Ticha Penicheiro: «Arriscar, dar tudo e viver sem arrependimentos»

PARTE 1 de 3 — Antiga estrela da WNBA, atualmente agente de jogadoras, regressou uma vez mais a Portugal, agora para a apresentação do documentário sobre a sua vida ‘Feel the Magic: Ticha Penicheiro Against All Odds’ e conversou com a A BOLA sobre a experiência, recordando um passado que foi um passo no escuro, mas vencedor, de conquista, fala sobre a atualidade da WNBA e de como ainda tem saudade dos 'courts', mas que esse foi um período que ficou fechado e resolvido

Filmado há cerca de dois anos, mas com problemas de direitos de imagem a ajudar ao atraso da exibição ao público, o documentário ‘Feel the Magic: Ticha Penicheiro Against All Odds’, realizado por André Braz para a Betclic Studios, com produção Plusable, foi apresentado esta quinta-feira no Tribeca Film Festival Lisboa. A BOLA aproveitou a oportunidade para conversar com a melhor basquetebolista  portuguesa de sempre, sobre o documentário, o seu passado, presente e futuro de uma carreira ímpar que continua além dos courts.

— Passados 13 anos após se ter retirado como jogadora da WNBA, como foi o desafio de fazer este documentário ‘Feel The Magic: Ticha Penicheiro Against All Odds’?
— A ideia partiu um bocadinho da Betclic, depois também se meteu a federação e quando me apresentaram, pensar que a minha história merece um documentário... nunca o faria eu própria, não é? Mas quando a Betclic o sugeriu, pensei que fazia todo o sentido: uma menina da Figueira da Foz que conseguiu ir para os Estados Unidos e ter a carreira que tive. Sou um bom exemplo, mas não tem de ser para uma rapariga que jogue basquete, pode ser para um rapaz, para qualquer pessoa que tenha o sonho de ser alguém na vida e ir atrás desse sonho e batalhar por aquilo que quer. Estou super contente, orgulhosa e feliz por, finalmente, podermos estrear o documentário.

— Já o viu, não foi?
— Sim.

— Ele atravessa o seu percurso desde a Figueira da Foz até se retirar nas Chicago Sky, após 15 épocas da WNBA, ou também entra já no momento como agente de jogadoras e o resto da sua vida? Centra-se mais no período da WNBA, como é?
— É um bocadinho o percurso da vida e a ser agente que, como disse, retirei-me em 2012, já lá vão 13 anos. Portanto, é o que estou a fazer  agora e continuo a dar o meu contributo ao basquete de uma maneira diferente, que era o que desejava no pós-carreira. O documentário fala exatamente dessa história, do percurso começando na Figueira da Foz, depois na universidade, da WNBA, também jogar na Europa, para culminar na nova etapa como agente.

Nos anos 80 não era fácil e ainda por cima dizer-lhes que queria ir para os Estados Unidos… Não é assim tão fácil os pais aceitarem. O meu percurso e a carreira deve-se também a muita gente e esta história é igualmente para contar isso.

— Trouxe-lhe muitas emoções fazer este documentário, os sítios onde teve que ir, pessoas com quem falou? Isso mexeu um bocado consigo, até porque não era uma coisa que tinha pensado?
— Sim, sem dúvida, é como andar para trás como fazíamos com uma vídeo-cassete VHS que rebobinávamos. Rever outra vez como tudo começou. Às vezes, o tempo passa tão depressa que nem aproveitamos bem o momento. Ter a oportunidade de rever tudo o que fiz e ouvir o palmarés porque, por vezes, até parece um bocado surreal ou que não é verdade e tenho que me beliscar. Mas este documentário também é importante para agradecer às pessoas que fizeram parte do meu caminho. Sejam elas companheiras de equipa, amigas, treinadores e claro, a família. Os meus pais, e estamos a falar dos anos 80, em que não havia internet nem nada disso, e dizer-lhes que quero jogar basquete e fazer exatamente aquilo que o meu irmão mais velho faz: praticar desporto. Nos anos 80 não era fácil e ainda por cima dizer-lhes que queria ir para os Estados Unidos… Não é assim tão fácil os pais aceitarem. O meu percurso e a carreira deve-se também a muita gente e esta história é igualmente para contar isso.

— Porquê «against all odds» (contra todas as probabilidades)? Sempre tive a noção que criou essas probabilidades. Pelo seu trabalho e ambição, elas acabaram por surgir naturalmente. Acha que houve assim tantas poucas probabilidades de não acontecer?
— Quando uma pessoa começa, não sabe como é que vai acabar. E se dizemos: ela é da Figueira da Foz, joga basquete, é um desporto feminino e, como eu disse, eram anos 80/90. Acho que havia muitas poucas odds [probabilidades] de ir para os Estados Unidos e ter a carreira que tive. Se calhar não acreditava que havia odds, porque sempre acreditei que podia ultrapassar qualquer obstáculo que aparecesse à frente, mas claro que há. E também há bastantes sacrifícios que se fazem para se conseguir chegar onde cheguei.

