Miguel Oliveira reacendeu o fogo no adeus
Em Valência, Miguel Oliveira baixou o véu sobre sete anos de carreira no MotoGP. O português fê-lo com um 11.º lugar na derradeira corrida do Mundial de 2025 que, mais do que uma posição, soube a retorno - a uma certa «normalidade», como definiu, que tantas vezes lhe escapou nesta temporada turbulenta.
«Foi uma corrida positiva», disse o piloto da Prima Pramac Yahama. «O arranque saiu limpo, o ritmo apareceu», e as ultrapassagens e a subida na classificação foram naturais. Por momentos parecia que o Falcão tinha regressado para fazer um último voo em estilo na categoria mais alta do motociclismo de velocidade.
Mas o momento que ficará para a memória não estava na tabela de tempos. Aconteceu após a corrida, junto à box da sua equipa, quando Miguel Oliveira decidiu transformar o asfalto num palco simbólico. A roda traseira riscou o asfalto, a borracha inflamou-se e, num instante épico, o pneu ficou em chamas. Um burnout de adeus, literal e figurado, com o fogo a erguer-se como uma assinatura deixada no ar: «Foi brutal… icónico. Levei o pneu até à lona e o pneu começou todo a arder», descreveu, com o sorriso de quem sabe que encerrara um capítulo à altura da própria história.
OBRIGADO, @_moliveira88 ❤️
— MotoGP™🏁 (@MotoGP) November 16, 2025
It's been a hell of a ride in #MotoGP! #ValenciaGP 🏁 pic.twitter.com/gMeVSlduFj
A corrida foi vencida por Marco Bezzecchi, seguido de Raúl Fernández e Fábio DiGiannantonio - mas, naquele final de tarde, foi Miguel quem teve o momento mais vibrante. E isso diz tudo sobre o que representa. Acabou o campeonato no 20.º lugar, com 43 pontos; um número frio, muito abaixo do calor das suas conquistas passadas. Numa competição onde Marc Márquez voltou a erguer o título mundial, pela sétima vez, Oliveira fechou o seu percurso na categoria rainha como o único português de sempre a vencer no MotoGP - cinco vezes, sem que uma única delas alguma vez parecesse fruto do acaso.
A história, essa sim, ninguém lhe tira. Desde 2011, quando se estreou em 125cc, o miúdo de Almada foi escalando categorias como quem sobe degraus que pareciam feitos para ele. Moto2 trouxe-lhe vitórias e um vice-campeonato. O MotoGP trouxe-lhe glória: Estíria, Algarve, Catalunha, Indonésia, Tailândia… vitórias em dias de sol, de chuva, de nervos. Vitórias de talento puro.
Depois veio a fase dura - as mudanças de equipa, os problemas técnicos, as lesões, a sensação amarga de que o corpo e a máquina já não falavam a mesma língua. A Yamaha não lhe ofereceu o reencontro que procurava: a queda na Argentina, o ombro lesionado, as corridas falhadas, a adaptação que nunca se completou. O futuro na equipa esfumou-se quando a cláusula de desempenho se transformou numa porta fechada.
E assim chegámos a esta despedida, à chama final daquele pneu, que talvez tenha dito aquilo que Miguel não disse em palavras: queimar o passado para seguir em frente.
Em 2026, o destino escreve-se noutra tinta. No Mundial de Superbike, Oliveira leva consigo o que sempre o distinguiu — a garra, a delicadeza técnica, o instinto de corrida e uma capacidade rara de renascer. Talvez já não volte ao MotoGP. Talvez não precise. A estrada continua, e há pilotos que não correm apenas em pistas. Correm na memória de quem os viu crescer, lutar e incendiar o asfalto num último gesto de grandeza.
«Tive uma carreira com que muitos pilotos só podem sonhar. Tive o privilégio de vencer em diferentes categorias e fiz parte de grandes equipas que me ajudaram a alcançar o meu melhor potencial, especialmente na Moto3 e na Moto2. Estou agradecido a muitos fabricantes, muitas equipas e muitas pessoas que conheci ao longo destes anos e que trouxeram ao de cima o melhor de mim. Tudo aquilo que alcançar no futuro será também resultado de todas estas experiências», declarou o português.
Miguel Oliveira apagou uma chama e acendeu outra em Valência. E o fogo, esse, leva-o consigo.