgou no início do mês, logo após o fecho de mercado, o balanço da janela de transferências de verão. Os dados ficaram em parte desatualizadaos porque como sabemos os jogadores continuaram a voar para alguns países que não fecharam as portas. Mas em termos genéricos as grandes tendências não se alteraram.

Eis algumas.

Nunca houve tantas transferências.

Nunca se movimentou tanto dinheiro.

Inglaterra é o centro do mercado.

Portugal foi o segundo país com mais jogadores contratados (inclui jogadores livres, empréstimos e regressos de empréstimo).

Entre os dez países que mais futebolistas receberam, só três registaram resultado negativo entre compras e vendas: Inglaterra, Turquia e Itália.

Portugal estava com um registo equilibrado, mas a venda posterior de Roger do SC Braga para a Arábia Saudita permitiu ao nosso país ter cerca de 50 milhões de euros de lucro.

Os clubes franceses estão com problemas graves nos direitos televisivos, por isso trataram de vender muito.

O Transfermarkt tem a vantagem de estar atualizado com os recentes valores, mas sem o rigor da FIFA. Por isso nem tudo bate certo, embora o quadro geral seja semelhante.

O retrato de Portugal é conhecido. Sporting teve resultados positivos (60 milhões de euros), tal como o SC Braga (13 milhões). FC Porto (-16 milhões), Famalicão (-9,5 milhões) e Benfica (-9 milhões) gastaram mais do que receberam.

Em França, o saldo coletivo ficou perto dos 350 milhões de euros. Nos outros países que dividem com Portugal a luta pelo sexto lugar do ranking UEFA também se registaram lucros: 143 milhões nos Países Baixos e 218 milhões na Bélgica.

Na época anterior, a Bélgica tinha obtido um lucro coletivo de 266 milhões e os Países Baixos de 187 milhões. Ou seja, os rivais de Portugal exibem uma máquina de compra e venda oleada e parecem apostados em enriquecer. Até ver, isso não lhes retirou competitividade na Europa. Talvez pelo contrário.

Quando olhamos para os clubes, o que vemos?

Fora dos cinco grandes países, estes foram os clubes que mais gastaram em transferências, de acordo com o Transfermarkt:

28.º Benfica: 105 milhões

35.º FC Porto: 94 milhões

40.º Fenerbahçe: 87 milhões

44.º Sporting: 68 milhões

47.º PSV: 63 milhões

52.º Feyenoord: 56 milhões

59.º Ajax: 49,7 milhões

66.º Besiktas: 38 milhões

71.º Club Brugge: 36 milhões

83.º SC Braga: 28 milhões

102.º Genk: 18 milhões

107.º Union Saint Gilloise: 17 milhões

112.º Anderlecht: 16 milhões

Quanto a receitas de transferências, também fora dos cinco maiores países, são estes os clubes mais bem posicionados:

11.º Sporting: 128 milhões

24.º Benfica: 97 milhões

26.º Feyenoord: 94 milhões

32.º Club Brugge: 83 milhões

34.º Ajax: 80 milhões

39.º PSV: 78 milhões

40.º FC Porto: 77 milhões

47.º Union Saint Gilloise: 69 milhões

65.º Genk: 43 milhões

67.º SC Braga: 41 milhões

Em termos de resultados entre receitas e despesas, quatro clubes franceses aparecem nos primeiros dez. Fora dos cinco maiores, é assim:

10.º Sporting: 59 milhões

14.º Union Saint Gilloise: 51 milhões

16.º Club Brugge: 47 milhões

18.º Feyenoord: 38 milhões

24.º AZ Alkmaar: 34 milhões

29.º Ajax: 30 milhões

36.º Genk: 25 milhões

60.º SC Braga: 13 milhões

97.º V. Guimarães: 4,9 milhões

163.º Rio Ave: -4,9 milhões

190.º Benfica: -8,5 milhões

193.º Famalicão: -9,5 milhões

209.º FC Porto: -16 milhões

Uma janela de mercado não permite retirar grandes conclusões.

Mas quando olhamos para clubes da Bélgica e dos Países Baixos percebemos que o lucro é, em regra, habitual.

Eis alguns exemplos, somando os resultados entre receitas e despesas de transferências desta época com os de 2024/2025 e 2023/2024:

Antuérpia: mais de 100 milhões

Club Brugge: mais de 80 milhões

Union Saint Gilloise: mais de 80 milhões

Anderlecht: mais de 30 milhões

Ajax: mais de 140 milhões de euros

AZ Alkmaar: mais de 110 milhões de euros

Feyenoord: mais de 100 milhões de euros

PSV: cerca de 50 milhões de euros

Twente: mais de 30 milhões de euros

Esta consistência de resultados só é possível em clubes equilibrados, com linhas desportivas bem definidas e capacidade de valorizar jogadores mesmo não ganhando campeonatos e não estando sempre na Liga dos Campeões.

O documento da FIFA permite ver quais são os países que mais compram em cada país. Eis os números, incluindo a França.

Quem comprou mais a clubes franceses: Inglaterra, Itália, Arábia Saudita, Alemanha e Turquia.

Quem comprou mais a clubes dos Países Baixos: Inglaterra, Alemanha, Itália, França e Espanha.

