De cara lavada
Em pausa FIFA, e com a acalmia a si associada, surge a possibilidade de analisar de forma ponderada as duas caras que o Braga tem apresentado nas semanas recentes.
Muito se tem ouvido falar no «projeto» e no «processo». Isto porque é sabido que as coisas não mudam do dia para a noite e que as diferenças para os clubes de cima não se esbatem facilmente, como que por milagre. Acontecendo, como tem sido o caso, é, e será sempre, o resultado de vários anos de trabalho.
Quando o nome de Carlos Vicens surgiu nos radares, rapidamente se percebeu que a intenção seria a de começar um novo ciclo, com um plano a médio/longo prazo (será fácil de concordar que, no futebol atual, um contrato de três anos pode ser considerado longo). Pareceu, ainda, ter havido uma saudável receção dessa ideia e um reconhecimento da necessidade de mudança de mentalidade por parte de adeptos e sócios, ainda que ajudada pelos positivos resultados obtidos. Mas surgiram tropeções, que rapidamente transfiguraram o cenário e despertaram desagrado e intolerância. Estávamos em meados de setembro quando surgiram as primeiras manifestações de (alguns) adeptos que sugeriam vontade de mudança na equipa técnica, menos de dois meses após o arranque oficial.
Foi nesse momento de maior aperto que Carlos Vicens se conseguiu valorizar e o Braga completou uma semana marcada por competência, personalidade e qualidade. Quando tudo fazia prever uma queda livre, o treinador maiorquino operou mudanças nos nomes e no esquema tático, que surtiram um efeito que teve tanto de significativo como de inesperado. Realizou-se uma primeira parte de alto nível em Glasgow, com superioridade assinalável. Na segunda metade a equipa foi obrigada a sofrer e soube fazê-lo com excelência, complementando isso com alguma da fortuna que tem, nos últimos tempos, estado de costas voltadas com o clube.
Surgiu, dessa forma, a primeira vitória portuguesa da história frente ao Celtic no seu reduto, a primeira vitória do Braga na Escócia e a segunda vitória em outros tantos jogos na atual fase de liga da UEFA Europa League. Um pleno de triunfos que superou já o registo forasteiro da época transata nas competições europeias.
Seguiu-se a sempre complicada deslocação a Alvalade. Novamente com alterações no onze inicial, novamente com uma resposta imponente. Durante a grande maioria do jogo, este esteve sob o controlo de um Braga de cara lavada. Maduros, pacientes e esforçados, os jogadores viram o seu trabalho recompensado nos descontos, após o VAR, finalmente, notificar o árbitro de uma indiscutível grande penalidade. De forma exímia, Zalazar trouxe justiça ao resultado.
O registo pontual na Liga continua a ser destaque pela negativa, comparativamente ao histórico recente, mas a capacidade que o treinador demonstrou na preparação destes dois desafios de elevada exigência, num momento de instabilidade e fragilidade, não pode ser ignorada. Uma espécie de murro na mesa e uma demonstração de qualidade e de união com o grupo. Resta agora aguardar por uma evolução similar nos restantes — a maioria, diga-se — dos jogos do campeonato.
Nesse capítulo, tem faltado capacidade de criação e de resolução dos problemas, contra equipas que preparam os jogos com o intuito maior de condicionar o adversário, diferentemente do que se sucedeu no Celtic Park e em Alvalade, onde foi o Braga a surpreender e a ajustar-se aos desafios emergentes.
Apesar de tudo, este conjunto de jogos deixa bem evidente que existe potencial de melhoria e crescimento. Escrevia há duas semanas acerca do «copo meio vazio» que definitivamente não esvaziou, mas que também não está mais próximo da borda. Talvez muitos olhem para ele com outros olhos, mas estamos a falar ainda do mesmo copo. Nada mais exemplificativo de que a solução nem sempre será a mudança de treinador, como se de um videojogo se tratasse. Pede-se, agora, continuidade e estabilidade.