A meta era sempre ser a melhor jogadora que pudesse e ter as condições para o fazer, mas não sabia exatamente o que isso significava. Claro que, agora, olhando para trás, penso que consegui superar todas as minhas expectativas

— Mas, quando foi estudar em 1995 para a Universidade de Old Dominion e depois entrou na WNBA em 1998, ainda sentia que havia pouca possibilidade de não ser a seu favor ou era uma coisa que já tinha como adquirida? Sei que quando foi para a universidade, não pensava sequer que iria haver uma liga profissional nem nada, não era algo para o qual trabalhava para lá chegar.
— Sim, mas às vezes também trabalhamos muito e não conseguimos lá chegar. A meta era sempre ser a melhor jogadora que pudesse e ter as condições para o fazer, mas não sabia exatamente o que isso significava. Claro que, agora, olhando para trás, penso que consegui superar todas as minhas expectativas, mas as fasquias também se vão pondo e depois vamos derrubando à medida que seguimos o caminho. Creio que na carreira aconteceram-me muitas coisas de uma maneira orgânica, mas houve muito trabalho. Ah, e claro, quando fui para os Estados Unidos, o meu objetivo não era jogar na WNBA porque a Liga não existia e atuar na NBA era assim um sonho um bocado arriscado demais, sabia que não iria acontecer. Mas, como disse, é arriscar, dar tudo e viver sem arrependimentos.

Eu fui um bocado num passo no escuro. Não sabia o que iria encontrar, mas, por acaso, as coisas correram bem. Às vezes também é preciso um bocadinho de sorte.

— Hoje em dia, uma jogadora portuguesa tem maiores probabilidades de chegar à WNBA como teve, está igual, ou é mais difícil?
— Acredito que tem mais probabilidades. Primeiro, vai haver mais equipas, há redes sociais, maneiras de as pessoas contactarem universidades. Eu fui um bocado num passo no escuro. Não sabia o que iria encontrar, mas, por acaso, as coisas correram bem. Às vezes também é preciso um bocadinho de sorte. Ir para Old Dominion, ter a oportunidade depois de levar a Clarice [Machanguana] e a Mery [Andrade], ter uma equipa competitiva. Mas Old Dominion até podia ser uma universidade da terceira divisão, e eu não podia fazer nenhuma pesquisa, não havia internet. Por isso, foi um bocadinho um passo no escuro: vou para os Estados Unidos e logo se vê. Nos dias de hoje há tantas mais oportunidades. Até em termos de treino, preparação, treinadores que se podem contratar e isso vê-se nos Estados Unidos. Agora a WNBA já é uma coisa que existe e as raparigas aos cinco, seis anos podem começar a preparar-se para jogar nessa liga, o que não existia quando tinha essa idade.

Se calhar, por vezes, também vão para os Estados Unidos e não ficam os quatro anos, ou vão para uma universidade onde não têm tanta visibilidade... Mas acredito que vai haver outra portuguesa na WNBA.

— E porque pensa que nestes 13 anos, desde que deixou de jogar, não houve mais nenhuma portuguesa, além de si e da Mery Andrade, a ter entrado na WNBA?
— Não sei, mas acho que vai acontecer. Posso olhar, por exemplo, para a Clara Silva, uma jovem que tem um futuro incrível, tem mais de 2 metros, possuiu uma técnica incrível, que este ano vai jogar em TCU [Texas Christian University]. Uma jogadora que por acaso represento, mas não estou a puxar a brasa à minha sardinha, acredito que tem esse potencial. Porque é que ainda não aconteceu? Não sei? Porque também demorámos tanto a ter um jogador na NBA? Às vezes é uma questão de timing, de oportunidades. Se calhar, por vezes, também vão para os Estados Unidos e não ficam os quatro anos, ou vão para uma universidade onde não têm tanta visibilidade... Mas acredito que vai haver outra portuguesa na WNBA.

Tal como a Clara está a fazer, é mais fácil entrar na WNBA se vierem da NCAA, não é?
— Acho que sim, porque têm mais visibilidade, há sempre os olheiros, os treinadores, os general manager das equipas da WNBA que seguem a NCAA, principalmente se jogares numa equipa que seja boa, numa universidade boa, estás sempre na televisão e vais ter essa visibilidade que considero ajudar eventualmente a ser recrutada para a WNBA.

O que também ajudou o Neemias Queta?
— Exato.