Ticha com a mãe, Helena Penicheiro. Fotografia Teófilo Afonso/A BOLA

Ticha Penicheiro: Entre a pipoca no sofá e a saudade da adrenalina como Michael Jordan, o adeus para deixar de ter dores

PARTE 3 de 3 — Antiga estrela da WNBA, atualmente agente de jogadoras, regressou uma vez mais a Portugal, agora para a apresentação do documentário sobre a sua vida ‘Feel the Magic: Ticha Penicheiro Against All Odds’ e conversou com a A BOLA sobre a experiência, recordando um passado que foi um passo no escuro, mas vencedor, de conquista, fala sobre a atualidade da WNBA e de como ainda tem saudade dos 'courts', mas que esse foi um período que ficou fechado e resolvido

— Vou voltar ao livro de 1998. Dizia que gostava de ter uma carreira como locutora ou jornalista para continuar próxima do jogo. Foi também por isso que se tornou agente?
— Sem dúvida. Quando já estava a ver que tinha que me retirar, via a luz no fundo do túnel, de manhã já era complicado andar sem dores, perguntei-me a mim mesma o que é que queria fazer para continuar relacionada com o basquete, para contribuir para a modalidade. Tirei o curso de jornalismo, mas naquela altura ser agente era aquilo que queria fazer, pois dava-me também um bocadinho de liberdade. Posso estar em qualquer parte do mundo e fazer o meu trabalho e eu queria essa liberdade de poder vir a Portugal, estar com a família... Nessa altura não havia muitas mulheres a representar jogadoras, principalmente ex-basquetebolistas e vão basicamente dar conselhos, porque vivi tudo o que as minhas jogadoras estão e vão viver. Para mim fez todo o sentido e por isso escolhi esta profissão.

É mais difícil ser agente ou jogadora?
— Não sei, depende de algumas coisas, mas é uma profissão que gosto. Não é só ser agente, é ser mentora, como irmã mais velha, conselheira, poder ajudar as jogadoras a seguirem os seus sonhos e carreiras. Não só dentro de campo, mas fora dele e tentar que continuem a ser profissionais e respeitem o jogo. E esses valores, que são tão importantes para mim, tento incutir-lhes.

Às vezes estou no sofá a ver o jogo e penso: isto é muito melhor com uma pipoca do que estar ali dentro, mas é claro que uma pessoa sente falta dessa adrenalina de jogar, competir, mas também quando se entra no autocarro e no balneário e ter oportunidade de partilhar com as nossas colegas as vitórias e até as derrotas.

— Na última grande entrevista que Michael Jordan deu à NBC, não sei se viu, ele disse que gostaria de ter um comprimido mágico que lhe permitisse vestir os calções e jogar hoje na NBA, porque sente falta desse desafio. Também ainda sente falta desse desafio?
— Sim, alguns dias, não todos os dias. Às vezes estou no sofá a ver o jogo e penso: isto é muito melhor com uma pipoca do que estar ali dentro, mas é claro que uma pessoa sente falta dessa adrenalina de jogar, competir, mas também quando se entra no autocarro e no balneário e ter oportunidade de partilhar com as nossas colegas as vitórias e até as derrotas. Mas estou bem e compito de outra maneira... Ser agente é uma competição, é tentar assinar estas jogadoras, saber que ela pode ser a número um do draft ou a número 10. Há sempre maneiras de continuar a competir, até de uma forma mais saudável, menos arriscada e sem dores.

Olhando para trás, acho que excedi as minhas expectativas e se calhar as de muita gente. Queria também ter saúde para poder continuar a ter uma vida normal, sem tantas dores,

— Lembro-me sempre quando fez o último jogo pelas Chicago Sky, falámos na manhã seguinte, ia para um jogo de futebol-americano. Por um lado, estava aliviada, tinha acabado. Recordo que contou que na carreira toda tinha feito para aí duas infiltrações e naquele ano haviam sido três e tinha de rolar da cama para se levantar. Era o limite. Aquele ano foi muito duro?
— Sim, muito, muito duro. Passei mais tempo a receber tratamento do que a lançar ou dentro do campo. Foi complicado, porque joguei 15 anos como profissional, mas o ano inteiro, no verão e no inverno, e se formos a ver as estatísticas, sempre mais de 30, 35 minutos nas duas temporadas [Europa e EUA]. O meu corpo deu o berro. Como dizem os americanos: foi conduzir até saírem as rodas. E as rodas estavam a sair. Era altura. Estava em paz com a minha carreira. Olhando para trás, acho que excedi as minhas expectativas e se calhar as de muita gente. Queria também ter saúde para poder continuar a ter uma vida normal, sem tantas dores, Durou um bocadinho até o corpo voltar ao normal, mas neste momento está bem.

— A sua carreira, para além de ter sido tão longa e com o sucesso que teve, necessitou sempre de gerir o período na Europa e o dos Estados Unidos. Recordo-me que estava preocupada em não chegar aos Estados Unidos desgastada porque depois tinha que renovar contrato.
— Exato.

Por agora, o que estamos a negociar é melhores condições salariais e de tudo, mas não mudar a época. Ainda por cima com as outras ligas da Rival e Athletes Unlimited, que são no inverno, as jogadoras não têm necessariamente que vir para a Europa

— Para a WNBA dar o salto, também não era importante que o campeonato deixasse de ser sazonal e ser um campeonato anual, para as jogadoras não terem que andar de um lado para o outro?
— Se for assim, acho que a WNBA tem então que pagar aquilo que as jogadoras merecem, mais do que merecem, porque elas vão ter oportunidade de receber noutras ligas. Não sei, neste momento gosto do calendário ser no verão, porque há muitas equipas que também usam os pavilhões da NBA e não existe esse conflito. Por agora, o que estamos a negociar é melhores condições salariais e de tudo, mas não mudar a época. Ainda por cima com as outras ligas da Rival e Athletes Unlimited, que são no inverno, as jogadoras não têm necessariamente que vir para a Europa, fazem uma época noutra liga, mas é um bocadinho mais curta.

— E podia abrir novamente o livro e ler a sua última citação.
— Se é para ler, se calhar preciso de óculos… «I give everything to the game of basketball because the game has given me more than I could ever imagine (Dou tudo pelo basquetebol porque o jogo deu-me mais do que poderia imaginar)». Não precisei de óculos [risos]

— Afinal o jogo acabou por lhe dar muito mais do que imaginava nessa altura?
— Sem dúvida. Aqui ainda sem ter feito a carreira na WNBA, já me tinha dado muito, muito. Poder entrar na WNBA, ser a n.º 2 do draft, ter acabado uma liga universitária com sucesso, ter jogado na Seleção, já me tinha dado bastante. Mas ainda estavam para vir mais 15 anos. Foi muito além.