Bino: «Mundial sub-20? O meu contrato acaba no final da época»

Foi o homem do leme de uma geração que já escreveu história. Dois títulos separados por poucos meses tornam-na na mais bem-sucedida do futebol português. O selecionador sub-17 acredita que ainda há muito a fazer, ainda que ele próprio viva um momento de dúvida quando ao seu futuro

— A pergunta que todos os portugueses te querem fazer é talvez: o que é ser campeão do mundo?

— Não temos ainda muito bem a noção. Virá com o passar do tempo e dos anos, aí sim vamos ter um bocadinho mais de consciência do valor destas duas grandes conquistas. Agora, estou muito satisfeito por ter conseguido esta façanha, mais satisfeito ainda pelos meus jogadores, pelo desempenho que tiveram, pelo crescimento que foram demonstrando durante este trajeto comigo. E isso é o que mais me satisfaz. Quem trabalha na formação, quer em primeiro lugar que o maior número dos seus jogadores possa chegar à seleção A. E se isso se concretizar, é sinal de facto que o nosso trabalho valeu a pena. É por isso que fico muito satisfeito com o desempenho deles e com estas vitórias.

—  Mas a sensação é diferente da de se ser campeão da Europa, por exemplo?

—  Foram situações distintas, porque ser campeão da Europa pela primeira vez, ou teres de jogar uma final, foi tudo muito... Foi a primeira vez para todos. E a ansiedade que leva a esses momentos e o gerir desses momentos foram muito interessantes nesse Campeonato da Europa. A vantagem que tivemos neste Campeonato do Mundo é que já tínhamos passado por situações muito semelhantes, situações de algum stress. E tivemos aí vantagem, por exemplo, em relação à Áustria, que nem sequer esteve presente no Europeu. Nós já tínhamos estado numa final, os nossos jogadores já sabiam o que era estar numa final. Essa ansiedade pré-jogo e presente nos dias anteriores à final conseguimos controlá-la melhor. Tivemos um controlo melhor da situação e acabou por ser uma vantagem para nós.

— Notaste alguma evolução em termos técnicos ou táticos, entre a equipa campeã da Europa e a equipa campeã do mundo?

—  De uma forma geral, sim. Os jogadores mostraram-se mais maduros naquilo que era o entendimento do nosso jogo, a perceção do que fizemos bem e que era para continuar. Isso marca. Ajuda os jogadores no seu processo de continuidade a estarem confiantes e seguros ao terem presente de que o que estão a fazer já lhes garantiu antes alguma coisa interessante. Deu-lhes garantias de um bom desempenho no Mundial. Além disso, vejo os jogadores mais maduros, os jogadores com mais consciência dos momentos do jogo. Por isso, falo muito da maturidade que foram apresentando, porque não é muito natural em miúdos de 17 anos as nuances que pedimos para o nosso jogo, ofensivas e defensivas, a forma como eles cumprem, como eles quiseram fazer bem, principalmente em termos defensivos, que era uma lacuna que nós... As nossas seleções quase sempre e a minha em específico são compostas por jogadores dos cinco melhores clubes em Portugal e estes praticamente só atacam, defensivamente não são muito expostos…

— Tem a ver com a natureza dos campeonatos, não é?

—  Sim. E quando nós chegamos a um nível destes, de jogar contra grandes seleções que nos obrigam a ter de defender bem e a muitas vezes ter de defender mais tempo do que aquilo que é suposto nos clubes, obriga-nos a um entendimento diferente do jogo e, ainda mais, a uma predisposição para ter esse momento defensivo que eles normalmente não têm. Isso custa e leva algum tempo, porque na cabeça deles está pressionar sempre alto, querer recuperar a bola o mais rápido possível. A este nível, isso possivelmente vai abrir espaços que nós treinadores, que delineamos a estratégia, não queremos deixar abertos. Queremos ser sempre uma equipa muito compacta e fomos demonstrando isso ao longo da competição.

— O que transportas sobretudo é essa maior organização no processo defensivo, é isso?

— Sim, essa maior consciência e saber que não há mal nenhum em defender e que nós, a partir daí, podemos tirar vantagem para poder ganhar. O defender bem, a forma como nós estamos equilibrados, vai permitir-nos ser mais equipa no todo. E eles conseguiram perceber muito bem isso. Porque depois com bola temos qualidade, temos jogadores tecnicamente evoluídos, temos jogadores que conseguem criar desequilíbrios, há uma boa energia entre todos, como foi visível e sabíamos que íamos haver… Aliás, a prova é que fomos a equipa que mais golos marcou, porque essa vertente está sempre presente e quero que esteja sempre presente. Só que no futebol, no meu entender, há dois momentos: um com bola e outro sem bola, e temos de ser muito bons nos dois porque senão não se consegue nada no futebol hoje em dia.

