Seleção portuguesa feminina é vice-campeã do mundo

«Dentro de quatro anos estaremos mais perto de vencer o Mundial»

Selecionador Nacional de futsal feminino visitou A BOLA e falou do 2.ª lugar alcançado nas Filipinas. Um caminho que está a preparar há… 11 anos!

A seleção feminina de futsal sagrou-se vice-campeã do Mundo nas Filipinas. Um percurso que só não foi irrepreensível porque não conseguiu superar, na final, a favorita seleção do Brasil. Fica o registo de melhor ataque da competição, grande futsal jogado e algumas distinções, como a da guarda-redes Ana Catarina, melhor do Mundial, e Lídia Moreira, terceira melhor jogadora e marcadora.

Foi um feito das jogadoras no primeiro Mundial feminino da história da modalidade, mas percebe-se que Portugal não chegou aqui por acaso. Há um trabalho de anos… Até para o selecionador Luís Conceição, que há 11 anos, em 2014, assumiu o cargo. Como terá dito Einstein, o único local onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário…

- Como é treinar estas campeãs?
- Este é um percurso de 11 anos mas é sempre um desafio... Elas chegam a este título, podemos chamar assim, de vice-campeãs porque têm muita qualidade e elas próprias desafiam-se não só a elas mas desafiam-nos a nós, diariamente, a mim e à equipa técnica, a procurar novas soluções, novas respostas. Olhamos para nós, olhamos para o adversário, como é que nós conseguimos ultrapassá-lo e temos que, quase que de estágio para estágio, irmos, não diria inovando, mas ajustando muitas coisas dentro daquilo que é a nossa ideia do jogo. E nisso elas obrigam-nos a estar sempre muito atentos, a ter novas soluções para elas. Obrigam-nos a pensar muito o jogo, o treino.

- Quando se trabalha com as melhores, o trabalho é mais fácil?
- É fácil porque elas são extraordinárias enquanto atletas e enquanto seres humanos, mas também porque nos lançam sempre outros desafios que temos de estar ao nível.

- Todos os treinadores com experiência de treino de equipas masculinas e femininas me disseram que as mulheres questionam mais os treinadores sobre o que estão a fazer do que os homens. Confirma?
- Elas questionam muito, sim. É natural. Muitas vezes porque o jogo é mesmo assim, elas têm que perceber porque é que nós lhe apresentamos aquilo e porque é que não apresentamos de outra forma. Se calhar, dizemos a atletas homens que temos que ir por este caminho e eles vão...Vamos todos. Já a elas dizemos vamos por este caminho e elas questionam porque vamos por ali e não por outro caminho. Eu acho que isso é positivo. Porque nós nem sempre estamos certos. E às vezes elas têm outra percepção do que é que se está a passar. Não tem problema nenhum, adaptamos as coisas e seguimos. No feminino, acho que é mesmo assim. No desporto mas também no dia-a-dia.

- Nesta altura, é fácil as pessoas verem o sucesso e a festa desta Seleção. O que é que as pessoas não viram e que permitiu à equipa chegar aqui?
- Muito trabalho. Não só nosso, mas das jogadoras e de outras pessoas. Foi um alterar de um conjunto de coisas a nível nacional que a Federação também conseguiu, a nível de seleções, a nível de clubes, de campeonatos. Foi o trabalho dos clubes, que embarcaram nesta onda que era preciso dar melhores condições para elas poderem treinar e jogar melhor. Os nossos clubes há uns anos já andavam a treinar duas a três vezes por semana mas com poucas preocupações com os outros complementos que estão muito importantes fora do treino. Hoje, elas estão a treinar mais vezes por semana, já vão ao ginásio, por elas ou pelos clubes, já há preocupações com a alimentação, o descanso, a recuperação, pilares para que, juntos, contribuem para o sucesso. A Federação apertou com a exigência que pede aos treinadores, obrigando-os a estarem cada vez mais qualificados e preparados para a exigência da liga feminina, a exigência deste nível de atletas, para que se trabalhe melhor. Há uns anos olhávamos muito para o Brasil, olhávamos muito para a Espanha e dizíamos que estavam acima de nós. Tivemos de nos fazer ao caminho...

