José Peseiro, Carlos Carvalhal e Rui Vitória no Summit - Foto: Summit
José Peseiro, Carlos Carvalhal e Rui Vitória no Summit - Foto: Summit

Rui Vitória lembra saída do Benfica: «Graças a Deus fui para a Arábia»

Três treinadores portugueses estiveram no Portugal Football Summit e partilharam as suas muitas experiências fora do seu país

Três treinadores portugueses - Rui Vitória, José Peseiro e Carlos Carvalhal - marcaram presença na tarde desta sexta-feira na Cidade do Futebol, em Oeiras, para o Portugal Football Summit e abordaram as suas muitas experiências no estrangeiro, contando algumas histórias curiosas.

Carvalhal foi o primeiro a falar e abordou o futebol turco. «Na Turquia tive uma passagem… não fiz pré-época, o presidente tinha sido preso, por causa de um caso de corrupção. E o outro treinador antes de mim também. Trabalhei em circunstâncias muito difíceis, estava a trabalhar com a equipa técnica do outro treinador e quase era diretor desportivo. Não tinha portugueses, tive de pagar o vencimento para um se deslocar. Não temos noção do quão competitivo é o campeonato turco. Foi uma boa aprendizagem, o Besiktas era diferente e tinha muitos estrangeiros, e os portugueses Manuel Fernandes, Quaresma, Hugo Almeida, Simão Sabrosa. Não foi difícil trabalhar com eles, porque o entendimento do jogo era bom com eles. Nas outras equipas era mais um estilo de luta», começou por dizer, passando para Inglaterra e depois o SC Braga, Celta de Vigo e não só.

«Em Inglaterra foi diferente, a aprendizagem foi muito grande. O Championship… aquilo que não é para meninos. Fizemos sete ou oito jogos em agosto, níveis de competitividade altíssimos, estilos de jogo muito diferentes. Era um desafio muito grande, de três em três dias. No SC Braga foi mais evidente, por termos uma academia de excelência e a potenciar jogadores como Vitinha, Roger Fernandes e Rodrigo Gomes, já estamos a falar de 50 milhões. A qualidade dos jogadores ajuda muito e nunca tive um miúdo que estreasse e nunca fiquei desiludido. No Rio Ave já tinha feito 5 ou 6, no Celta 3 ou 4, Gabri Veiga na altura, é uma questão de confiança e olhar para estes jovens jogadores como os outros», explicou, passando a palavra para José Peseiro, que foi adjunto de Queiroz no Real Madrid.

«Como assistente aguentei-me, mas se fosse treinador principal...»

«Um treinador que tem 9 anos de treino, treinador principal, que tinha subido duas vezes da terceira à segunda, do nacional à primeira, com contexto totalmente diferente. A primeira coisa foi a única vez que fui assistente fora de casa. Ter o convite do Queiroz, quando estava no Brasil a ver jogadores para o Nacional, e chegar a Madrid e quase tremi as pernas. De onde eu vinha, de não ter balneário de primeira liga, e depois a pressão mediática, jornais, quando entrei no balneário e vi toda a gente, como assistente aguentei-me, mas se fosse o treinador principal…», atirou, admitindo que foi algo muito importante para si.

«Não interessa onde começamos. Adaptar-nos a um contexto, outra língua, outras pessoas, outros egos, mas eles [Galáticos] são gente inteligente. E quando precisamos de ajuda, eles dão, e foi o que aconteceu. Foi uma experiência tremenda. Foi um projeto único, Florentino tinha ideias brilhantes num clube que estava com problemas grandes. Fez tudo para isso. Queiroz fez uma grande luta para termos um grande plantel, uma segunda opção. Não ganhámos nada, caí eu, porque não tínhamos outras soluções. Quando o onze começou a ter problemas, fez com que acabássemos em terceiro lugar. Valência foi campeão. Os galáticos acabavam o treino e tinham o avião para ir para não sei onde e venderem a sua imagem por causa dos problemas financeiros que o Real tinha na altura. Nunca encontrei algo assim, até pela dimensão do clube, mas foi muito bom para mim, ver todos esses egos, relativamente ao treino. Aprender com eles, toda a estrutura, com o Carlos, e não sei se tinha dado passos à frente como dei se não estivesse no Real Madrid», garantiu, passando ao tema de seleções, começando pela Venezuela, no meio do covid e em problemas políticos no país.