Sermos campeões da Europa deu-nos vantagem na final do Mundial

— Falaste aí da mentalidade, mas a mentalidade também cresceu?

— Cresceu…

— Há o fator experiência, sempre, não é?

— Exatamente. E há o fator de serem os mesmos jogadores. E isso nos dá… Quando falamos de mentalidade, eu falo de espírito de equipa, de união. Porque tudo isto, nos momentos difíceis, leva a que nos juntemos todos. Quando nós falamos de situações com que os jogadores não se identificam tanto e que são mais clubísticos, por assim dizer, não tiramos vantagem. Vocês não têm a noção disso, mas os melhores amigos, porque nós estivemos um mês e seis dias fora de casa, são de clubes rivais. Andam cada vez mais juntos e isso para mim é uma vitória. Tudo começa aí, num bom espírito de grupo, no sermos uma unidade, nós lutarmos todos pelo mesmo, seja os que jogam mais ou os que jogam menos, que sabem que o momento deles também vai chegar. Essa união para em torno de um bem maior foi determinante para a nossa vitória também.

Bino visita instalações de A BOLA - Foto: Miguel Nunes

— Mas esse processo de se juntar, se calhar como companheiros de quarto, jogadores de clubes diferentes também não é de agora… É processo já também na própria federação, não é?

— Sim, exatamente. Nós também temos esse cuidado. Na distribuição na mesa também, não queremos ter jogadores do mesmo clube juntos, para que cada vez mais haja esse convívio. Mas depois, para além disso, há os momentos fora das refeições. Se falarmos neste Campeonato do Mundo, no piso onde estávamos montámos um cenário com jogos e eles estavam constantemente lá todos a jogar, a divertir-se, a rir-se. É muito interessante e espontâneo. No início, somos nós que vamos encaminhando, mas depois eles criam a sua própria química. Esse crescimento de que falo do Campeonato da Europa para agora surge porque já há uma grande identificação e ninguém é novidade para ninguém. Resulta em que estejam todos muito tranquilos e muito à-vontade. Todos já se conhecem muito bem.

— Este país é bastante particular, como tu sabes, tem tendência para desvalorizar o que não conhece ou quando não está bem à vista, mas depois chegam fases finais, finais e títulos, e começa-se a exigir o mundo. Não queria exigir o mundo, mas tenho de fazer a pergunta: achas que esta equipa pode vir a ser a melhor no escalão sub-20 e apontar a um outro título de campeão do mundo?

— Há todo um processo agora, não é? Há jogadores que estão a chegar e podem entrar também nesta seleção, jogadores daqui que eventualmente estarão nos Sub-19 já neste ano, porque há apuramento para o Campeonato da Europa… Muitas situações que vão acontecer… Jogadores que nos clubes vão ter maior ou menor aproveitamento. A mentalidade que eles têm para continuar a crescer e evoluir vai ditar muito também. Agora, em termos de potencial, temos aqui muito e jogadores que podem, de facto, singrar no nosso futebol.

Percebemos que não há mal nenhum em defender bem, mantendo a nossa natureza

— Quando eu falo de sub-20, tem a ver um bocadinho com a nossa história. Nós somos bicampeões do mundo de sub-20 e esta geração começa precoce, começa a ganhar muito mais cedo e, naturalmente, olhamos para o futuro eventualmente já com essa meta…

— Sim, acho que sim. Temos potencial para lutar. Conquistaste o que conquistaste agora e sabes que os jogadores não vão desaprender de um dia para o outro. Depois, há a evolução deles com a confiança que adquiriram, com os clubes a acreditar mais neles, com o trabalho que vão fazer com eles no sentido de os poderem aproveitar, porque nós somos um país vendedor e interessa muito também que estes jogadores possam dar o salto, quer jogando cá ou saindo mais cedo para fora… Claro que também há aqui características peculiares em alguns, que fazem com que apenas no contexto certo terão sucesso, contudo há outros muito mais versáteis independentemente do contexto e com essa capacidade quase inata de se adaptarem.

— E contigo no banco…

— Eu acabo contrato este ano. Com a entrada desta nova direção, renovámos todos até este verão de 2026, por isso tenho mais um ano de vínculo. Não sei o que é que se vai passar. Temos de conversar. Para percebermos o que é que vai acontecer daqui para a frente.

— Mas Europeu e Mundial têm de ter impacto na tua carreira...

— Não sei, estou à espera de perceber ainda qual é esse impacto. Tenho noção de que foi um feito importante, mas estou muito tranquilo, tal como estive antes e vou continuar a estar daqui para a frente. Mas, sim, à espera que também possam acontecer coisas interessantes para mim. Teremos de perceber qual é a vontade da Federação, o que vai ou não surgir entretanto, e depois tomar as decisões que terei de tomar.

