«O contexto será muito importante para a afirmação de Rafael Quintas»
— Em que plano se encontra o Mateus Mide, melhor jogador do torneio para a FIFA, no melhor coletivo do Campeonato do Mundo? Foi um porto de abrigo por vezes ou não o vês assim?
— Não o vejo assim. Tínhamos um plantel, não só o 11, mas um plantel de jogadores muito equilibrados. A prova disso é a forma como os que entravam acrescentaram sempre energia e vitalidade. Com o desgaste acumulado de uma série de jogos, não só em nós como nos adversários, a partir dos 60, 65 minutos, começava a notar-se algum cansaço e, nessa altura, os cinco jogadores nossos que entravam davam energia à nossa seleção, definitiva para nós podermos ser campeões. Vejo mais todos os jogadores nas suas funções serem importantes quer no momento defensivo, quer ofensivo. Agora, claro, os jogadores na frente conseguem criar desequilíbrios pela sua mobilidade, pela forma de estar e características, e deram-nos aqui muitas coisas em termos ofensivos também. E o Mide foi um deles, claramente.
— Terá sido escolha muito difícil para a FIFA…
— Sim, sim, por isso é disse que, se fosse português, qualquer um deles podia ganhar que seria bem entregue. Pelo desempenho, e eu falo mais destes dois anos e meio, o crescimento, a forma como eles se apresentaram, a qualidade de jogo que foram mostrando, revela de facto que há qualidade nos vários setores da nossa equipa.
— Depois de ser capitão e presidente, ser o braço direito do treinador em campo é a terceira quinta do Rafael Quintas, ou não?
— Pois, o Rafael Quintas… Faço questão de frisar sempre isto junto do grupo: ele é de facto o meu braço direito e a extensão do treinador. E o respeito que eu quero que tenham comigo é o respeito que quero que tenham pelo capitão. Porque só assim é que há aqui uma identidade. Porque eles sabem que tudo o que quiserem devem transmitir ao capitão, e que se o treinador puder ir de encontro ao que eles pretendem, irá sempre. Quem joga são eles, quem tem de estar tranquilo são eles, isso na minha cabeça faz todo sentido. Não gosto de chico-espertices e, por isso, o respeitar o capitão naquilo que são as regras, socialmente quando não estamos em campo, é outro dos valores que nós queremos transmitir. Quero que consigam perceber, quando olham para a nossa seleção, que há ali um grupo de bons miúdos. Há um grupo que sabe respeitar, sabe estar e sabe dignificar as nossas cores e Portugal. Isto eles fizeram, de forma soberba, dentro do campo, mas quando saímos dos hotéis, dos sítios onde vamos, gostamos também muito quando nos dizem que o comportamento desta equipa foi excelente. Isso para nós também é um ponto. E o Quintas, nesse sentido, é o equilíbrio, porque lhe dão ouvidos, porque é um miúdo muito equilibrado, porque sabe estar, pensa em muitas coisas que outros já não pensam e, por isso, é de facto a extensão do treinador.
— Ele sai, de facto, como um dos nomes deste Campeonato do Mundo. Sai até valorizado por aquilo que apresentou em campo, pelo que referiste aí, mas não tem um perfil, sobretudo pela vertente física, que o futebol português valorize muito…
— Sim, é um daqueles casos em que o contexto será importante para o crescimento e valorização do Quintas e dos jogadores com características semelhantes. É verdade que ele tem de ter aqui um caminho também de poder ir melhorando e poder acrescentar coisas àquilo que são as suas características e isso vai ser também importante. Ainda bem que temos agora os Vitinhas, os João Neves e uma série de jogadores com fisionomia muito parecida e que estão a ter grande sucesso, o que me leva a crer que no contexto certo, porque no resto ele tem mais do que capacidade, possa ter sucesso. Espero que o tenha, naturalmente.
— Queria tocar no outro nome da tua equipa: Mauro Furtado. Ele é, aos 17 anos, a prova de que tem de ser adulto cada vez mais cedo? Digo isto porque é alguém que, como central, procura o passe mais progressivo, ser mais resistente à pressão, ser capaz de ser um bocadinho mais jogador do que central.
