V. Guimarães: a incontornável situação financeira
1 O Vitória derrotou o U. Lamas num campo com caraterísticas que fazem jus ao nome do clube e apurou-se para a próxima eliminatória da Taça de Portugal. Objetivo cumprido. Tivemos uma boa e merecida vitória contra o Santa Clara, que nos lança para o importantíssimo jogo em Famalicão onde muito se definirá. Estamos a recuperar. Em resultados, em índices físicos e de confiança. Continuemos a confiar.
2 Por estes dias parte do universo vitoriano assume qualidades de analista financeiro. É normal que assumamos essa preocupação num clube que herdou do triénio da administração anterior um prejuízo de €33,2 M. O triénio desta administração tem apresentado um lucro médio de €3,9 M, mas, ainda assim, são necessários dez triénios iguais a este apenas para pagar aquele prejuízo relativo a apenas três anos. Vou atrever-me a fazer o mesmo, tendo presente aquele que sempre tem sido o meu pressuposto: privilegiar os resultados financeiros aos desportivos pois, atendendo a dificílima situação em que se encontrava o clube, quanto a mim, primeiro está a sua sobrevivência e só depois a sua performance desportiva. Admito que haja quem tenha uma diferente ordem de prioridades, esta é a minha.
Começo recordando um texto de 15/06/2024 a que chamei «Choque de realidade». Disse então que o orçamento do Vitória era de €22 M, sendo que dessa despesa o Vitória apenas conseguia obter €5 M de receitas próprias, ou seja, o Vitória partia para cada época tendo assegurado apenas 23% das despesas que precisa de pagar. Isto é, arranca assumindo que não tem dinheiro para pagar 77% de despesas que prevê (€17 M). Assustador! Claro que faltavam aqui os €7 M/ano de receitas televisivas que não pudemos utilizar por, em 2020, ter sido antecipada essa receita correspondente a cinco épocas pela administração anterior.
Vamos atualizar isto à realidade orçamental para a época 2025/26.
O orçamento do Vitória Sport Clube ascende a €26 M (aumento de 18%).
Tem previstas receitas próprias (bilhética, quotas, publicidade e merchandising) da ordem dos €6 M (aumento de 20%).
Os aumentos de despesas e receitas equivalem-se. Mas agora — finalmente! — podemos adicionar a estas receitas os €7 M de receitas televisivas que nos foram subtraídos todas estas épocas. O que significa que, para um conjunto de gastos que rondam os €26 M, o Vitória tem agora assegurados €13 M de receitas próprias. A taxa de cobertura de despesas fixas pelas receitas correntes passa de uns exíguos 23% para uns mais confortáveis 50%. O que é excelente. Quer dizer que temos agora asseguradas metade das receitas de que prevemos vir a precisar. Já não está mau se soubermos, como sabemos todos, que os clubes planeiam a sua realidade orçamental com um défice crónico (porque a sua principal receita, as vendas de jogadores, é sempre incerta — embora se confie sempre nela ou não se fariam orçamentos com um desequilíbrio tão grande entre receitas e despesas).
3 Aqui chegados, importa agora analisar a evolução dos principiais números. Isto não precisa de ser muito maçador, tem aliás de poder ser compreensível para qualquer sócio. Para mim, mero sócio de bancada, há três fatores relevantes de avaliação da performance financeira do meu clube, para avaliar o trabalho gestionário da sua administração: o passivo, os custos operacionais e os custos de financiamento (por serem aqueles com que os clubes conseguem compensar o tal défice crónico a que me referi acima).