- Um caminho algo longo?
- É um trabalho que leva muitos anos. E começámos a ter os resultados. Este resultado, no mundial, tem mais visibilidade, mas somos também vice-campeões da Europa, somos campeões mundiais universitários, vencemos os Jogos Olímpicos da Juventude, tudo etapas de crescimento. Portugal é, no feminino, uma da principais potências mundiais. E as nossas jogadores estão mesmo ao nível das melhores do Mundo...

- Pedro Proença, presidente da Federação, diz que o título Mundial vai aparecer com naturalidade... Vai mesmo?
- Antes do Mundial ainda temos o Europeu, o próximo grande desafio desta seleção. Mas não fugindo à questão, olhando para a média de idades das principais seleções neste Mundial, Portugal é a mais jovem. Acredito que em quatro anos estaremos mais próximos.

- O Brasil continua a ser a grande potência?
- É uma seleção muito forte. Não impossível de vencer, mas é de facto muito forte. E olhando para a média de idades das duas seleções e para o trabalho que estamos a fazer, dentro de quatro anos estaremos mais próximos. A única coisa que desejo é que as nossas jogadoras não tenham lesões graves. Se estiverem todas, vamos fazendo as coisas... Não tenham lesões graves, porque a partir daí vamos fazendo as coisas.

- Há gente nova em quantidade e qualidade a bater à porta da Seleção?
- Neste capítulo, Portugal, em termos de trabalho, está muito à frente de quase todos os outros. Portugal e Espanha estão a trabalhar muito bem. Nos sub-15, sub-17, sub-19... Vamos trabalhando ao longo do ano com as nossas seleções, dando-lhes a oportunidade de elas competirem com outros países. Infelizmente, na formação ainda não há assim tantas seleções para podermos competir, mas olhamos para a base e vemos qualidade. Nem todas vão chegar à seleção principal, as que chegam não é sempre ao mesmo ritmo.

Famoso como o pão de Martim Longo
Luís Conceição é natural de Martim Longo, concelho de Alcoutim, distrito de Faro. Uma freguesia com pouco mais de mil habitantes e uma história riquíssima, com vestígios que recuam até ao neolítico. No passado mais recente, igualmente terra mineira. E hoje ainda conhecida pelo «pão de Martim Longo», cozido a forno de lenha. Conhecida pelo pão e, agora, também por Luís Conceição. «Gosto muito das minhas origens. Gosto de lá estar, de correr, do ar livre. De respirar aquele ar puro, acho que me dá vida», comenta o selecionador nacional. De resto, são constantes as viagens entre o Algarve e Lisboa. «Tenho lá toda a família, é lá que procuro estar todos os momentos que posso e que não são muitos. Prefiro andar para cima e para baixo, ente o Algarve e Lisboa, do que ficar sempre na capital. É interior algarvio, mas é o meu cantinho, o meu refúgio», enfatiza Luís Conceição.

- A diferença de condições no futsal entre o masculino e o feminino é muito grande? Acredito que não na Federação, mas ao nível de clubes…
- Sim, claramente na Federação a diferença é mínima. Acontece mais na larga maioria dos clubes. Temos de conquistar o nosso espaço sem entramos em comparações. Acho que este Mundial veio projetar isso. Precisamos que se dê a visibilidade que elas merecem. E merecem mesmo muito. Estão a conquistar o espaço delas de forma brilhante. Sabemos que não é fácil o futsal feminino, como todas as modalidades, ter as mesmas condições que o masculino. Agora, as coisas têm que se ir conquistando. Com realismo. Nesta seleção, por exemplo, temos a Ana Azevedo, que é capitã, que tem uma empresa e que trabalha todo o dia. A meio do dial lá arranja um tempinho para ir ao ginásio, à noite vai treinar… O que precisam mais? Nutrição, ginásio e psicologia. Os clubes estão a caminhar nessa direção, mas ainda há caminho a fazer.

