Os pilotos portugueses adoram o Dakar e, claro, a edição de 2026 não será diferente. Estão inscritos 27 lusos e, entre estes, há um nome que se destaca: João Ferreira. Aos 24 anos, depois do 8.º lugar no ano passado, volta à luta, agora com um Toyota Hilux T1+, ao lado navegador Filipe Palmeiro, determinado em subir na hierarquia mundial. O campeão nacional de todo-o-terreno regressa assim à Arábia Saudita, em janeiro, com o número 240 na classe Ultimate.

«Levo a almofada e chocolate para o Dakar, mas só comemos se a etapa corre bem!»

Os pilotos portugueses adoram o Dakar e, claro, a edição de 2026 não será diferente. Estão inscritos 27 lusos e, entre estes, há um nome que se destaca: João Ferreira. Aos 24 anos, depois do 8.º lugar no ano passado, volta à luta, agora com um Toyota Hilux T1+, ao lado navegador Filipe Palmeiro, determinado em subir na hierarquia mundial. O campeão nacional de todo-o-terreno regressa assim à Arábia Saudita, em janeiro, com o número 240 na classe Ultimate.

— Como foi viver a etapa maratona no ano passado?

— Aí não tínhamos banho [risos]. É o que é. Essa etapa de 48 horas, como a organização lhe deu o nome, é chegar, os carros são todos alinhados… Os carros chegaram àquele refúgio — este ano é um bocadinho diferente, mas em 2025 tinham vários refúgios onde toda a gente ia ficar, conforme a posição na etapa; este ano, em 2026, vão-se agrupar todos no mesmo refúgio. Mas era chegar, tínhamos ali os pilotos da frente… Eu e o Filipe [Palmeiro] a fazer revisão ao carro, trocar algumas peças ainda. Depois, condições de hotel espetaculares: deram-nos uma tenda, uma ração militar e 'Vai'!

— O que foi o jantar?

— Eh pá, aquilo vinha aquelas rações militares… Que este ano até evoluíram! Eram uns sistemas… Eram umas massas e arroz, mas era uma massa dentro de um saco, que metíamos dentro de outro saco com água, com uma pastilha qualquer, fechávamos, aquilo fazia uma efervescência, começava a aquecer ali, esperar, aquilo está quentinho, tirar, comer… Mas mas não é comida… há bolachas salgadas e doces, chocolates e tal… mas aquilo é…

É mesmo tipo ração militar?

— É, é…Melhor que os outros anos, mas mesmo assim está longe, muito longe. A etapa, acho que foram seis ou sete horas de condução, imaginem chegamos cansados, depois daquilo tudo e pensar: 'Depois ainda tenho de ir montar a tenda, não tenho banho, vamos comer aquilo'…

— E ficaram todos juntos?

— Ficámos todos juntos. Mas alguns pilotos mais já levam comida do bivouac, onde há comida mais comestível, e divertimo-nos como podemos. Passamos ali um momento giro entre pilotos, esquecemos a parte da competição e desfrutamos ali de uma bela noite que estamos sempre no deserto.

— Essa etapa maratona, ainda que na Arábia Saudita, não faz de certa forma regressar aquela mística do Dakar em África? Ou até na América do Sul era bastante mais complicado, aparentemente, do que num só país, como é agora na Arábia Saudita, não é?

Temos aparelhos de GPS localizados, eles sabem onde é que nós estamos a toda a hora. Não é como antes, que desapareciam e iam perdidos, isso já não acontece hoje em dia. Atualmente, uma pessoa tem uma avaria e pode ficar ali quatro dias no deserto sozinho, mas é porque não quer carregar no botão para o irem buscar para desistir da corrida.