— Pois, para mim, o segredo do sucesso do Mauro vai ser esse equilíbrio entre o saber fazer as coisas e o quando. Porque ele tem uma capacidade, enquanto central para a construção, para aquilo que quero para o nosso jogo, muito importante. Depois, é encontrar o equilíbrio nessa natureza que ele tem de querer sempre fazer as coisas bem e, às vezes, as mais difíceis. Porque à medida que vamos crescendo, a exigência é cada vez maior e o erro menos tolerável. Na formação, ainda é tolerável quando tu erras, quando tu chegas a uma equipa A e te expões e cometes um erro grosseiro, eventualmente podes não voltar a ter mais oportunidades e é isso que gosto que eles pensem. Que comecem a perceber quais são os momentos adequados: o que posso fazer, o que já não posso fazer. E isso vai ser muito importante. Agora, espero que o Mauro nunca perca as suas características, porque fazem dele o jogador que é. Agora, é só ter um bocadinho mais de equilíbrio na tomada de decisão. Às vezes, gosta de descobrir o passe mais difícil quando a equipa está exposta e isso leva-te a dissabores. Ele foi crescendo nisso, está cada vez melhor nisso. É um caminho e ele tem de continuar a investir nessa situação porque o pode levar de facto a patamares diferentes.
— Para isso precisas de muito jogo…
— Muito jogo, errar e continuarem a acreditar em ti porque se tu erras e não jogas, vai-te inibir e começas a ser um jogador vulgar. E nós não queremos na nossa seleção jogadores vulgares, queremos jogadores que joguem com confiança e que exponham toda a sua qualidade. Foi uma vantagem que tivemos. Conseguimos que a nossa equipa, sendo muito homogénea, jogue tranquila e serena em cada setor E isso para mim é uma vitória.
— Já uma vez te apeteceu pegar no telefone e ligar a um treinador de uma equipa sénior e dizer ‘tenho aqui na minha equipa a solução para o teu problema’?
— Não, nunca, nunca, nem sequer penso nisso. Porque sei perfeitamente qual é o meu espaço e qual é o espaço dos clubes. E sei também que algumas vezes os clubes não estão tão alinhados com aquilo em que acredito quanto às características de jogadores como treinador de seleção. É o respeito que tenho de ter. Irei sempre fazer as minhas opções. É verdade que dependo muito dos clubes. Porque se há um jogador de que gosto muito que deixa de jogar no clube, ele não pode vir à seleção. Porque deixou de jogar e porque há outros que estão a jogar. Faço questão que os jogadores que vêm à seleção estejam a jogar. Mais do que jogarem patamares acima ou abaixo, para mim o importante é jogarem. Porque o ritmo de jogo que é preciso nas seleções nacionais não se coaduna com o jogador não jogar muito tempo, porque não vai conseguir dar respostas.
— Mesmo que seja alguém essencial no teu grupo?
— Mesmo que seja alguém essencial no meu grupo. Tenho muito claro, sabendo que posso estar a ser injusto pelo passado e pelo trajeto que o jogador teve. No entanto, para não estar a jogar tem de haver alguma coisa, porque ninguém é maluco ao ponto de não pôr a jogar jogadores com qualidade e em que acreditem. Há uma responsabilidade de todos, incluindo do próprio jogador. Por isso, quando isso deixa de acontecer, é porque houve um motivo, também acredito eu.
— Mas se for só uma situação de perfil? Se for só alguém que, pelo perfil, o treinador não gosta, enquanto tu gostas precisamente pelo perfil que ele tem…
— Se houver pouco tempo entre chamadas, eventualmente ainda trago o jogador. Se for mais tempo, já não. Claro que queremos fazer crescer os jogadores, mas também queremos dar respostas. Formar a ganhar é importante para todos nós. Criar uma identidade de vitória também. Sempre a tivemos e vamos continuar a ter. E cultivar isto é importante. Por isso, se tivermos jogadores em que acreditamos e com o perfil de que gostamos, mas não jogam nos clubes, como é que os podemos trazer à seleção? Não podemos, é impossível.