A BOLA desafiou Ricardinho a abrir o livro de aventuras (e desventuras) dos primeiros meses no futebol mexicano e o extremo não hesitou

«Passei o vermelho e fui parado. O português acha que é esperto...»

Ricardinho, extremo do Juárez, levanta o véu sobre as aventuras (e desventuras) de meio ano no México, a primeira experiência no estrangeiro. Dos «polícias malandros» à segurança, conta tudo em A BOLA

Ao cabo de apenas seis meses no México, Ricardinho já tem a mala carregada de histórias. Da pacatez açoriana à confusão de Juárez, cidade com 1,5 milhões de habitantes, foi chegar, jogar e... fazer história!

— O Juárez alcançou pela primeira vez os quartos de final do Apertura. Como foi fazer parte desse feito histórico?

— Chegar e vencer logo é sempre muito bom. Desde o início disse às pessoas de lá que ia ser o primeiro português do clube a chegar às eliminatórias e ainda bem que isso se concretizou. Ficar na história do clube ao fim de seis meses é algo que me deixa muito feliz. Agora já sabemos que as expectativas para os próximos torneios vão estar lá em cima, mas é bom sinal. Estou feliz por este feito e as pessoas do Juárez também me ajudaram muito desde o início.

— Como é que a cidade viveu o feito?

— A afición está muito ligada ao clube. Na rua abordam-nos muito. Num dado momento, eles também perceberam que a equipa tinha qualidade para chegar longe. Viveram este feito com muita alegria, mesmo no jogo com o Toluca, depois de já termos feito história, apoiaram-nos sempre, sabendo que seria muito difícil jogar contra o campeão. Mas foi uma alegria para a cidade. Deixar o povo do Juárez feliz é algo muito especial, porque é um povo muito humilde, trabalhador e que nos ajudou sempre.

— Que balanço faz deste meio ano no México?

— Positivo, mesmo que não tenha tido os minutos que desejava nesta reta final do torneio. Mas acho que comecei muito bem. Sinto que me adaptei muito bem ao futebol mexicano. Depois, acabei por ter uma quebra, também por problemas familiares. Mentalmente foi difícil estar longe da minha família. Num momento familiar mais difícil, estar longe e não poder apoiar, aí senti verdadeiramente o que é estar mentalmente em baixo. E achava que, às vezes, por não jogar… Eu costumava dizer que era forte mentalmente, mas quando as coisas acontecem de forma mais dura, percebemos que nem sempre é fácil. Mas lá me consegui levantar um pouco e voltar ao meu nível no final do torneio. Não consegui fazer os números e os golos que queria. Foram mais os anulados do que os que contaram! Tive dois golos anulados. Um que bateu no poste e nas costas do guarda-redes, por exemplo. Podia ter feito quatro, acabei com um. Mas a experiência tem sido muito boa. Todos me receberam muito bem.

— Qual o maior choque cultural que encontrou?

— Antes de ir fui pesquisar algumas coisas, claro. Todas as pessoas vão com medo, mas, se calhar, o choque foi sentir-me seguro. As pessoas vão com o pé atrás, mas, nos seis meses em que estive lá, nunca vi um crime, um assalto... Estive sempre muito tranquilo. E as pessoas são muito amáveis, sempre prontas a ajudar. A minha mulher e a minha filha andam na rua e vão ao supermercado sem qualquer problema. Em termos de perigo, como é tantas vezes falado, tem sido muito tranquilo. E claro, temos o picante na comida. Aí é preciso algum cuidado [risos]. Não sou grande amante de picante e temperam bastante a comida… Abusam um bocadinho. Mas a comida é muito boa e isso também ajudou na integração.

— Não têm de andar de carro blindado na rua? Juárez é considerada uma das cidades mais perigosas do Mundo…

— Como em qualquer lugar do mundo, há sítios a que não deves ir ou que não deves frequentar. Ou seja, não deves ir ao encontro do perigo. Mas a maior parte dos jogadores vive em condomínios fechados, onde é tudo tranquilo. Carros blindados, que tenha visto, só de políticos com mais nome. Eu nunca senti essa necessidade. Se for mais ao centro de Juárez, vejo um nível de pobreza mais elevado. Pessoas a vender coisas na rua, a fazerem coisas nos semáforos para tentarem receber algum dinheiro... Talvez tenha sido esse o lado que me deixou mais triste. Mas, no fundo, sinto que é um povo muito feliz, mesmo não tendo as melhores condições. E isso também me leva a tentar ajudar um pouco. Quando sabem que és jogador, abordam-te de uma maneira muito amigável porque gostam muito do clube.

— Algum episódio mais curioso ou caricato para contar?

— Há um que aconteceu uns três meses depois de chegar ao México, num domingo de manhã, a ir para o treino. Há alguns polícias malandros, lá [risos]. No México, em alguns semáforos, se não vierem carros no sentido contrário, podes passar mesmo estando vermelho. Mas nesse dia, logo a sair de casa, havia um semáforo que eu não podia passar nessas condições, havia sinalização. O típico português acha que é esperto… [risos] Não estava ninguém na estrada e avancei. Uns 200 metros à frente, vejo o polícia a dar a volta e mandar-me parar. Eu até estava com o Madson [ex-Moreirense], que também jogou em Portugal. «O senhor avançou o vermelho», disse-me. Eu perguntei se não era daqueles vermelhos em que podia passar… À português, a tentar não levar multa. Pedi desculpa, tinha chegado há pouco tempo e acabei a dizer que era jogador dos bravos. E pronto, ele acabou por me dizer que não podia voltar a repetir, mas até me pediu uma foto! «Bom treino» e deixou-me avançar. Foi a primeira experiência desagradável na estrada.

— No fim de contas, não lhe passou a multa...

— Quando mandam parar, por vezes temos que lhes dar uns 200 ou 400 pesos, o que acaba por ser 10 euros. É uma realidade muito diferente. Mas também nos ajudam muito. Por sermos jogadores dos bravos de Juárez, eles facilitam um pouco. Mas esse sinal vermelho... Eu até liguei aos meus pais. Se passarmos um vermelho em Portugal, não temos hipótese. O trânsito é caótico em Juárez, temos de ter algum cuidado. Mas acabamos por não passar muito tempo na rua. Tentamos sempre estar mais por casa a descansar, mais tranquilos. Mas com os polícias é assim, eles tentam sempre arranjar qualquer coisinha para tentar multar de uma forma ou de outra.