—  Certo, mas a prioridade será continuar com esta equipa?

— Eu acabo o contrato esta época. Não sei o que a Federação está a pensar e como vai ser o projeto, se vão alterar aqui alguma coisa em relação à continuidade ou não dos treinadores a acompanhar os mesmos escalões… Depois de saber o que se vai passar e o que possa surgir por aí, tomarei uma decisão. Mas agora, neste momento e até ao final da época, estou aqui de corpo e alma, muito satisfeito com aquilo que estamos a fazer. E preparado já, porque isto não pára. Foram duas conquistas ótimas, mas o futebol não pára. Vamos ter já um apuramento para o Europeu de sub-19. Começa nos sub-18 já e em março temos um apuramento, ou seja, já há trabalho a fazer. Temos de continuar a ver jogos, a ver jogadores, a ver a evolução de alguns, sabendo que posso perder um ou outro, tenho que começar já a trabalhar noutros, enfim... Isto não pára e felizmente que é assim, porque é isto também que nos motiva, este trabalho que temos de fazer, mas aberto ao que possa surgir, isso naturalmente.

— Em que plano é que está o Bino? Como é que se pode medir o teu mérito nestas conquistas? Como é que tu medes o teu próprio mérito?

— Tenho noção exata do meu mérito, daquilo que eu fiz, daquilo que eu sou, mas não serei eu nunca...

— Ninguém gosta de falar de si, não é?

— Não, é porque também acho que não faz grande sentido. Porque eu nos momentos... bons e nos momentos...

— Mas sentes que está bastante de ti nestas conquistas?

— Sinto, sinto. Sim, porque se vocês se lembrarem como fui enquanto jogador, as minhas características, é um bocadinho... Nós, ex-jogadores, quando passamos a treinadores, levamos muito de nós para aquilo que são as nossas equipas. Eu consigo ver em vários ex-jogadores as características deles nas equipas e acho que esta também tem muito daquilo que eu fui enquanto jogador e aquilo que eu pensava também.

— Aprendeste algo sobre ti nesta dupla conquista?

— Eu faço, eu tiro sempre… Sim, vamos aprendendo, mas tiro sempre ilações. O que para mim é relevante, e digo isto aos meus jogadores também, é no final de cada treino, tirares dois minutos para ti e perguntares a ti mesmo: ‘O que é que eu fiz hoje?’.  O que posso melhorar? O que é disse? O que fiz que não esteve tão bem? E se nós conseguirmos ter essa autocrítica, essa autoanálise, vamos ser muito mais fortes no futuro. Tento sempre fazer isso. Quando perco, quando ganho, aquilo que digo, a forma como digo, se foi o momento certo, ou seja, tudo isto, o impacto que teve nos meus jogadores e isso para mim é que me faz crescer. Por isso é que nós, treinadores e jogadores, crescemos de uma forma constante. Cada estágio é um desafio e aquilo que vamos fazendo também me vai validando a direção em que devo continuar a caminhar. Isso para mim é o mais importante: chegar ao final do dia, ao final deste estágio, ao final do Campeonato da Europa, de um Campeonato do Mundo, de cada torneio que vamos jogando e perceber o que ainda posso melhorar, o que posso acrescentar, o que fizemos bem e o que não fizemos, porque o futebol não pára.

Bino entrevistado pelo jornalista Luís Mateus - Foto: Miguel Nunes

— Como é que avalias o impacto destas duas vitórias, Europeu e Mundial, no futebol português? Achas que terá, pelo menos, impacto semelhante ao bicampeonato mundial de 89 e 91?

— Acho que tem de ter impacto, porque não é todos os dias… Nunca ganhámos nada em Sub-17 e isso, por si só, já é de valorizar. Depois, na história da nossa formação, temos dois Campeonatos do Mundo, é verdade. Ao ganhares agora... Bem, acho que é um feito, passados 34 anos, é um feito tremendo também destes jogadores. Só por aí já fizemos história, vai ficar na história. Porque não é fácil. Cada vez mais vejo o futebol, a evolução do futebol, levar-nos para equipas e jogadores todos muito semelhantes e cada vez mais vai ser difícil uma equipa se sobrepor às outras. Vai haver equipas diferentes a ganhar competições diferentes e, por isso, este feito de até teres estas duas conquistas no mesmo ano vai ficar marcado.

— Não temes que de certa forma, se as coisas não correrem bem depois em idades mais avançadas, estes feitos não fiquem um bocadinho diluídos?