De professor a selecionador, do Algarve a Lisboa...

- O jovem professor de educação física que dava aulas em Vila do Bispo ou em Alcoutim chegou a selecionador de futsal feminino em 2014 e, onde anos depois, é vice-campeão do Mundo. O que o fez correr ao longo destes anos?
- Uma grande paixão. Ainda estava no décimo ano e já me envolvia no associativismo, organizava equipas e torneios para miúdos. Tinha a paixão pelo desporto. Comecei com um grupo de miúdos de 9/10 anos da nossa terrinha. Começámos a praticar futsal, há uns 30 anos. Um ano depois já estávamos em competições do Algarve. E fui com eles até aos seniores, sempre a saltar etapas, a subir de divisão até chegarmos à 3.ª divisão nacional. As coisas foram acontecendo naturalmente. Sempre muito dedicado, ávido de informação numa altura em que as coisas ainda não estavam como hoje tão disponíveis na internet. Aprendi muito de livros que tinha de ir a Lisboa comprar… E sempre fiz várias coisas ao mesmo tempo. Acabei o curso, ainda estive dois anos a dar aulas. Depois, aceitei um convite para colaborar com o município de Alcoutim. A Associação de Futebol do Algarve convidou-me para ir para as seleções em 2002, fui colaborando com clubes, até surgir o convite para selecionador feminino…

- Em 2006 eu estava em Macau nos Jogos da Lusofonia. Nunca mais me esqueço de uma conversa que tive com Paulo César de Oliveira, então selecionador de futsal do Brasil, campeão do Mundo, um dos mais prestigiados técnicos da modalidade. Disse-me ele que Portugal iria ser uma das maiores potenciais mundiais da modalidade pelo investimento que estava a fazer na formação de treinadores...
- Não é por acaso que Portugal, não só no futebol, mas também no futsal, tem dos melhores treinadores do mundo, sem dúvida nenhuma. Acho que estamos à frente da maior parte dos países na formação de jogadores e na formação de treinadores, que em parte influencia a outra. Qualificar e exigir aos clubes treinadores altamente formados é muito importante potenciar mais o nosso talento. Não é por acaso que hoje toda a gente olha para Portugal, porque ganhamos muitas coisas em pouco tempo. Ainda neste mundial o presidente da FIFA questionava o presidente da federação como é que um país tão pequeno quanto Portugal consegue ter tanto talento…

Europeu? «Vencer ou... vencer»
Portugal vai encontrar os Países Baixos e a Finlândia no Grupo 1 da ronda de elite de qualificação para o Europeu feminino de 2027, que terá lugar na Croácia. Este o resultado do sorteio, conhecido horas antes desta entrevista. «Vamos agora olhar para os adversários e, naturalmente, o objetivo é vencer o grupo de qualificação. Ainda por cima, uma ronda que terá lugar em Portugal», em outubro de 2026, comenta Luís Conceição. Mas vencer não é o suficiente para o selecionador. «Queremos vencer jogando com qualidade, não basta ganhar, deixámos a fasquia bem alta. É ganhar ou ganhar e irmos à fase final do Europeu», frisou. Para insister nos objetivos, que são, afinal de contas, uma forma de estar da seleção feminine de futsal. «O próximo Europeu já terá oito seleções. A Europa já tem aqui um conjunto de sete ou oito seleções para fazer uma fase final engraçada. Acho Portugal, Espanha e Itália um pouco acima das outras. Também é importante dar oportunidade às outras seleções de competir connosco para poderem crescer. Assumirmos que somos candidatos a ganhar o título europeu, isso é ponto assente», rematou.