«Ganhámos 6-0 a Marrocos, os jogadores eufóricos e eu não estava nada eufórico»

Bino revela que o treinador belga lhe mandou mensagem após a final a elogiar a equipa e à forma como esta respondia sempre bem ao que o jogo pedia

— A equipa foi, algumas vezes, uma equipa sobretudo forte em organização defensiva e com transições rápidas, mas noutras soube também ser forte no ataque posicional. Soube no futebol mais associativo, com menos espaço ou perante blocos mais baixos, encontrar o espaço que procurava. Mas qual é mesmo o perfil da equipa? É a mistura de tudo isto?

— Para mim, só faz sentido sendo a mistura de tudo isso. Nós seremos muito mais equipa se estivermos preparados para todos os momentos do jogo. Vamos apanhar adversários tão bons ou melhores que nós e teremos de saber defender, neutralizar os pontos fortes do adversário e expor os nossos. E é por isso que falo da maturidade da minha equipa, porque nós jogamos muito bem em ataque organizado, quando as equipas nos permitem e quando os blocos são mais baixos e nos deixam sair com menor pressão. Mas também quando há equipas que nos pressionam mais e nós sabemos os espaços que devemos aproveitar. Quando há equipas que nos obrigam a ter de defender bem pelas características, quer da equipa, quer de alguns jogadores que possam ser determinantes nessa equipa, conseguirmos dar essa resposta. Foi a mistura de tudo isso é que fez com que esta nossa equipa chegasse onde chegou, porque nós somos ou fomos bons em muitos desses momentos. É curioso porque depois de eliminarmos a Bélgica, o treinador belga dizia-me isso, que não é normal uma equipa tão jovem saber estar em todos os momentos: quando tem de chamar o adversário e quando tem de os condicionar pressionando alto. Definir bem isto durante um jogo não é muito normal e ele valorizou-o e deu-nos os parabéns. Depois da final do Campeonato do Mundo, ele mandou-me uma mensagem a voltar a dizê-lo: a tua equipa foi impecável no torneio e, quando foi a eliminar, soube dar as respostas conforme o adversário que tinha pela frente e as suas características. Isso para mim é muito interessante, porque nós vamos ter sempre que nos adaptar defensivamente ao adversário, mas com bola nunca podemos perder aquilo que é a nossa identidade e aquilo que nós pretendemos ser. Fomos conseguindo fazer o que pretendíamos mais vezes do que o contrário.

— Há algum princípio que tu vejas como inegociável, mesmo quando às vezes o contexto do jogo te leva para outra coisa?

— Sim, dou-te um exemplo. Ganhámos 6-0 a Marrocos. Fizemos uma primeira parte fantástica, mas, no início da segunda, Marrocos pressionou um bocadinho mais alto e, já a ganhar 4-0, começámos a colocar bolas mais diretas na frente. Não é nada disto que quero e senti que houve ali algum tempo em que perdemos a confiança no que normalmente fazemos, naquilo que queremos, naquilo que treinamos e naquilo que o treinador quer que a equipa faça. E não gostei. Tive de lhes passar essa mensagem para eles perceberem que, independentemente do que se passe, temos de fazer aquilo que treinamos e em que acreditamos. Por isso é que treinamos todos esses momentos do jogo. Quando a pressão é maior sabemos que há outros espaços que temos de explorar. Não é dar a bola ao adversário e agora defender. Não, isso eu não quero, isso não faz parte daquilo que é o nosso processo de crescimento. Temos de crescer na dificuldade, saber o que temos que fazer e ultrapassá-la. Só assim é que vamos ter sempre a serenidade, independentemente do jogo. Na formação, eles ainda conseguem ouvir-me falar do banco. Quando agora chegámos à final do Campeonato do Mundo já não ouviram nada do que o treinador dizia. E saber o que se tem de fazer em campo em todos os momentos tem de estar presente na cabeça de cada um deles. O adversário, a perder um zero ou dois zero, vai arriscar porque não tem nada a perder e vai jogar de forma completamente diferente e temos de saber dar uma resposta. Foi a mensagem que passei no final do jogo de Marrocos. Eles todos muito eufóricos porque ganhámos 6-0 a Marrocos e eu não estava nada eufórico, porque tivemos uma parte do jogo de que não gostei. Não era isso que eu pretendia para o que vinha a seguir.

