André Villas-Boas, António Salvador, Frederico Varandas e Rui Costa são responsáveis pelo constante ruído negativo no futebol português - Foto: André Carvalho
André Villas-Boas, António Salvador, Frederico Varandas e Rui Costa são responsáveis pelo constante ruído negativo no futebol português - Foto: André Carvalho

Amigos, tenham juízo!

No tempo das promessas fáceis e memória curta, Portugal continua refém do ruído e da incapacidade de pensar em conjunto. Mas vem aí um novo ano e temos de desejar o melhor

É nesta altura que se pedem desejos. Olha-se para o ano que aí vem e espera-se que seja sempre muito melhor do que aquele de que nos despedimos às janelas e varandas, enquanto batemos quase enlouquecidos em tachos e panelas, após engolirmos dozes passas mastigadas à pressa e despejarmos umas flutes de espumante. Queremos afugentar todas as amarguras que nos trouxe para bem longe de nós, a fim de o futuro imediato se instale, comodamente, à frente do nosso caminho, escrito a cor de rosa, cheio de unicórnios e construções de açúçar e algodão-doce. Somos pueris a esse ponto. Ingénuos. Nem os santos levam vida santa, bem pelo contrário. Foram mártires antes de ascenderem, hoje os que os veneram martirizam-nos com pedidos de tudo e mais alguma coisa. Até pelo resultado de um jogo. Um caneco qualquer. Ainda que seja outra realmente a religião que professam. E já foi o tempo em que erguíamos mosteiros que demoravam literalmente séculos a levantar para agradecer a Santa Maria da Vitória.

O desporto e o seu rei futebol, da nossa perspetiva desde o ponto mais ocidental da Europa, são, disse-o Arrigo Sacchi, o melhor treinador-sapateiro da história do jogo e reinventor do totaalvoetbal neerlandês, em versão rossonera, «a coisa mais importante das menos importantes da vida». Tinha razão. Também poderia ser a menos importante das mais importantes, que quereria dizer praticamente o mesmo. Porque todos sabemos que a vida continuará na mesma sem que o tenhamos connosco, mas nunca será a mesma coisa. E talvez nem seja bem vida. Não esqueçamos do papel que a prática do desporto tem para a saúde e para a vida em sociedade e o que influencia em tudo o resto. Algo que neste país pouco entusiasmou os governantes, mais preocupados em aparecer bem na fotografia no momento dos triunfos do que em trabalhar para vulgarizá-los, para que se tornem parte do dia a dia, apontando ao mesmo tempo o caminho para uma nação mais saudável.

Não sei se já repararam, mas somos um país incrível. Sempre fomos pequenos, mesmo quando o que era nosso era maior do que nós, fruto de uma vontade férrea que, desde que consigamos calar os Velhos do Restelo, nos empurra para uma dimensão muito superior ao que está entre as nossas fronteiras e dentro dos nossos limites de gestão e governação. Olhamos para quem se candidata ao poder e provavelmente não lhes confiaríamos uma empresa de condomínio quanto mais as chaves do país, de uma Câmara Municipal, de um clube ou de uma organização. No entanto, ao mesmo tempo, exportamos talento. Em múltiplas áreas. No desporto, ganhamos em modalidades que ninguém apoia e de que ninguém se lembra durante 11 meses e a partir do futebol que temos, do campeonato esfarrapado que organizamos e que maltratamos a cada minuto apenas para depois nos servirmos dele, dele sorvendo tudo sem dar nada em troca, criámos provavelmente o melhor plantel presente no próximo Campeonato do Mundo. Daqui por alguns meses vamos estar de bandeirinhas nas janelas e nos automóveis a apoiar à distância uma Seleção que é muito maior do que futebol de onde nasceu.

Não acredito que 2026 venha a ser muito melhor do que foi 2025, mas está na tal altura dos desejos e vou deixar-me levar. O desporto e o futebol português não se vão resolver num único ano, mas bastaria que os líderes usassem um pouco do bom senso que tantas vezes lhes falta para espoletarem a mudança tão necessária. Uma mudança que lhes interessa, embora achem que não, que é melhor se isolarem, fecharem-se no seu castelo e dispararem misseis em forma de comunicados que vão fragilizando a estrutura do dos rivais. É com esse pensamento medieval que deixam por vezes o burgo, rodeados pela respetiva corte, e falam, constrangidos por uma memória seletiva e coletiva que deixa de lado escândalos próprios e até terem estado pouco antes do outro lado da barricada. Vistam-se de verde, vermelho ou azul, e apesar de dominarem a cena mediática, há outros que se calhar teriam bem mais a reclamar. A clamar por justiça.

No próximo ano, já que não o fizemos antes, deveríamos começar a tratar bem o nosso desporto. O nosso futebol. Desde 1 de janeiro. E não esqueço nenhuma obrigação ou dever, seja os do jornalista ou do dirigente, os do treinador ou do jogador, e até os dos árbitros, que, com tudo isto, também perderam o bom senso, quando deviam ser as pessoas mais equilibradas, distantes e lógicas, enfim, os adultos na sala. Quando os melhores perdem a noção do que é claro e óbvio, e do que realmente é falta ou não, seja em que campo for, então é tempo de fazer uma pausa, respirar fundo e recomeçar. Se há muito acho que a rigidez das regras está a estragar o jogo, só os donos do apito conseguirão evitar o excesso de zelo e aplicar o critério justo. Acreditemos. Frederico Varandas, que de cada vez que é anunciado aos jornalistas se espera que acorde de novo o Vesúvio, mas depois acaba por acrescentar muito pouco à discussão, sente-se agora tão confortável que saiu em sua defesa, esquecendo-se das vezes que protestou e deu murros na mesa. Sugere 100 mil euros de pena por se falar na arbitragem, acrescento a perda de pontos. Já que falamos nisso, porque não? E sem providências cautelares possíveis emitidas em qualquer tribunal a norte ou a sul. O próximo desafio é que os árbitros não se sintam inimputáveis, mas essa é outra discussão.

Li vários elogios à forma como os clubes se portaram nas últimas reuniões de trabalho em conjunto. Li aí esperança de que fosse finalmente desta que todos tenham visto the big picture, entendido que podem alcançar muito mais em conjunto do que cada um por si. Não foi há muito tempo. Basta haver um jogo e tudo se esquece. Em janeiro, decide-se a primeira fase na Europa, a Taça da Liga e há clássico na Taça de Portugal. No início de fevereiro, joga-se mais um clássico que muito poderá decidir do campeonato e até maio haverá, em tese, três grandes a lutar por dois lugares na Liga dos Campeões. Mesmo assim, o meu desejo para 2026 é que ganhem juízo de vez. Ou só por vos contar já não se concretiza?