Incoerência 'vs.' Liderança
Criticamos o atleta que, na flash interview, se diz feliz por ter marcado um golo quando a equipa perdeu. Criticamos o treinador que coloca a sua narrativa acima da narrativa do clube. Criticamos quem põe intenções individuais à frente dos objetivos coletivos e quem age de forma indiferente à cultura organizacional. Será ético impedirem-me de me expressar pelo momento que o clube possa estar a passar? Provavelmente, não, mas neste meio isso pouco interessa, temos de ser muito mais astutos do que a ética.
Perante isto, como deve um líder gerir as suas intenções, desejos e vontades no turbilhão que é a liderança de um clube desportivo, sobretudo quando o contexto é altamente mediático? A resposta é simples e verdadeira: total contenção. Guardar para si próprio — ou para círculos muito restritos — aquilo que não serve o interesse do clube. Na comunicação, menos é mais, sobretudo em ambientes onde tudo é amplificado a níveis difíceis de controlar. No final do dia, o que conta não é a intenção de quem comunica, mas a mensagem que é recebida.
O desporto de alta competição tem uma particularidade decisiva: o impacto brutal do resultado. Ao contrário de outras áreas, aqui o veredito é frequente e quase sempre binário: sucesso ou fracasso, tudo bem ou tragédia. Para quem lidera, equilibrar emoção e razão é uma missão espinhosa, sabendo que ambas tendem a seguir em sentidos opostos. Outra missão central é compreender o contexto. Num mundo onde as emoções estão constantemente à flor da pele, surfar a onda é regra para quem quer sobreviver. Expor publicamente o que vai na alma não é uma opção, sobretudo quando a expressão individual entra em choque com a cultura, a identidade ou os objetivos do clube.
Mas será que o estado do clube ia, por exemplo, assim tão mal? Nestes contextos, os cenários são reduzidos: ganhar ou não ganhar. Se é esta a cultura que se pretende incutir num clube, então o locus emocional torna-se determinante. De que vale afirmar diariamente, ou até escrever nas paredes, que só a vitória interessa, se o comportamento demonstra o contrário? Como exigir coerência a outros colaboradores quando a liderança não dá o exemplo? Sabemos bem que coerência e exemplo são pilares fundamentais da liderança. E como demonstrar satisfação individual quando, coletivamente, as coisas não estão bem?
Não é possível, por mais vontade que exista, explodir publicamente de forma emocional, mesmo quando se acredita ter razão. Nestes casos, a vontade é quase sempre contrária à racionalidade. A gestão desta tensão é muito mais complexa do que aquilo que cabe em páginas de jornal. É impossível transcrever integralmente o dia a dia de quem lidera no desporto de alta competição. Ainda assim, basta um deslize emocional para se perceber, de forma clara, a crueldade da exposição mediática nestes contextos.