«Na Venezuela apanhei um país… loucura. Um português como eu a andar a ver a liga durante o covid, um alemão se calhar não via. Quilómetros para ver torneios. Portugueses têm facilidade em criar grupo e naquela altura fomos iniciar a Copa América e fomos com a equipa para o Brasil. Quando lá chegamos tínhamos sete jogadores com covid, no seguinte mais 4. Colocámos um avião ao dispor e tínhamos de ir a Venezuela para buscar para o Brasil. Ficámos à porta de qualificar, perdemos com o Brasil 0-3, e com jogadores que jogaram pela primeira vez na seleção e nunca mais jogaram. No último jogo coloquei 7 que estavam recuperados de covid e perdemos com o Peru, se calhar se tivesse mantido os outros… [risos]», disse, elogiando o apoio na Nigéria, mas não outros aspetos fora do futebol.

«Nigéria foi incrível. As dificuldades e as carências na Nigéria, que só tem relvados em condições lá em baixo, relvados em dois estádios. Cheguei a Portugal, do meu bolso, a visitar os jogadores na Europa e disse ‘queremos jogar CAN e é para ganhar’. Visitei-os todos, visitei os clubes e vi os treinos desses treinadores. Inglaterra, França, Bélgica, foi um privilégio abrirem-me a porta e confrontar os meus currículos com os deles. A miséria continua porque têm de pagar viagens, não têm prémios, tive nove meses de atraso na Nigéria. Não tenho vergonha, acabaram-me por pagar. E a mês e meio disse pagam-me ou vou embora, e os jogadores disseram-me ‘pressionaste-nos para ir aos treinos e jogos, não vais embora agora’, e fui fazer o CAN, porque os meus jogadores convenceram-me. Condições são horríveis, viagens horríveis, imaginem os outros países, até a Nigería com o dinheiro que tem. E não esqueço aquele momento, Osimhen, Loookman, a convencerem-me para treinar. Chegámos à final, infelizmente não ganhámos, mas satisfeito com os jogadores, não com a estrutura diretiva», afirmou, passando a palavra a Rui Vitória, que saiu do Benfica para o Al Nassr.

«Graças a Deus que fui para a Arábia Saudita...»

«Foi uma mudança brusca, estive sempre em Portugal e sou muito caseiro, portanto nunca imaginei emigrar e de repente sou levado para um país que não pensava que seria o meu próximo destino. Graças a Deus que fui para a Arábia Saudita, não só do ponto de vista financeiro, mas por que me abriu o mundo. Pensamos que sabemos cá e não sabemos, e a vivência com outros contextos e culturas faz-me crescer enquanto pessoa e profissionais. A ideia para a Arábia e dos portugueses… o que nós temos é um conhecimento abrangente de uma serie de áreas e nos faz adaptar mais rapidamente. Nós somos de facto muito astutos e nós treinadores portugueses obrigamo-nos a crescer uns aos outros, até do ponto de vista tático. Andamos sempre nesta guerra e quando vamos para fora temos mais conhecimento», justificou, falando também da sua experiência de seleção, no Egito, com Mohamed Salah.

«Era uma figura diferente da maioria, por aquilo que significa no mundo do futebol, dizia muitas vezes ‘toda a gente quer ser como tu, mas ninguém quer fazer o que tu fizeste’. Eu sei o que ele passou, as dificuldades em se afirmar ao sair do Egito, andar estes anos fora e resistir a não voltar, e depois singrar, é um grande feito. Ele é uma figura acima, mas estes grandes jogadores são grandes em tudo, e a mim surpreendeu-me não só a sua qualidade futebolística, mas humana. Não é ser boa pessoa, ou simpática, é perceber o que é necessário em cada momento e para os seus colegas. Tivemos uma relação fantástica, tivemos uma decisão crucial que ele teve como capitão e comigo, que não posso contar, portanto era uma figura enorme. Era ele que dava o feedback e todos cumpriam, melhorámos muito em função disso. Ali no Egito era um mundo muito particular, eu só tinha 5 jogadores na Europa, o resto jogava no Egito. Dois clubes pagam muito bem, vivem como reis, não precisam de vir para cá, Al Ahly, Zamalek. E vir para cá seriam jogadores perfeitamente normais. Tentámos mudar, mas nunca é fácil mudar um país e nunca se conseguiu potenciar, porque era um contexto diferente. Marmoush é um jogador com uma visão diferente e havia mais jogadores que era apenas uma questão de haver a oportunidade, porque tinham qualidade, mas a mentalidade… língua, etc», finalizou.