Canoagem é o atletismo do século XXI
Fernando Pimenta tem afirmado nos últimos tempos, meio a sério meio a brincar, que é o melhor desportista português de sempre, à frente do próprio Cristiano Ronaldo. Os títulos de campeão do mundo, da Europa, as medalhas olímpicas e uma consistência longa e competitiva ao nível do avançado do Al Nassr podem sustentar essa ideia - nada descabida, já agora, porque o canoísta de Ponte de Lima já ganhou tanto que mais um triunfo entre a elite parece ser apenas mais um dia no escritório.
É natural que a cada conquista portuguesa em modalidades que não o futebol surja a velha conversa de que é dada pouca atenção a estes campeões no circo mediático. Têm, de facto, pouco espaço ou tempo de antena comparativamente ao tema da bola, mas tal se deve à verdade nua a crua de que é o público quem prefere uma boa discussão sobre um penálti em vez de conhecer mais sobre o esforço, dedicação e sacrifício por detrás de cada pagaiada.
Num país com pouca cultura desportiva, cabe por isso a cada modalidade encontrar uma forma de se destacar. E a melhor forma de fazê-lo é… ganhar. E nenhuma outra modalidade tem conjugado esse verbo mágico como a canoagem, estando para o século XXI o que foi o atletismo no século XX no panorama do desporto português.
Fernando Pimenta é o Carlos Lopes das águas doces e por isso mais extraordinária é a notícia da medalha de ouro em K4 500 conquistada ontem, nos Mundiais que se disputam em Milão, por outros canoístas que não o melhor de todos. Gustavo Gonçalves, João Ribeiro, Messias Baptista e Pedro Casinha venceram um título que é desejado por todas as seleções, cuja vitória torna o país vencedor, oficiosamente, a potência mundial da modalidade.
Ganhar é sempre bom, mas vitórias como esta e em momentos como o atual, com o país a viver (mais) uma tragédia provocada pelos fogos, torna-se ainda mais simbólica porque nos fazem olhar para os mais esquecidos e valorizar a sua extraordinária abnegação, seja na luta pela sobrevivência ou por tentar atingir a glória numa canoa.
Quando passou às meias-finais em K1 1000, Pimenta recordou que tem bombeiros na família e estou certo de que hoje, quando lutar pela medalha de ouro na final, é neles que também estará a pensar. Este é um Portugal de que todos nos devemos orgulhar, nem que seja por breves momentos, despindo as camisolas dos clubes e sem precisar de colocar bandeiras à janela. O sentimento de pertença coletiva nasce de uma força muito maior.