Tão diferentes, tão exemplares
Ao longo dos anos, o futebol africano tem tentado, embora nem sempre com os melhores resultados, melhorar a sua competitividade, sobretudo quando em sede de fases finais de Mundiais, e em cotejo com seleções de outros recantos do globo.
Todos nos lembramos da excecional fornada dos Camarões, em 1990, deixando Itália e o planeta futebol em êxtase com a magia única de um conjunto de jogadores de eleição e de exportação, ou da Nigéria de 1998, entrando de rompante no Mundial de França, com uma vitória por 3-2 sobre a Espanha, em Nantes.
E, claro, mais recentemente, da prestação notável do país africano com melhor estrutura e organização no Mundial do Qatar, há três anos. Marrocos foi o exemplo de que a qualidade, quando bem orientada e aliada a uma crença inabalável, pode produzir resultados de excelência.
Aqui chegados, ressalto hoje a prestação de duas seleções nacionais na qualificação africana para o Mundial das Américas, com as diferenças entre ambas a colidirem numa festa e num reconhecimento global de quem gosta verdadeiramente de futebol.
Cabo Verde é o exemplo acabado de como uma estratégia de médio e longo prazo, em condições muito particulares e desafiantes, pode redundar em sucesso. Os tubarões azuis prometiam muito, de há anos a esta parte. Em rigor, desde a sua presença na fase final da Taça de África das Nações de 2013, na África do Sul, onde foram eliminados pelo Gana, em Durban, nos quartos de final, por 1-0.
O princípio de tudo radicou no estabelecimento de prioridades no desenvolvimento do futebol cabo-verdiano. Um arquipélago de dez ilhas (nove delas habitadas), o extremo sul da Macaronésia, com as inerentes dificuldades resultantes da dupla insularidade africana.
O trabalho de competência inegável de Mário Semedo, o presidente da Federação Cabo-verdiana de Futebol, teve na visão ampla e no arrojo dois argumentos de peso, e encontrou em Bubista (mas também em anteriores selecionadores do país, como Lúcio Antunes e Rui Águas), o respaldo técnico e a capacidade de entendimento necessários para seguir um trilho de despistagem de talentos e de acompanhamento de carreiras internacionais das principais figuras da seleção A do arquipélago.
Nem sempre a emergência de resultados é o caminho mais curto para o sucesso. Veja-se o caso da seleção de Angola (curiosamente acasalada no mesmo grupo de qualificação de Cabo Verde, Camarões, Líbia, Maurícias e Eswatini), e cuja pressão pública após uma bela prestação na CAN da Costa do Marfim (em janeiro e fevereiro de 2024), reforçada com uma grande campanha na qualificação para a CAN de Marrocos, em 2025, levou a que resultados menos bons no caminho para o Mundial-2026 suscitassem quase uma obrigação de substituição do selecionador Pedro Gonçalves.
Algo que, em boa verdade, foi sempre previsível após a assunção de Alves Simões como presidente da Federação Angolana de Futebol.
Ora, Cabo Verde deu o exemplo contrário: segurança à equipa técnica, condições muito próximas das ideais na preparação da qualificação para a Taça do Mundo da FIFA, espírito de grupo, absoluto envolvimento e apoio da massa de adeptos que sempre seguiu os tubarões azuis, e uma gradual melhoria da qualidade do jogo e, acima de tudo, um foco absoluto no grande objetivo.
Se me dissessem, há dez anos, que Cabo Verde estaria, em 2026, na fase final de um Mundial de futebol, não conseguiria evitar um sorriso complacente.
Pois aí estão eles, com o seu treinador Bubista em primeiro plano e com uma equipa — dos competentíssimos dirigentes a cada empenhado jogador — preparados para a estreia no principal rendez vous do planeta.
Planeamento, organização, método, qualidade na ação, criação de condições, inabalável e indestrutível espírito de grupo e de missão. Parece simples? Pois, mas não é, o que só valoriza ainda mais o extraordinário feito dos tubarões.
Noutro plano competitivo, mas com idênticos méritos estruturais, o apuramento (e regresso, 16 anos depois), da África do Sul ao Mundial é um case study. A PSL (Premier Soccer League) é, seguramente, a mais bem organizada liga profissional de futebol no continente africano, e dela emergem os principais valores dos bafana bafana. Foi assim na CAN marfinense, foi assim, também, na transpirada qualificação direta para o Mundial-2026.
Uma seleção em completo contraponto com a generalidade dos combinados africanos. A grande maioria dos jogadores atua na sua liga, no seu país, e são muitos poucos os casos de internacionais sul-africanos a jogarem no estrangeiro.
Trabalho de fundo, pensado e com o cunho de uma velha raposa, o belga Hugo Broos, que, aos 71 anos, consegue a proeza de apurar a seleção sul-africana para a competição das Américas do Norte e Central, sem invenções, mas com critério, com suporte da direção federativa, e com tempo — esse tão incompreendido quanto indispensável fator — para atingir o magno objetivo.
Poderão, Cabo Verde e África do Sul, disputar apenas três jogos na fase final do Mundial. Mas o principal objetivo, o grande feito e as incontornáveis lições aí estão, talvez para serem aproveitadas (se houver vontade, discernimento e capacidade) por dirigentes de outros países africanos — até de língua oficial portuguesa — habitualmente mais distraídos com viagens sucessivas ou agendas pessoais de difícil interpretação.