Adeptos do Vitória de Guimarães - Foto: Paulo Santos / ASF
Adeptos do Vitória de Guimarães - Foto: Paulo Santos / ASF

Um choque de realidade

'Sentido de pertença' é a opinião quinzenal de André Coelho Lima, jurista, empresário e associado do Vitória SC

1- Vitoriano como sempre fui, defendo por princípio aqueles que representam o meu clube, seus atletas e seus dirigentes. Defendo-os tanto quanto tenho o dever de os censurar sempre que, pela sua ação, puserem em causa a perenidade desta instituição centenária, como infelizmente já foi feito algumas vezes na nossa história, bem recente.

2- Os adeptos do Vitória estão habituados a desejar, isto é, a exigir, que o Vitória lute pelos lugares europeus. O que é uma exigência normal em quem torce por um clube que, juntamente com o Sp.Braga, tem notoriamente essa tradição e ocupa destacado o lote a seguir aos que, creio, nunca terão falhado uma qualificação europeia. Mas o desejo esbarra com a realidade quando verificámos que ao estarmos este ano a festejar a terceira qualificação consecutiva para as competições europeias, esta é apenas a segunda vez que tal sucede em toda a nossa História (a outra, como já aqui disse, havia sido na célebre sequência 1986/87, 1987/88 e 1988/89).

Claro que esta realidade não pode nunca tolher-nos a ambição, mas temos o dever de a enquadrar à nossa realidade desportiva e, essencialmente, à nossa realidade financeira. E é essencialmente sobre esta segunda vertente que pretendia aqui refletir. Porque ela é muito mais condicionadora das nossas ambições do que o nosso percurso histórico.

3- Vejamos: o orçamento do Vitória Sport Clube é de 22M€.

Deste orçamento, o Vitória consegue obter cerca de 5M€ de receitas próprias:

  • 2,5M€ de bilhética e quotas

  • 2,5M€ de publicidade e merchandising

Ou seja, com estes números (que são os da última época), o Vitória parte para cada nova temporada sabendo que apenas consegue gerar 23% de tudo o que precisa para conseguir pagar as suas contas e não ficar a dever nada a ninguém.

Visto de outra forma, faltam ao Vitória todos os anos 17M€ de receitas (77%). Assustador!

Acontece que esta falta de receitas só pode ser suprida de uma forma: venda de jogadores; não há outra forma possível (além dos prémios em competições europeias). E é importante termos noção clara disto porque quando se lamenta a venda de jogadores importantes para os nossos objetivos desportivos, convém ter noção desta nossa realidade. Porque de pouco importa perorar sobre a falta que alguns jogadores farão no plantel se soubermos que o Vitória se apresenta para cada época com um défice previsível de 82%, correspondente a 17M€, que só consegue cumprir se vender jogadores até esse montante. Todos os anos!

4- Nesta análise faltam as receitas televisivas: 7M€.

Claro está que se não tivessem sido antecipadas as receitas televisivas de cinco épocas, os nossos números já seriam, ainda que deficitários, mais razoáveis. Isso faria com que as nossas receitas próprias fossem de 12M€, correspondente a 55% do orçamento. E em concreto no que respeita a venda de jogadores isso faria com que já fosse bastante vender 10M€ para equilibrar o orçamento, em vez de termos a necessidade de vender 17M€ em cada época (esta época, por exemplo, poderia bastar vender um Jota Silva para conseguir atingir esse montante e cobrir o défice).

Sem me querer imiscuir nas decisões gestionárias que possam estar na base de uma decisão tão radical e potencialmente penalizadora como esta de antecipar receitas, considero que as entidades reguladoras do futebol deveriam proibir práticas desta natureza ou, pelo menos, limitá-las ao período do mandato de quem as toma. Não é admissível que quem entre na gestão de um clube tenha que fazer face à ausência de uma das receitas mais relevantes para um clube de futebol (no nosso caso, 32%) e tenha que gerir todo um mandato sujeito a esse condicionalismo. E tal como há regras de fair-play financeiro impostas pela UEFA também deveriam existir regras financeiras e orçamentais a cumprir pelos clubes portugueses, até porque é de competitividade que também se fala.

5- Importa agora falar do fim desta malapata. Segundo me é dado saber, o período de antecipação de receitas termina em dezembro.2025. O que significa, logo à partida, que teremos que preparar e cumprir toda a época 2024/25 e ainda preparar a época 2025/26 sem poder aceder aos 7M€ que, na respetiva proporção, todos os outros clubes portugueses acedem. O que nos põe em enorme desigualdade de armas face aos demais clubes. Ainda por cima sem nos podermos queixar já que fomos nós que tomámos essa opção.

De facto, é preciso dizer que o que temos conseguido ao nível desportivo sabendo deste condicionalismo que nos subtrai 32% das nossas receitas e que ainda nos acompanhará durante mais uma época e meia, torna os nossos conseguimentos desportivos ainda mais assinaláveis. O que não pode, com toda a isenção e justiça, deixar de ser assinalado e levado a crédito de todos os que têm gerido e representado no campo esta centenária instituição.