Assim, começando pelo item do passivo, temos que a administração anterior entregou o clube com um passivo líquido de €44 M, sendo que, segundo os números que foram revelados, o passivo se encontra agora nos €47 M. Ou seja, não há uma redução do passivo, mas um aumento (isto apesar de uma redução significativa e €4,8 M face ao ano anterior). O que tem de preocupar sobretudo em contexto de vendas recorde. A justificação plausível e compreensível para esta realidade é a ausência, já referida, de €21 M de receitas televisivas durante três anos, isto é, se o clube tivesse podido encaixar esse montante, como seria natural e sucedeu com os seus adversários, mantendo-se os demais valores de investimento, o passivo, em vez de aumentar €3 M, poderia ter reduzido €18 M e estaríamos perante uma redução de 28% no passivo do clube. Um cenário completamente diferente! Assim, com a normalização do encaixe das receitas televisivas o que considero exigível, e simultaneamente razoável, é que se preveja plurianualmente uma redução do passivo da ordem dos 20% em cada triénio.
Relativamente ao controlo dos custos operacionais — que é o primeiro local onde se evita o crescimento do passivo, na redução dos gastos — registámos no último triénio um aumento de 19% (€5 M). Este fator é, à partida, difícil de compreender se a diminuição da folha salarial da equipa profissional foi um dos principais argumentos da revolução que se operou no plantel, embora importe recordar que estes números ainda não refletem, naturalmente, a época atual. Atribuo este crescimento à circunstância de, até á época passada, se ter mantido o plantel quase intocado e aos custos de financiamento que se tiverem de suportar para isso ser possível, sem vendas relevantes até ao Jota Silva. Mas valha a verdade que a diminuição neste item é a que mais aborrece os sócios, que querem ver mais investimento na sua equipa pois a redução dos custos operacionais implica menor investimento no plantel. É o tal equilíbrio sempre difícil na gestão de uma equipa de futebol. Mas também aqui estou confortável. Porque se as nossas receitas próprias vão agora aumentar €7 M (televisão), poderemos dizer que estes €5 M de aumento nos custos operacionais estão suportados por esses €7 M que este ano já receberemos, sobrando ainda €2 M ora para investimento ou abatimento ao passivo. Parece-me aceitável.
Por último, os custos financeiros. É natural que a maioria dos adeptos não acompanhe tão de perto esta realidade, mas, tal como sucede com as dívidas soberanas, a taxa por que se financiam os clubes é tanto maior quanto menor for a sua credibilidade. Pelo que, se os orçamentos dos clubes se elaboram de forma cronicamente deficitária, a taxa com que se financiam até à próxima venda é uma realidade de análise da maior importância. Ora, neste capítulo temos que o Vitória se financiava a uma taxa 14%, ou seja, para poder cobrir o tal défice estrutural de 50%, ou €13 M, teve de suportar todos os anos €1,8 M só em juros. Segundo sei o Vitória financia-se agora a taxas que rondam os 8%, o que significa um ganho de credibilidade relevante perante as entidades financeiras e, em termos de custos, que para cobrir o défice estrutural anual de 50%, ou €13 M, já só teremos de suportar €1 M (só em juros sobra o equivalente ao custo do Mitrovic).
4 Em conclusão, se com uma situação financeira absolutamente depauperada conseguimos três qualificações europeias consecutivas (e não conseguimos a quarta devido àquela fatídica derrota com o Farense em casa), fizemos um percurso europeu daqueles de que já não nos lembrávamos e ainda conseguimos baixar para metade as taxas a que nos financiámos eu, como sócio, considero-me satisfeito. Aumentámos os custos operacionais (€5 M), é certo, embora bem abaixo do que vamos receber de encaixe de receitas televisivas (€7 M). Não conseguimos reduzir o passivo, é certo, embora não possamos desconsiderar a ausência de €21 M de receitas televisivas que não pudemos encaixar que, se o tivéssemos feito, permitiriam essa redução. E repare-se que nem tampouco me referi ao lucro histórico de €7,61 M porque, sinceramente, isso a mim pouco me diz porque sabemos ser assente em vendas extraordinárias. Interessa-me muito mais a análise estrutural que nos diz como está a ser gerida a nossa casa e como se pode ela segurar quando, como tantas vezes sucede, não conseguirmos realizar esses encaixes extraordinários. E quanto a essa análise estrutural, o que me dizem os números que aqui partilhei deixam-me confortável relativamente ao caminho prudencial que se está a trilhar.