«Grito coletivo antes da Bélgica foi o momento mais marcante do Mundial»

Bino sentiu que a derrota com o Japão abanou a equipa bem mais do que estava à espera e reconheceu que foi obrigado a fazer coisas que habitualmente não faz para recuperar o moral dos jogadores

— Portugal defrontou Brasil, Suíça e Áustria. Houve algum destes adversários, ou outro, que tenha testado mais essa mentalidade, mais essa resiliência, mais essa capacidade de sofrimento, se quisermos?

— A  viragem para eu pensar, e creio que para os jogadores também, que podíamos ser campeões do mundo foi do Japão para a Bélgica. Nós perdemos o terceiro jogo da fase de grupos embora estando apurados, contra o Japão. Tínhamos perdido com o Japão 15 dias, três semanas antes, num torneio em Limoges. Isso deixou algumas marcas na equipa. A forma como eles reagiram, como nós conseguimos que reagissem, a forma como se uniram foi fundamental. Percebi que tínhamos a nossa equipa de volta. De uma forma algo inesperada, essa derrota pesou muito. Não estava à espera que pesasse tanto. Porque houve ali alguma desconfiança de que eu também não estava à espera. Eles sentiram que não fizeram as coisas bem e sentiram dificuldades naquele jogo que normalmente não sentiam. E pronto, depois teve de haver aqui um processo também nosso de percebermos isto, de chamar os capitães, de chamar individualmente uma série de jogadores para perceber o que é que estavam mesmo a sentir, cada um deles. Não a equipa, mas cada um deles. Para podermos ajudar nessa desconstrução de uma coisa que se vai criando… às vezes a confiança e a falta dela são momentâneas e basta um mau resultado para que as coisas mudem. E na minha cabeça isso não fazia sentido. Então a preocupação foi nos dias anteriores à Bélgica voltarmos a ter a equipa com a confiança que era necessária.

— É curioso, porque se calhar as pessoas viram essa derrota como um ‘já estão apurados e por isso baixaram um bocadinho a intensidade’. Outros terão pensado ‘Se calhar até foi bom, porque assim até descem um bocadinho à terra’, mas não foi bem assim, não é?

— Não, não foi. Ainda mais porque se te habituas a ganhar, as derrotas pesam de outra forma. Quando vais perdendo com alguma regularidade ou de vez em quando, consegues reagir de forma melhor. A partir daí, o que eu acho que mexeu na cabeça dos nossos jogadores foi o, a partir de agora, é a eliminar. E se nós perdermos agora? Vamos para casa! A minha preocupação nessa altura foi elevar os níveis de confiança da equipa. E posso dizer isto: senti a necessidade, que é uma coisa que eu normalmente não faço, de reunir uma série de imagens do Europeu, nós com bola e nós sem bola, o que é que nós fizemos, o que é que nós demonstrámos, o que é que nós fizemos aos adversários, a qualidade que apresentámos, para que eles percebessem que não era uma derrota que ia abalar tudo o que eles tinham feito e tudo o que eles são, no fundo. Isso acabou por também ser importante para os aliviar dessa pressão gerada sobre si próprios, dado que estamos a falar de miúdos de 17 anos. Esse jogo, a resposta que deram… Nesse jogo, acho que aí sim, voltámos a ter a nossa equipa e deu-nos uma confiança importante. E, depois, é preciso também ter a estrelinha da sorte, porque quando nós falamos de grandes penalidades, é preciso ter essa estrelinha que nos acompanhe. Todavia, senti que tinha a equipa de volta e que podíamos lutar pelo Campeonato do Mundo.

— Nestas últimas semanas houve algum momento, um golo, uma conversa, um treino, ou até algum silêncio no meio do balneário que te tenha marcado mais do que o resto, que tenha ficado bem gravado na tua memória?

— O grito antes do jogo da Bélgica. Esse foi o virar da página para mim, senti que tinha a equipa de volta. Tudo começou aí. Houve um trabalho anterior que tivemos que fazer, mas quando demos o grito de mãos dadas senti a energia que estava ali. E isso foi determinante. Claro, antes houve a conversa com os jogadores, a conversa que os jogadores tiveram entre eles, enfim, uma série de situações que fomos acumulando até esse momento, porque cada um pensa de forma diferente e é muita gente, mas quando dás o grito sentes a energia que está ali, que não é de um, de dois ou de três, é de todos. Senti que aí sim tínhamos ali a equipa outra vez focada e esse foi um dos pontos… Se falarem com os jogadores eventualmente, acho que eles devem concordar que esteve por aí o segredo da nossa conquista.

— Foi após o jogo com a Bélgica que achaste que Portugal poderia mesmo ser campeão do mundo?

— Foi. Não digo ser campeão do mundo, mas pensei que tínhamos a nossa equipa de volta e que agora sim estavam reunidas todas as condições para nós podermos ter sucesso.