A pior seleção do mundo precisa de ser goleada... para sonhar com o Mundial
San Marino, o microestado encravado entre as colinas do norte de Itália, com menos de 34 mil habitantes, ocupa o último lugar do ranking da FIFA entre as 210 nações filiadas. Em 219 jogos oficiais, venceu apenas três vezes - todas contra Liechtenstein - e nunca ganhou uma partida de qualificação para um Mundial ou um Europeu.
Mesmo assim, por incrível que pareça, ainda pode chegar ao Mundial 2026. Uma combinação improvável de resultados e um regulamento peculiar da UEFA mantêm viva uma réstia de esperança para a pequena república, que tem sido sinónimo de resistência, humildade... e derrotas.
Como funciona o apuramento europeu
Como é que San Marino ainda se pode apurar? Passamos a explicar. A Europa dispõe de 16 vagas para o Mundial: 12 são atribuídas aos vencedores dos grupos de qualificação; As restantes quatro serão decididas nos play-offs da UEFA, que contarão com 16 equipas.
Essas 16 seleções incluem os 12 segundos classificados dos grupos e os quatro melhores vencedores de grupos da Liga das Nações que não tenham ficado entre os dois primeiros do seu grupo de qualificação. É, justamente, aqui que San Marino entra em cena. Em 2024/25, venceu duas vezes o Liechtenstein e empatou com Gibraltar, terminando no primeiro lugar no seu grupo da Liga das Nações D - algo inédito na sua história.
Graças a isso, subiu à lista de espera dos possíveis beneficiários da repescagem da UEFA. Mas, para que essa porta continue aberta, é necessário que algumas equipas à sua frente na hierarquia - nomeadamente Roménia, Chéquia, Suécia e Irlanda do Norte - terminem nos dois primeiros lugares dos respetivos grupos.
O cenário surreal: perder… para poder sonhar
O destino de San Marino depende, ironicamente, do que fizer a Roménia, que partilha grupo com os sanmarinenses. A Roménia está atualmente em terceiro lugar, atrás da Bósnia e Herzegovina e da Áustria - que goleou San Marino por... 10-0 -, e precisa de ultrapassar os bósnios para garantir um lugar no play-off.
E aqui surge o paradoxo: os melhores interesses de San Marino passam por perder - e de preferência por muitos golos - frente à Roménia, na última jornada da qualificação. Se a Roménia vencer com larga margem, poderá superar a Bósnia na diferença de golos e garantir o segundo lugar, libertando uma vaga no play-off que beneficiaria… San Marino.
Caso contrário, se a Roménia falhar o apuramento e ficar fora dos dois primeiros lugares, ocupará precisamente o lugar que a equipa do microestado precisa para poder entrar. A situação é tão absurda que levanta questões éticas e regulatórias: a FIFA proíbe deliberadamente a manipulação de resultados, incluindo perder de forma intencional. Mas o simples facto de o melhor cenário possível para San Marino implicar uma derrota pesada já torna esta história digna de um guião de cinema...
A eterna lanterna vermelha da FIFA e o milagre possível
San Marino ocupa o 210.º e último lugar do ranking mundial desde novembro de 2023, abaixo até de seleções sem atividade regular, como a Eritreia. O pequeno estádio de Serravalle, com 6600 lugares, raramente enche - e, por vezes, os adeptos visitantes superam em número os locais. Ainda assim, cada golo, cada empate e até cada derrota honrosa são celebrados como pequenos triunfos.
A possibilidade matemática de chegar ao play-off do Mundial 2026 é, para San Marino, mais simbólica do que real. Mesmo que tudo corra a seu favor, a seleção teria de enfrentar uma potência europeia num jogo decisivo fora de casa - um cenário quase impossível. Mas, para um país cuja história futebolística se mede em dignidade e não em vitórias ou títulos, o simples facto de estar envolvido em contas de apuramento já é, por si só, um feito histórico.
Se a derrota frente à Roménia vier a acontecer, talvez San Marino prove uma vez mais que, no futebol, nem sempre perder é sinónimo de fracasso.
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