Quem comprou mais a clubes portugueses: Inglaterra, Espanha, Itália, França e Alemanha.

Quem comprou mais a clubes belgas: Inglaterra, Itália, Alemanha, Portugal e França.

Sem surpresa, a Inglaterra é o maior comprador de todos estes mercados com menor potencial. Itália e Alemanha são os outros países em comum.

Que jogadores vendem estes países?

As tendências do mercado são estas: vendem-se jogadores cada vez mais novos, que são internacionais, já têm algum tempo de primeira divisão e estiveram muito bem na temporada antes da transferência. Se forem defesas-centrais ou avançados, melhor.

O caso de Roger é exemplar. Apesar de ter apenas 19 anos, levava cinco temporadas na primeira divisão portuguesa: 91 jogos no SC Braga. Assim que pôde jogar na Seleção Nacional, foi chamado aos sub-21 e participou no Euro-2025.

Na última época realizou 48 jogos nos bracarenses, marcou cinco golos e somou quatro assistências. É jovem e consistente. Daí o passe ter sido comprado por mais de 30 milhões de euros.

No mercado, pouca coisa acontece por acaso.

Infelizmente, em Portugal o caso de Roger é raro. Somos um país que não tem, em regra, plano desportivo para os jovens jogadores. Se tivesse de escolher o nosso maior defeito, seria este. A seguir indicaria a incompreensível tendência para despedir treinadores, o que só acentua a dificuldade em dar espaço aos mais novos.

Se os jovens jogadores portugueses não forem excecionais — como João Neves, Nuno Mendes, António Silva, Quenda ou Mora — podem esperar longos meses nas equipas sub-23 e B. E no fim do túnel descobrem, quase fatal, a dispensa.

Em regra, os jovens jogadores chegam sempre tarde aos escalões.

Deveriam estar aos 16 anos na Liga Revelação e aos 17 nas equipas B.

Aos 18, caso não tivessem ainda maturidade para jogar num grande, o seu lugar deveria ser em outra equipa da Liga Betclic.

O regime de empréstimos da Liga Portugal não ajuda, mas diria que esse não é o único problema.

Parece haver medo de emprestar ou ceder, talvez por se pensar que se o jogador resultar haverá críticas por menor capacidade de antecipar o futuro. É uma maneira de pensar e agir totalmente errada.

Casos como Francisco Moura (SC Braga-Famalicão-FC Porto) e Chico Lamba (Sporting-Arouca-Saint-Étienne) são o caminho certo. Os jogadores ganham espaço, valorizam-se e o dinheiro é dividido por quem forma e por quem dá espaço e tempo de jogo.

Esta época, se exceptuamos as três equipas B que competem na Liga 2, só 31 jogadores portugueses com 21 anos ou menos têm jogado nas competições profissionais.

Quando alargamos para os estrangeiros, o número sobe para 125 jogadores, já incluindo as equipas B.

Se o mercado procura jogadores cada vez mais novos e nós por cá temos pouco disso, a conclusão parece fácil: Portugal corre o risco de se tornar irrelevante no mundo das transferências. Teremos sempre os talentos que se aproximam da genialidade, claro, e uma ou outra exceção mais velha como Gyokeres. Mas ou isto muda ou em breve não haverá volume.

Ao contrário do que sucede em França, Bélgica e Países Baixos, em Portugal o mercado interno não existe.

A transação de jogadores entre clubes do quinto lugar para baixo é inexistente.

Benfica, FC Porto, Sporting e SC Braga também raramente investem em futebolistas que nasceram cá ou se destacaram em outros emblemas. Quando isso sucede — Pedro Gonçalves, Ugarte, Francisco Moura, Nuno Santos ou Morita — os resultados até são satisfatórios. Mas é tão raro que não se pode falar de um mercado.

Os milhões que os grandes investem vão sempre para fora, limitando o crescimento dos clubes médios e pequenos.

O Famalicão é a única exceção. Com um investidor sólido e uma política desportiva consistente, é capaz de detetar talento e dar-lhe espaço e oportunidades para que se desenvolva. O dinheiro das vendas foi reinvestido e hoje o Famalicão parece pronto para lutar pelo apuramento europeu.

Esta época, o Alverca também renovou o plantel e apostou bastante em jovens jogadores.

Ter jovens e dar-lhes minutos é a única receita possível para inverter o caminho em que estamos.

Benfica, FC Porto e Sporting, se olharmos para os jogadores que colocam em campo, parecem ter percebido esta realidade. Não admira, têm pessoas que conhecem o mercado e dependem em grande parte da capacidade de comprar e vender com eficiência.

Já a generalidade dos outros clubes apresenta plantéis com jogadores que nunca serão capazes de fazer mexer o mercado. Com todo o respeito, parecem desenhados para sobreviver na Liga Betclic.

Sempre nos habituámos a olhar para nós próprios como um país competente a formar e hábil a comprar e vender. Pois bem, há más notícias. Outros países estão a formar pelo menos tão bem e em maior quantidade e a sua capacidade de vender por valores elevados não está reservada apenas a três clubes.

Se Portugal não refletir sobre o que tem mudado, corremos o risco de um dia sermos irrelevantes no mercado e as grandes transferências serem exceção. Espero estar enganado.