Bino explica o cuidado que teve com o guarda-redes que falhou no desempate com o Brasil

«Fui eu quem falhou o penálti, não o Romário»

Bino conta a história do desempate com o Brasil, a equipa mais forte que Portugal teve pela frente na caminhada para o título mundial

— O Brasil foi o adversário mais forte na caminhada.

— Como deves calcular, vimos os jogos de todos os nossos adversários. Vimos a forma como jogavam, vimos as características e o Brasil individualmente tem muito bons jogadores. Quanto à forma de jogar, sabíamos que se conseguíssemos ter ali duas, três coisas defensivamente, se nós fôssemos fortes, podíamos neutralizar muito daquilo que era o Brasil em termos ofensivos. E foi um bocadinho a mensagem que passámos aos nossos jogadores. Se nós defensivamente fizermos isto bem, vamos conseguir ganhar. Não ganhámos nos 90 minutos, é verdade, mas vale o mesmo porque tivemos um adversário forte pela frente.

— Mesmo virando a cara às grandes penalidades…

Pois, isso também acontece pela primeira vez, no Europeu e agora, e eu não sou nada supersticioso. A verdade é essa: não sou mesmo e tento nem sequer pensar nisso. Mas pronto, deixei de ver.

— Havia ainda a ameaça do guarda-redes, que tinha qualificado a equipa duas vezes antes...

— Foi outro peso que tentámos tirar-lhes de cima. Vale o que vale, porque muitas vezes dizem ‘OK, interessante’, outras podem achar ‘isto não é nada interessante’, mas tentámos fazer uma avaliação do que o guarda-redes do Brasil fez nos 20 jogos anteriores, quer na sua seleção, quer no campeonato dele e... perceber para onde normalmente defendia as grandes penalidades. Não querendo mudar nada no que era a forma como os nossos jogadores normalmente batem, queríamos que eles tivessem a consciência de que o guarda-redes se atirava muitas vezes para a direita, mas pelo chão. Quem costuma bater para aquele lado, ficou com a noção de que se batesse para cima iria mais facilmente fazer golo. Demos-lhes essa tranquilidade durante os treinos para eles perceberem que… ‘ok, eu estou a bater ali, mas estou a bater mais baixo, tenho de levantar mais a bola para ter sucesso’. Independentemente de depois o guarda-redes se poder atirar até mais vezes para o lado contrário, que isso deixamos sempre claro. Foi um bocadinho o desconstruir: estejam tranquilos, se fizerem isto bem, marcam, porém se isso também não acontecer, não há problema algum. A forma de lhes tirar esse peso das grandes penalidades também passou por ser eu a escolher os jogadores. Não quis que fossem eles a dizer que batiam ou que o fizessem com receio. Não. ‘Eu quero que sejas tu, independentemente de tu marcares ou não, a responsabilidade é minha.’ Fiz questão de fazê-lo para os libertar dessa ansiedade, porque já passei por essas situações e sei que não é fácil. É muito mais fácil estando de fora, é muito mais fácil treinar do que jogar. E quis-lhes dar essa tranquilidade. Felizmente, correu bem. Não sei se foi por isso ou não, mas pudemos aqui e ali contribuir para que as coisas... Foi mais uma coisinha que acrescentámos.

— E o adversário não se pode queixar muito porque também chegou aí a ganhar assim…

— Também ganhou alguns jogos assim, sim. Mas sabíamos que o caminho que tínhamos que seguir para esse jogo e isso acabou por ser fundamental. Talvez o jogo mais difícil que tivemos no Mundial tenha sido contra o Brasil, até pelas características do jogo deles, muito agressivos, com marcação homem a homem o campo todo… Muito potentes, muito fortes, criaram aqui muitas dificuldades.

— Mas também cada vez com menos magia…

— Sim, sim, pronto. É um jogo um bocadinho mais direto, mais a explorar as características dos extremos, muito fortes num um para um. Era importante nas nossas coberturas estarmos mais perto, enfim, nós condicionarmos esse lado ofensivo do Brasil e conseguimos dar uma boa resposta. Não ganhámos depois nos 90 minutos e por isso é que eu falo daquilo que é a estrelinha, porque é preciso ter essa estrelinha. Alinharem-se essas coisas para depois nas grandes penalidades também podermos ganhar. Ainda que tenha existido esse trabalho de que também já falei, de os jogadores estarem mais serenos, porque acredito que quem está mais sereno nessa altura tem mais vantagem, independentemente de tudo que se possa treinar. A serenidade nessa altura, mais a confiança e a determinação são fundamentais, porque quando se hesita muito dá-se um primeiro passo para que as coisas não corram bem.

— Quão especial é Romário?

— A irreverência vocês conhecem, a irreverência que mostrou no Campeonato da Europa quando foram as grandes penalidades. Há até alguma irresponsabilidade às vezes naquilo que faz, mas o crescimento que está a ter, o interesse… porque vocês não têm a noção…  o interesse que tem em melhorar, em querer ver os jogos que faz, as asneiras que faz, nisso ele é muito, muito focado…

— Abanou-o de alguma forma o penálti falhado?

— Não. Acho que o surpreendi ao escolhê-lo para marcar. Porque quando treinamos as grandes penalidades ele é um dos que bate melhor. E quando chegou ao jogo, o facto de ter sido eu a escolher e não deixar que fossem eles… Escolhi aqueles que achei que seriam os cinco melhores para serem os primeiros a marcar. E escolhi o Romário. E não tinha falado com ele sobre isso. Não falei com nenhum jogador. Fui observando as grandes penalidades, fui vendo. Nós filmamos, eu fui vendo, fui percebendo as características, o que é que achava, quem é mais frio, enfim… E o Romário, quando fiz a filtragem final, estava lá e não lhe comuniquei. Por isso, isto também é crescimento para nós. Às tantas, teria sido de bom tom ter-lhe dito ‘Olha, se houver grandes penalidades, tu vais bater.’ E na cabeça dele podia começar a mentalizar-se. Ninguém é dono da verdade e todos nós estamos sempre a crescer e a evoluir. Às tantas, fui eu quem falhou e não foi Romário. Só que eu acreditava que ele era um dos melhores. Pronto, a forma depois e o que ele sentiu quando o marcou e falhou… É verdade que depois nós ganhámos, mas… Só tive o cuidado, não ali, dois dias depois, de ir falar com ele, voltarmos a bater grandes penalidades e perguntar-lhe ‘o que é que pensaste aqui’, ‘se fosses bater agora, o que voltavas a fazer?’ ‘O que é que fizeste antes e o que mudaste na altura de bater a grande penalidade?’ E ele lá me esteve a explicar o que é que sentiu quando foi para bater a grande penalidade. E eu disse ‘pronto, então numa próxima, se acontecer, sabes o que tens de fazer.’ ‘Sim, mister, agora sei’, disse-me. 'Então, se tiveres de bater, vais voltar a bater.' Gostei.

— Ele tem aquela dose de loucura certa para a posição…

— Tem, porque acaba por, nesse desequilíbrio, entre aspas, de ser mais extrovertido ter também esse lado do trabalho, de ver o que faz, corrigir, melhorar, que também o torna muito consciente. Ou seja, tem os dois lados da moeda, mas é isso que o também pode levar para um patamar superior.