— Não... Percebo o que está a dizer e há muitas pessoas, às vezes no dia a dia, com quem falo que dizem: 'Ah, o Dakar já não é o Dakar verdadeiro porque não acaba em Dakar'. O Dakar é uma marca, ok? Se um país qualquer que tenha o poder económico da Arábia Saudita, pode fazer o Dakar… Se Portugal tivesse poder económico podia fazer o Dakar todo em Portugal, que era Dakar igual. O Dakar é uma marca que criou aquele conceito, que é corrida difícil, tem aquelas condições adversas e é uma imagem. Trazerem essa parte numa das etapas maratona é interessante, mas é uma altura muito difícil para nós. Porque não podemos danificar o carro muito — quer dizer, podemos danificar, temos é de o reparar toda a noite [risos], porque não temos a nossa equipa de assistência. E dormir no deserto… Sim, é uma experiência gira, um bocadinho diferente do que estamos habituados. Mas sim...Antigamente, no Dakar em África, as pessoas passavam noites e noites no deserto. Os carros também não tinham as mesmas capacidades de hoje em dia. Hoje em dia, temos muitíssimo mais segurança. Se eu tiver um acidente, Deus queira que não, mas alguém que tenha um acidente carrega num botão, passado dois minutos está lá um helicóptero e está tudo bem. Não há aquelas mortes no Dakar como aconteciam antigamente, em que as pessoas ficavam sem assistência, sem que sequer soubessem onde estavam.

— Isso é uma coisa que nunca o assustou?

— Não. Em perigo estamos sempre, de uma maneira ou de outra. Mas, hoje em dia, com a tecnologia que há… Bom, o carro está sempre risco. Mas com a tecnologia que há, é mais seguro o Dakar. E creio que toda a gente está de acordo. Temos aparelhos de GPS localizados, eles sabem onde é que nós estamos a toda a hora. Não é como antes, que desapareciam e iam perdidos, isso já não acontece hoje em dia. Atualmente, uma pessoa tem uma avaria e pode ficar ali quatro dias no deserto sozinho, mas é porque não quer carregar no botão para o irem buscar para desistir da corrida.

— Quando vão para o Dakar já conhecem as etapas, obviamente, mas quando recebem o 'roadbook' do dia?

— Os roadbooks só em cima da hora

— Quanto tempo antes de começar?

— Creio que 15 minutos, meia hora antes, recebemos um código para meter no tablet. Os navegadores recebem esse código e ficam a saber qual é a ligação que temos de fazer. Não é a etapa, sabemos a ligação. Portanto, só quando chegamos a um controlo que é ativado, só aí é que temos o GPS da etapa.

— Portanto, cinco minutos antes de saírem ninguém sabe nada?

— Ninguém sabe nada.

— E depois olham os dois, ou só o Filipe vê?

— Não há nada para ver… São cinco minutos! Ele anda no tablet para cima e para baixo e diz: 'Olha vamos virar à esquerda, vamos virar à direita, há pedra'. Mas não dá para preparar nada, até porque nesses 5 minutos já estamos equipados, apertados dentro do carro, já não podemos ajustar pressões, já não podemos fazer nada.

— É seguir para a estrada e fazer figas para que tudo corra bem? E se, por exemplo, se sentem mal ou se precisam de ir à casa de banho? É aguentar e ir até ao fim?

— Depende de cada um. Eu já me senti mal numa prova cá em Portugal… Com dores de barriga, febre, 40 graus… Entrei para dentro do carro e via tudo desfocado. O Filipe perguntava se estava tudo bem e eu dizia que via tudo desfocado. Precisávamos de fazer quinto ou sexto lugar para sermos campeões, e houve uma altura que eu quis mesmo desistir. Mas no Dakar, os pilotos mais de trás se tiverem de parar, param e está tudo certo. Eu ou o Filipe, jamais paramos para ir à casa de banho!

— Nunca?

— Nunca. Aguento-me. Ou faço onde calhar. Mas parar nunca, isso eu garanto [risos]!

— Quando é que vai para a Arábia Saudita?

— Dia 29 de dezembro.

— O Dakar começa dia 3 de janeiro

— Chegamos dia 30, convém estarmos lá um dia ou dois para o fuso horário, preparar caravanas, ver o carro, fazer briefing com os mecânicos e engenheiros, delinear estratégias...

— E a passagem de ano?

— É a dormir na caravana.

— O que leva para a viagem? Alguma coisa mais pessoal?

— Não, levo roupa, roupa de corrida, a almofada para dormir - sempre -, uns chocolates — só comemos chocolates se a etapa correu bem — e a bandeira portuguesa e a de Leiria. O resto é mentalidade, não coisas materiais. O resto está na cabeça. É uma corrida que depende muito da mentalidade. É muito desgastante mentalmente, talvez tanto quanto fisicamente. A resiliência é fundamental porque no Dakar tudo muda muito depressa.

— A resistência mental é tão importante quanto a física?

— Sim, é determinante. É importante manter o ritmo, a estratégia, mesmo quando algo corre mal.