— Como é que vês o papel da polivalência na formação? Achas importante ou preferes ter os jogadores certos nas posições certas?

— As duas coisas. Há posições em que temos que ter os jogadores com determinadas características e há outras, porque o caminho do futebol nos está a levar para cada vez mais...

— 11 ou 10 médios, não é?

— Sim. A termos uma marcação homem a homem em que qualquer jogador vai ter que, no um para um, para criar desequilíbrios ao adversário, conseguir ultrapassá-la. Então já vais precisar de que todos eles que saibam dominar a parte defensiva, mas que, com bola, também saibam jogar. E, nesse sentido, essa versatilidade vai ser cada vez mais importante. Nós, para ganharmos alguns espaços, temos que os tirar daí, arrastá-los para outros sítios e levar jogadores para essas posições para criar confusão no adversário que possa ser determinante no jogo. Vamos deixar de ter os grandes artistas, mas vamos ter jogadores nas várias posições com características muito semelhantes.

— A certa altura da carreira, Guardiola deu a entender que, se pudesse, jogava com 10, 11 médios.

— Pois, é mais o que se quer, o que se pretende, em termos de jogo da equipa, para se tirar partido. Quando falo destas marcações, se tu não fores bom, vais ser engolido pelo teu adversário, porque se tu com bola não consegues sair, vais perder mais bolas, cada vez a pressão é mais alta, vais perder mais bolas ao pé da tua baliza, vais ter mais problemas, por isso os jogadores vão ter de ser mais versáteis sim.

— Os sub-17 jogam como gostas de jogar ou como achas que melhor poderiam jogar?

— Têm muito da forma como gosto de ver um jogo de futebol, mas com as características dos jogadores à frente daquilo que eu penso. Ou seja, penso sempre que os melhores jogadores têm de jogar e nós temos que encontrar espaço para os colocar a jogar, nunca desequilibrando aquilo que é a equipa no seu todo. E a forma como a minha equipa joga tem muito de mim, mas também tem muito dos jogadores que acredito que nesta altura são os melhores da geração. Há aqui outros jogadores que não estiveram presentes, que têm qualidade para cá estar. E, se me permitires, posso enumerar alguns. O Gil Neves, que esteve no Europeu e não esteve agora, na única alteração que fizemos, é um jogador nosso e continua a ser um jogador nosso e das Seleções. Os jogadores que foram excluídos deste lote e que estiveram a treinar connosco, o Diego Coxi, o Chicão e o Edu, do FC Porto, o ponta de lança, são jogadores que podem também estar cá e que se estivessem no Mundial estariam com todo o mérito também. Temos o André Machado, que era o lateral-direito, que esteve nos últimos estágios antes do Mundial e que também não esteve presente. Ou seja, ainda há aqui alguns jogadores que podem entrar e outros que estão a trabalhar muito bem e que também merecem uma oportunidade. Espero que daqui para a frente possam ter essas oportunidades. São os jogadores que vão alimentar esta seleção, já que acredito que vamos perder vários desta geração para os Sub-18 e para os Sub-19, porque é o processo natural, e eventualmente até para os Sub-21… Não sei o que estará pensado, mas vamos precisar desses jogadores, e essa vai ser a altura de mostrarem também toda a sua capacidade. Temos outros jogadores que não estiveram presentes, que ainda não foram vistos, mas que também têm qualidade. Além de que pode sempre haver outro que não esteja, e de repente ultrapassar os jogadores que estiveram presentes.