Gyokeres e a nossa liga: bola de prata ou de lata?
Quanto vale um golo em Portugal? A pergunta nunca tem uma resposta exata porque depende de muitas variáveis. Um golo de livre direto, por exemplo, deveria ter quase o mesmo valor que um marcado na Premier League, descontando apenas a eventual menor qualidade dos guarda-redes ou a possibilidade de haver menos faltas no melhor campeonato do mundo, seja pelo critério mais largo dos árbitros ou pela maior qualidade dos defesas que não necessitam de recorrer tanto a este expediente.
Mas um livre como o de Lopes Cabral, do Estrela da Amadora (muita atenção a este jogador e à rara capacidade de executar bolas paradas com os dois pés), frente ao Alverca, disparado de uma zona lateral ao estilo Erwin Sánchez é uma dádiva para qualquer campeonato e que merecia um estádio cheio, bom relvado, iluminação de topo e máximo tempo de antena.
A questão maior é que os golos de bola corrida são os que realmente contam para a cotação de um jogador e aquilo que realmente define o preço de um ponta de lança. Vimos o que aconteceu este verão com a contratação de Viktor Gyokeres pelo Arsenal: o Sporting teve de arrancar a ferros 65 milhões de euros (mais os bónus de fácil concretização) ao Arsenal, o mesmo clube que num abrir e fechar de olhos pagou €70 milhões por outro ponta de lança, Eberechi Eze, ao Crystal Palace.
Para muitos portugueses isto poderá soar estranho, mas o data e a capacidade preditiva gerada por Inteligência Artificial (os oráculos dos tempos modernos) é hoje uma componente cada vez mais importante na hora de contratar jogadores. E foi esse data (dados) que terá impedido os londrinos de pagarem um valor demasiado elevado pelo panzer nórdico. O fator idade pesa (27 anos), mas há outro que é tão ou mais relevante na tomada de decisão e que nos leva a uma reflexão mais profunda: a liga portuguesa não tem criado goleadores de referência.
Se recordarmos os avançados transferidos neste século do campeonato português para clubes do top 5 da Europa chegamos à conclusão de que foram muito poucos os que conseguiram manter uma relação assídua com o golo fora deste retângulo na parte mais ocidental do Velho Continente. A última vez que isso aconteceu foi há 14 anos, quando Radamel Falcao replicou no Atlético Madrid o que fez no FC Porto – e num patamar mais abaixo temos o caso de Gonçalo Ramos, segundo melhor marcador do PSG em 2023/24 e terceiro melhor marcador em 2024/25, nem sempre titular na melhor equipa da Europa.
A restante lista é composta por jogadores que perderam rendimento face ao aumento de exigência: Darwin Núñez, Jackson Martínez ou Carlos Vinícius (todos vencedores de A BOLA de Prata), Vitinha, André Silva ou Fábio Silva (jovens a quem eram apontado um bom futuro, critério em que se basearam as respetivas transferências) e casos como Slimani, Raul Jiménez ou Evanilson, pilares nos três grandes (no caso do mexicano, apenas a espaços, é certo, porque tinha a concorrência de Jonas), mas que não passaram da classe média em Inglaterra. Ou ainda Taremi, ídolo no Dragão mas sem ter feito a diferença no Inter (já numa idade mais avançada, mas mais novo que Arnautovic, por exemplo, este bem mais eficaz no finalista vencido da Champions).
Por este motivo, boa parte da credibilidade do campeonato português estará projetada em Gyokeres: em caso de sucesso, vai gerar pelo menos o benefício da dúvida; se ficar abaixo das expectativas será mais uma prova de uma desigualdade que favorece demasiadamente qualquer avançado dos três grandes. As primeiras jornadas de 2025/26 têm sido um espelho disso mesmo.