— Primeiro, já é uma vitória termos ganho estes dois troféus. Há miúdos que estão a começar agora, no final da carreira do Cristiano Ronaldo, e percebem que há um caminho e que este caminho, se se dedicarem, os leva a serem campeões no Sub-17, não só da Europa e como do mundo. Isto vai trazer mais miúdos e mais vontade de jogar e de praticar desporto. É uma vitória para a formação, para os nossos miúdos e para a saúde. Em Portugal, é uma vitória tremenda e ainda bem que teve aqui alguma repercussão, porque nós estamos a falar de sub-17… Eventualmente falaremos mais dos AA ou dos sub-21, é normal, mas a repercussão que teve vai trazer miúdos que querem jogar e têm o gosto por jogar futebol. Nós precisamos que esses miúdos apareçam também. Somos poucos, mas temos uma grande escola e o futebol, que está em constante evolução, precisa de cada vez mais miúdos com paixão pelo jogo, porque há muita gente que quer jogar, contudo por causa do Cristiano Ronaldo e porque quer ganhar dinheiro, e a paixão é fundamental para que nós possamos ter uma carreira sustentável.

— Treinar jovens ou adultos? O que preferes?

— Sinto-me confortável nas duas situações. Quando comecei a treinar, pensei que iria treinar jovens a vida toda. Ainda era jogador e já tinha tirado o primeiro e o segundo nível do curso de treinadores. Depois, quando acabei a carreira, tirei os dois níveis seguintes. Já tinha na minha cabeça poder treinar. Quando comecei a tirar os cursos, pensava cada vez mais ‘o que é que eu gosto neste treinador’, ‘o que gosto no método de trabalho’, ‘o que é que eu faria’, ‘o que é que não gosto’… Fui logo construindo aqui coisas: ‘com o que é que me identifico mais’, ‘com o que é que não me identifico’, e percebi que uma das coisas de que gostava era de poder acrescentar aos jogadores situações que se foram passando comigo, no meu crescimento, e que foram importantes. Então, na minha cabeça ficou que quero ser treinador de formação. Acho que posso ajudar. Depois, estive seis anos na formação e, a determinada altura, senti que estava ali a estagnar um bocadinho e não quis mais disso. Queria uma motivação maior e então comecei a pensar em poder treinar também seniores. Nessa altura, tive a oportunidade de poder treinar também o Vitória B, num período o Vitória A e depois a União de Leiria. Identifico-me perfeitamente com as duas situações. Gostei muito de treinar clubes, do dia-a-dia, foi uma adaptação vir para as seleções e só treinar de vez em quando, mas agora estou perfeitamente identificado também, estou aberto a tudo.

—  Varzim, Futebol Clube do Porto, Sporting, Vitória de Guimarães, vários outros clubes por onde passaste, o teu destino poderá voltar a cruzar-se com um desses clubes um dia mais tarde?

— Pode, com qualquer um, sim. Eu sou treinador de futebol.

— Não colocas nenhuma...

— Não, não, não. Eu sou treinador de futebol. O que sempre procurei durante a minha carreira de jogador e de treinador mantém-se. Independentemente de gostarem muito do Bino, das características, ou não, há uma coisa que ninguém nunca me vai poder apontar: a falta de profissionalismo em algum dos clubes por onde passei. E essa é a minha maior bandeira. O que mais me orgulha é que não haja um treinador que possa dizer, quando ele jogou ou quando ele não jogou, ele foi isto, ele criou-me problemas, ele fez isto... Porque eu tive um treinador, no início da minha carreira, António Oliveira, que disse uma frase que me marcou para o resto da minha vida enquanto jogador de futebol: ‘Se não me vens perguntar porque jogas, nunca me venhas perguntar porque não jogas.’ E isso fez todo o sentido para mim. E isso, na minha cabeça, na altura, ainda miúdo, fez todo o sentido. Porque é verdade que nós, sendo todos muito egoístas, porque pensamos só muito em nós… Comecei a ver isto de uma outra perspetiva. Na minha cabeça, isto começou a fazer sentido: trabalha, faz o teu, faz por merecer e faz por ser melhor. É uma das coisas que levo e que também tento transmitir, é ‘foca-te no que tens de fazer, independentemente de gostarem de ti ou não’, ‘não te podem apontar nada quando não jogaste, que foste mau profissional, que deixaste de trabalhar, que criaste problemas no balneário ou que deixaste de ser bom colega’. Não há nenhum que possa dizer isso de mim. é disso que me orgulho e é isso que quero levar da minha carreira também enquanto treinador. Vamos tomar sempre boas ou más opções, mas nunca um jogador meu poderá dizer que o treinador o tramou por algo, porque nunca vai ser essa a minha função enquanto treinador de futebol.