Paul Gascoigne em 1990 (Foto: IMAGO)
Paul Gascoigne em 1990 (Foto: IMAGO)

As memórias de Gascoigne: «Bebi nove copos de conhaque, marquei dois golos e fui eleito o homem do jogo»

Antigo jogador da seleção inglesa recordou alguns momentos da sua carreira num livro de memórias

O antigo internacional inglês Paul Gascoigne, de 58 anos, voltou a abrir o livro da sua vida, uma existência marcada pelo talento desmedido, mas também pelos excessos e pelas feridas que nunca cicatrizaram. Na sua mais recente biografia, o ex-futebolista recorda episódios insólitos e dolorosos, revelando os bastidores de uma carreira que poderia ter sido lendária, não fosse o peso da dependência do álcool e os traumas pessoais que o acompanharam desde a infância.

O que seria de Paul Gascoigne se no verão de 1988, depois de ter acertado com Alex Ferguson a mudança do Newcastle para o Man. Utd, não tivesse rumado ao Tottenham... convencido pelos pais a quem os 'spurs' prometeram uma casa e um carro? (IMAGO)

Entre as memórias mais surpreendentes, Gascoigne relata um episódio ocorrido em 1996, durante a final da Taça da Liga Escocesa entre o Rangers e o Heart of Midlothian. «Ao intervalo, o treinador perguntou-me se eu tinha bebido. Respondi que não. Ele respondeu-me: 'Então vai beber alguma coisa!'», recorda o antigo médio. «Bebi nove copos de conhaque, voltei ao campo, marquei dois golos e fui eleito o homem do jogo. Mas não me deixaram ir ao jantar pós-jogo porque já tinha bebido demasiado.»

A história, que poderia soar caricata, simboliza o drama de um jogador que viveu permanentemente entre o génio e a autodestruição. Gascoigne admite que, durante anos, se afastou da família e que o silêncio o consumiu. Só quando o pai decidiu interná-lo num hospital psiquiátrico é que percebeu a gravidade da situação: «Aqueles 11 dias salvaram-me a vida.»

No livro, o antigo médio aborda também um trauma de infância que o marcou profundamente, a morte do irmão mais novo de um amigo, atropelado à sua frente. «Assumi a responsabilidade de cuidar dele. Mas, num momento de desatenção, ele correu um metro à minha frente e foi atropelado. Morreu nos meus braços… Pensei que ainda respirava. Infelizmente, não foi assim.»

Paul Gascoigne (IMAGO)

Gascoigne confessa que nunca superou essa tragédia, e que o sentimento de culpa o perseguiu durante toda a carreira, alimentando os problemas de saúde mental e a dependência alcoólica. «Fiz muitas coisas loucas, mas hoje tento ver a vida de outra forma», reconhece.

As revelações não se ficam por aqui. Num tom simultaneamente irónico e melancólico, o ex-jogador conta que o pai tinha uma obsessão por automóveis, levando-o a comprar-lhe «82 carros». «Três vezes por ano esperava que eu lhe oferecesse um carro: no Dia do Pai, no aniversário e no Natal. Num Natal chegou a enviar-me uma fatura - 75 mil libras por um BMW. Dizia que era 'para o Dia do Pai'. Oh, meu Deus… já não importava, não o podia recusar.»

Gascoigne num jogo de lendas pelo Rangers em 2022 (IMAGO)

Outro episódio marcante das suas memórias remonta ao verão de 1988, quando Gascoigne trocou o Newcastle pelo Tottenham. Sir Alex Ferguson queria levá-lo para o Manchester United e o médio tinha-lhe dado a palavra. No entanto, o então presidente do Tottenham, Irving Scholar, conseguiu desviá-lo, oferecendo um generoso pacote de incentivos à família Gascoigne. «O meu pai exigiu 120 mil libras, depois um BMW, e a minha irmã pediu uma espreguiçadeira. Scholar aceitou tudo e o negócio ficou fechado.»

Mais tarde, Gascoigne reencontrou Ferguson em Old Trafford. «Quando o vi, já com 80 anos, não se conteve: “Como raio te atreveste a recusar-me? Cometeste o maior erro da tua vida!'», recorda, entre o arrependimento e o humor. Paul Gascoigne terminou a carreira longe dos palcos principais, mas a sua figura permanece icónica. Um talento prodigioso que tocou o céu e caiu no abismo, sem nunca perder a capacidade de se rir de si próprio.