Final de linha para Martín Anselmi?
Contexto
Num ano particularmente complicado, em que o grande objetivo era equilibrar o FC Porto em termos financeiros, o primeiro erro de André Villas-Boas foi o de elevar as expectativas. Com um plantel inferior aos rivais, o presidente portista deveria ter percebido que o contexto se sobrepunha à história.
Quero com isto dizer que foi um erro referir publicamente que o FC Porto era um real candidato a vencer o campeonato nacional e a Uefa Europa League. Percebo a importância de passar uma mensagem de exigência, tanto para dentro como para fora, mas neste caso o que se exigia aos responsáveis azuis e brancos era uma dose de realidade e reduzir a pressão sobre os atletas. Se a mensagem tivesse sido mais cautelosa, ao longo do ano iriam existir oportunidades para ajustar as expectativas em função do desempenho.
Como todos sabemos, os três grandes, pela sua história, serão sempre candidatos aos títulos. Contudo, quem acompanha o fenómeno do futebol também percebe que, numa prova de maratona, quando não estão reunidas as condições necessárias para se alcançar o sucesso, a história por si só não chega para fazer de um clube um real candidato ao título. Assim, o ano começou com Vítor Bruno ao leme da equipa. Sem praticar um futebol mágico, a realidade é que a equipa era consistente defensivamente e todos percebíamos o que o anterior treinador portista pretendia fazer.
Depois de duas derrotas que poderiam ter dado a liderança ao FC Porto, Vítor Bruno foi despedido a quatro pontos do primeiro lugar e a um do segundo. Será que o ex-técnico azul e branco foi traído pelo seu sucesso, já que estava a lutar pela liderança do campeonato? Será que os dirigentes portistas pensaram que com outro treinador o clube iria ter a capacidade de lutar pelo título? Por que motivo a contestação a Vítor Bruno, por parte de um pequeno grupo de adeptos, foi tão agressiva? Por que motivo estes adeptos apresentaram uma exigência com Vítor Bruno que não têm com Martín Anselmi?
A chegada de Anselmi
Depois de despedir Vítor Bruno, a Administração do FC Porto pagou a cláusula de 3,1 milhões de euros de Anselmi e apresentou o técnico argentino como o treinador do projeto. Desde logo todos percebemos que se tratava de uma pessoa que sabia e tinha facilidade em comunicar e em passar as suas ideias. Sendo que esta é uma premissa importante nos dias de hoje, o fundamental, e aquilo que os adeptos pretendiam que Anselmi trouxesse, era uma ideia de jogo e uma evolução qualitativa na forma de jogar.
A ideia de jogo
Dentro do relvado, Anselmi optou por um sistema de três centrais. Nas conferências de imprensa referiu sempre que os sistemas são números e o que importa são as dinâmicas e a forma como os jogadores se movimentam dentro do relvado. A questão é que passados seis meses a equipa não evoluiu, pelo contrário.
De uma equipa consistente, em termos defensivos, o FC Porto de Anselmi transformou-se numa equipa permeável, com muitas dificuldades nas transições defensivas e que permite que os adversários cheguem com facilidade a zonas de finalização. Em termos ofensivos, a evolução também não existiu. A equipa depende muito das individualidades e não é uma formação padronizada que saiba o que deve fazer a qualquer momento.
Com Anselmi, em termos ofensivos, o FC Porto vive da inspiração de Rodrigo Mora, da acutilância de Samu e da magia (a espaços) de Fábio Vieira. Se defensivamente ficou mais frágil, em termos ofensivos, na maior parte dos jogos, tem dificuldades em criar situações de finalização. Em suma, em seis meses, ainda não conseguimos perceber a identidade da equipa de Martín Anselmi.
Presente vs futuro
Despedir ou não um treinador é sempre uma decisão muito complicada. No caso do FC Porto, ainda mais complicada é, uma vez que Anselmi foi uma aposta da estrutura e teve um custo de aquisição (€3,1 M), o que nas condições financeiras do clube demonstra grande convicção nesta contratação. Não é fácil para ninguém assumir os seus erros, mas o que André Villas-Boas deve questionar é se o futuro do FC Porto irá ser melhor com ou sem Anselmi.
Do que me é possível analisar, nestes seis meses, a equipa portista não evoluiu. É verdade que vendeu Galeno e Nico González, mas também surgiu um enorme Rodrigo Mora. Também é verdade que o FC Porto, mesmo sem os jogadores que vendeu, continua a ter um plantel muito superior à maior parte das equipas portuguesas. Muito mais do que os resultados, o que está em causa é a fraca qualidade do futebol praticado dentro das quatro linhas.
Outro ponto importante é que se Anselmi chegou com grande à-vontade na comunicação, a verdade é que tem muitas dificuldades em explicar a falta de evolução da equipa. Estamos a entrar na pré-época e este é momento de planear e criar condições para a equipa ser mais competitiva.
As decisões de uma Administração devem ser sempre racionais. Assim, Villas-Boas só tem duas hipóteses: mantém a aposta em Martín Anselmi, tendo por base uma fezada e não uma análise da evolução da equipa individualmente e coletivamente; assume que Anselmi foi um erro e procura uma nova solução que se enquadre no contexto do FC Porto e na realidade nacional. Independentemente da decisão que tomar, o que André Villas-Boas deverá ter a noção é que o clube já não tem mais tempo para experiências e que a margem de erro que tinha se esgotou.
A desvalorizar: Boavista
A importância da vertente financeira: anos e anos de uma gestão financeira sem rigor fizeram com que o Boavista desportivamente ficasse cada vez mais frágil, e que culminou na impossibilidade de inscrição nas competições profissionais.