Zaidu veste a babariga e toca kalangu
A sério que me comovi com os festejos do quarto golo do FC Porto em Arouca. Zaidu muito feliz e todos os companheiros de sorriso muito largo, em abraços e palmadinhas constantes numa manifestação de alegria que é impossível de se fingir. Zaidu tem de ser uma pessoa especial tal o carinho que recebeu de todos, tão genuína foi a manifestação de alegria.
Lembrei-me logo do que disse dele Sérgio Conceição: «Zaidu é o jogador mais puro que eu apanhei… Nem sei como dizer… Nos sentimentos, na forma como lida com as outras pessoas. É um ser humano fantástico».
Talvez Zaidu seja daquelas pessoas superiores que entende que existe um lugar ainda mais importante para se gravar o nome do que a história. Esse lugar reside no coração de todos os que se cruzam connosco, são eles que vão zelar pela nossa imortalidade.
Talvez esta pureza tenha a ver com as origens: Jega, uma localidade no estado de Kebbi, no noroeste da Nigéria. Onde predomina a cultura haúça. Uma cultura onde, à imagem de tantas outras em África, a hospitalidade é um valor cultural importante, onde visitantes e estranhos são bem recebidos. Não por educação, não por cortesia, mas por valor identitário. Além disso, as relações sociais e a comunidade são muito valorizadas, os eventos e cerimónias são partilhados com a comunidade, onde o ‘eu’ chega a ser uma realidade cujo conceito não se entende sequer.
Talvez Zaiu seja apenas uma pessoa muito grata. Que lembre os tempos em que o futebol era apenas uma ocupação nos parcos tempos livres que lhe sobravam da ajuda que tinha de prestar ao pai nos campos de arroz. Talvez também grato por ter entrado no radar de um olheiro que o observou em torneios locais, num tempo que que, ainda extremo, lhe chamavam Gareth Bale pelo estilo de jogo.
Talvez Zaidu tenha bem presente o choque de chegar a um novo país, uma nova cultura, um novo mundo e sem falar sequer inglês. Um tempo que que, chegou a confessá-lo, se sentia perdido. «O campo era o único sítio onde me sentia igual aos outros».
Talvez Zaidu se tenha lembrado das várias lesões que tanto o têm prejudicado. Pediu à comunidade de origem para rezar por ele, livrando-o dos jujus de alguma alma invejosa ou espírito maligno. Talvez se tenha lembrado de todos os críticos que, num exercício legítimo de análise, lhe colocaram o rótulo de não suficientemente bom para jogar no FC Porto. Mas, com todo o respeito, ele sempre acreditou que poderia ir além do Mirandela e em dois anos fez essa viagem até à Liga dos Campeões.
Naquele momento de celebração do golo, talvez todos os companheiros de equipa tenham visto em Zaidu a pessoa mais pura que Sérgio Conceição descreveu. Testemunhas de um esforço para fazer o que mais gosta, que não é mais do que a luta por se ser quem se é.
Talvez em Jega se oiça o som metalizado do kakaki. Ou os ritmos do kalangu. Acompanhados pelas flautas celebrando as vitórias de Zaidu. Já homenageado no seu país com a Ordem de Níger, a segunda mais alta condecoração na Nigéria.
Que Zaidu vista a babariga e desfile com orgulho. Há muito que me conquistou e não foi pela sua qualidade futebolística (que é muita). Ao estudar e analisar as origens e o percurso de Zaidu aprendo muito sobre a vida e confronto-me muito. E chegamos a este patamar em que um cota de 55 anos, europeu e cristão, tem num miúdo de 28 anos, africano e muçulmano, um modelo a seguir.
Os feitos que Zaidu conquistar ficarão gravados nos museus e livros de história. A pessoa que Zaidu mostra ser ficará como impressão digital em todos os que se dizem abençoados por o conhecerem. E, não conhecendo pessoalmente Zaidu para o comprovar, não pode haver tanta gente enganada…