O Caldas-SC Braga dos oitavos de final da Taça realizou-se em Torres Vedras - Foto: D. R.
O Caldas-SC Braga dos oitavos de final da Taça realizou-se em Torres Vedras - Foto: D. R.

A morte lenta da Taça de Portugal

Mercado de Valores é o espaço de opinião de Diogo Luís, antigo jogador de futebol, economista e comentador

A Taça de Portugal sempre foi apresentada como a prova que melhor representa o espírito popular do futebol português. O que se observa hoje é que esse espírito é uma miragem. A cada temporada, a competição parece menos uma festa do povo e mais um percurso favorável a alguns.

Arbitragem, discurso e pressão

No final do jogo com o Vitória, Frederico Varandas abordou vários temas relevantes relacionados com arbitragem. Concordo com grande parte da análise, mas não com a tentativa de diferenciar o Sporting dos restantes clubes. Basta recuar a fevereiro da última época para perceber que, embora com outra forma, o conteúdo foi semelhante: analisou erros e tirou conclusões sobre o impacto desses erros na classificação. Se isto não é pressão nos árbitros, então o que é?

Nesta intervenção, apresentou uma sugestão de multas pesadas para dirigentes e clubes que comentem arbitragem, colocando agora a responsabilidade do lado de todos. Se houver quem recuse esse caminho, as conclusões serão inevitáveis. Varandas comparou ainda dois lances similares: o canto mal assinalado frente ao Santa Clara para o campeonato, que originou o golo da vitória do Sporting, e o livre mal marcado no FarenseBenfica, que resultou num golo encarnado. O erro foi semelhante. A reação, não.

O primeiro motivou comunicados de Benfica e FC Porto; o segundo, não. No jogo da Taça frente ao Santa Clara, reconheceu que o penálti não deveria ter sido assinalado e classificou como inexplicáveis os 12 minutos de análise do VAR. Faltou acrescentar o essencial: a ausência de explicação da reversão da decisão em campo por parte de João Pinheiro e o silêncio do Conselho de Arbitragem sobre a análise, durante 12 minutos, a um erro básico que teve uma consequência irreversível — a eliminação do Santa Clara da Taça de Portugal. Quando o erro é repetido, explicado a meio e ignorado no fim, deixa de ser acaso e passa a ser sistema.

O caso Caldas: quando a Taça deixa de ser uma festa

No final do jogo com o SC Braga, Diogo Clemente, capitão do Caldas, teve um discurso duro, sentido, mas sincero e muito clarividente. Se os factos relatados por si e por José Vala (treinador do Caldas) forem verdadeiros, estamos perante um caso grave de desrespeito institucional.

O Caldas preparou o jogo como sempre se prepararam as grandes noites da Taça: cidade mobilizada, mais de quatro mil bilhetes vendidos, investimento feito e um ambiente de festa criado. Os jogadores e treinadores sabiam que as probabilidades eram reduzidas, mas acreditavam que o ambiente poderia ajudar a criar uma surpresa. Tudo se alterou quando, às 21 horas da noite anterior ao jogo, a FPF, através de e-mail, informou o clube de que a partida não se realizaria no Estádio da Mata, dando apenas uma hora para escolher entre o campo do Torreense ou o Jamor.

Aqui estão muitas coisas em causa: a ausência de profissionalismo por parte da FPF e a desvalorização completa da mobilização e do trabalho que, de forma unida, os agentes desportivos e políticos das Caldas da Rainha promoveram. Adicionalmente, a forma como tudo foi feito demonstra também falta de contexto e sensibilidade. A Federação sabia que o Torreense é o maior rival do Caldas? Sabia do peso simbólico dessa decisão para jogadores e adeptos?

A situação torna-se ainda mais caricata quando o treinador José Vala afirma que a avaliação ao relvado foi feita por uma pessoa de uma empresa independente, sem acompanhamento do clube, e que o campo alternativo apresentava piores condições do que o da Mata. Se isto for verdade, é extremamente grave. Desde logo pelo profissionalismo da FPF e pelo respeito que deve existir para com todos os clubes. Faria a Federação o mesmo a um clube de maior dimensão?

No final do jogo, Diogo Clemente falou com indignação, mas também com clareza. As conclusões são difíceis de contrariar: a Taça deixou de ser a festa do povo; o futebol português não está unido; os clubes pequenos estão, cada vez mais, a serem peões num jogo de grandes; os valores do desporto cedem perante os interesses; e o futebol real está a perder terreno para o futebol das aparências.

Diogo Clemente deixou ainda um desabafo importante, que demonstra uma grande visão crítica do atual estado do futebol português: se os clubes pequenos se mantiverem em silêncio, por receio de represálias, o respeito diminuirá e situações como esta voltarão a repetir-se. Depois de tamanha falta de respeito com o Caldas, os seus adeptos e a sua cidade, espera-se que os responsáveis da FPF não se escondam.

A Taça de Portugal está, este ano, ferida. E a ferida não é apenas desportiva. É institucional. É moral. A Taça que outrora era a festa do futebol está-se a transformar numa competição de elites. Quem perde com tudo isto é o futebol real.

A Valorizar: RUI BORGES
O balanço do seu primeiro ano no Sporting é muito positivo: Joga um futebol atrativo, valoriza jogadores, ganhou dois títulos, fez esquecer Gyokeres e conseguiu fazer uma transição, com naturalidade, da ideia de jogo de Ruben Amorim para a sua. Nunca se queixa das ausências e valoriza quem está. A excelente exibição em Guimarães confirma tudo isto.
A Desvalorizar: FPF
O que sucedeu com o Caldas não pode cair no esquecimento. As acusações são demasiado graves e exigem que alguém responsável esclareça o que se passou. É a credibilidade da FPF que está em jogo.