Futebol à borla: uma ideia para Portugal?
A indústria do futebol continua a acompanhar de muito perto a iniciativa do Fortuna Dusseldorf, na Alemanha, que pode vir a representar uma revolução para os clubes com dificuldade em encher os seus estádios: o projeto Fortuna fur alle (Fortuna para todos) que pressupõe a gratuitidade de acesso aos seus adeptos. Começou com um jogo em 2023 frente ao Kaiserslautern (Bundesliga 2), passou para quatro partidas em 2024/25, estão já anunciadas cinco em 2025/26 e o objetivo é ter todos os 17 jogos em casa gratuitos até 2030.
Os números já conhecidos suportam a racionalidade da medida: a média de espectadores passou de 30 mil para 48 mil, os patrocínios diretos tiveram uma subida de 50 por cento, o merchandising aumentou em 50 por cento nos dias gratuitos e houve uma subida de 20 por cento no número de sócios. Visto de outro ângulo: o que o clube perde em receitas anuais de bilhética (cerca de €8 milhões) já ganhou em novos patrocínios (€9 milhões), esperando-se que o número dispare para €45 milhões até 2029. A maioria provém de marcas locais e regionais que colocam os seus produtos e serviços disponíveis para o adepto/consumidor.
Esta operação é feita através de uma plataforma online que centraliza a informação. «É o coração e cérebro do nosso modelo de negócio», admitiu o CEO do Fortuna, Alexander Jobst. Ou seja, o clube abdica de uma receita estanque (bilheteira) para passar a conhecer muito melhor o seu adepto/cliente através dos dados (o ouro da era digital), para uma série de novos negócios e receitas. É, no fundo, deixar para trás um modelo de gestão do século XX.
O conceito já foi entretanto replicado no Brasil, pelos novos donos da Portuguesa. Em julho, no último jogo da fase de grupos da Série D, promoveu entradas grátis mediante o registo numa plataforma online e como consequência quadruplicou o número de sócios em apenas três dias. Em paralelo foram criadas várias experiências de lazer e cultura para agarrar novos adeptos e fazer regressar outros que andaram de costas voltadas nos últimos anos.
É na observação deste fenómeno que me interrogo como e porquê os clubes em Portugal continuam agarrados a conceitos datados e vamos assistindo, ano após ano, a bancadas despidas em jogos da Liga, um fator que afasta qualquer espectador (o telespectador clássico e o novo das plataformas digitais) na procura de um produto atraente.
Os números da época 2024/25 voltaram a expor um campeonato desigual: ótimas médias de assistência na casa dos três grandes, boas em Guimarães, Faro e Famalicão; e depois é sempre a descer, numa lista onde se deve incluir o próprio SC Braga, que nem chegou à média de 50 por cento de lotação – pouco para um clube tão ambicioso. Metade dos emblemas do primeiro escalão apresentou média abaixo dos quatro mil espectadores (Casa Pia, Arouca, Moreirense, Nacional, Aves SAD, Rio Ave, Estoril, Santa Clara, E. Amadora), e se retirarmos a receção aos grandes o número desce consideravelmente, nalguns casos nem chega a dois mil por jogo.
Ora, tendo em conta que a bilhética ronda, em média, os 10/15 por cento das receitas totais, dependendo os clubes muito mais da venda de passes de jogadores e da TV, não seria muito mais rentável do ponto de vista financeiro (novas receitas e receitas indiretas) e desportivo ter um estádio cheio, à medida da dimensão de cada clube? O som mais deprimente de um jogo de futebol é o eco. Representa o vazio. De gente e ideias.