Sucessor de Bruno Lage foi apresentado ao lado do presidente Rui Costa

Tudo o que disse Mourinho na apresentação pelo Benfica

Novo treinador das águias emocionou-se no início e falou em honra, compromisso e «fome»

Foi numa primeira intervenção, sem perguntas, que José Mourinho se emocionou.

«Tenho tantas emoções, mas acho que a experiência me ajuda a controlá-las. Quero agradecer a confiança, a honra que sinto neste momento. Sendo português... não há um único que não conheça a história, a cultura, a dimensão da nação benfiquista e deste clube. Quero deixar uma coisa absolutamente clara: tenho de ser capaz de bloquear todas estas emoções e olhar para o Spor Lisboa e Benfica e para este meu trabalho, minha responsabilidade, de um modo muito simplista. Sou o treinador de um dos maiores clubes do mundo. Quero concentrar-me e fechar-me nesta missão, centrar-me, não diria dificuldade, mas neste prazer, sob o ponto de vista do trabalho de um treinador, ficar-me em algo verdadeiramente apaixonante. São 25 anos, mas não venho para celebrar a carreira, são 25 anos em que tive oportunidade de trabalhar nos maiores clubes do mundo, e para finalizar esta intervenção, como representante deste clube, dizer que nenhum dos outros gigantes clubes que tive oportunidade de treinar me fez sentir mais honrado, responsabilizado, motivado do que ser o treinador do Benfica. Palavras o vento por vezes leva-as, as atitudes não, e a promessa é muito clara, vou viver para o Benfica, para a minha missão. Saí de casa e disse ‘até domingo’... É uma honra tremenda, que a minha experiência me ajuda a controlar. Agradecia que isto seja curto, que daqui a 48 horas temos jogo e para a nação benfiquista não há nada mais importante que este jogo daqui a mais ou menos 48 horas.»

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Como vai pôr o Benfica a vencer?
— Na cabeça de algumas pessoas tenho dois currículos, um que durou um certo período e outro que é, digamos, uma fase menos feliz da carreira. A minha infelicidade é que nos últimos cinco anos joguei duas finais europeias. A parte negativa da minha carreira, a parte dramática da minha carreira são duas finais europeias nos últimos cinco anos. Mas não sou importante. Venho para o Benfica numa fasa da minha carreira e como pessoa... transdormamo-nos para melhor. Sou mais altruista, menos egocêntrico, penso menos em mim e no bem que posso fazer aos outros, na alegria que posso dar aos outros. Eu não sou o importante, o Benfica é importante, os adeptos do Benfica são importantes, são o coração de qualquer clube e no Benfica ainda de maneira mais especial, os jogadores são importantes. Estou aqui para servir, fazer o Benfica ganhar. Ganhar é o ADN do Benfica. Revejo-me muito na cultura, no perfil, no que é o povo que ama o futebol, que quer ganhar e sentir-se parte do esforço, da mentalidade, do sacrifício. Nós, treinadores e jogadores, somos privilegiados, mas, em 90 minutos, representamos toda aquela gente. É com este sentimento que sempre entrei em campo. Tenho respeito enorme pela profissão e pelos adeptos, são todos os que me fizeram sentir desconfortável. Fui acompanhado por motas com câmaras de televisões, as pessoas percebiam onde estava e o benfiquismo saltava à estrada. Isso para mim arrepia-me, faz-me pele de galinha, 25 anos de futebol ao mais alto nível não me tornaram imune a tudo isto. O que vou fazer para ganhar? Começar por aí. Queremos ganhar sempre, não podemos perder como perdemos há dois dias, não é Benfica. Benfica é quem jogou contra o Fenerbahçe durante 30 minutos, quem teve em Istambul em dificuldades com menos um jogador, levou a nau a um bom porto e tirou um resultado positivo. É esse o Benfica no qual me revejo, com o qual cresci. Ganha muitas vezes. Quando não ganha, perde de maneira a que as pessoas sintam que perderam com ele. Muito parte disso. Tenho jogo dentro de 48 horas e vou encontrar uma equipa em que metade dos jogadores estão no segundo dia de recuperação. Tenho de metr o meu dedo muito ao de leve. Não posso mudar ou radicalizar. Não posso meter os dedos todos e e querer mudar tudo ao mesmo tempo. Tem de ser com calma. Tem de se começar pelo perfil emocional. Temos de entrar em campo a saber que não somos só 11, que somos muitos milhões e pensar neles. Do ponto de vista tático vou meter o dedinho, mas muito controlado, não quero desvirtuar uma essência, nem sou capaz de mudar muita coisa. E, com toda a honestidade, muita coisa foi bem feita pelo meu antecessor.

— Existiu sempre uma angústia por ter saído do Benfica como saiu, na primeira vez? 
— Honestamente, tento bloquear esses sentimentos e acho que é importante que o consiga fazer.  São duas fases completamente diferentes, não apenas da minha carreira, mas também da minha vida como homem. Era o início de uma carreira, e hoje estou num momento de grande maturidade e objetivamente digo que se alguém está à espera que eu acabe a minha carreira daqui a quatro ou cinco anos vai enganar-se, vou ser eu que vou decidir quando vou acabar e vou acabar quando sentir que não tenho a mesma paixão por isto. O presidente sabe que é verdade... eu queria vir ontem à noite, estar aqui ontem à noite, queria estar com os analistas, com os assistentes, só foi possível vir hoje por volta do meio-dia, portanto, só vou acabar quando sentir que alguma coisa mudou. E hoje estou a sentir que aquilo que mudou é que hoje tenho mais fome, do que tinha há 25 anos, numa fase completamente diferente, do ponto de vista humano, se calhar hoje as coisas não teriam sido como há 25 anos. Hoje penso muito mais nos outros, quem é o meu clube, os jogadores, quem dirige o clube, uma série de coisas em que venho muito depois; eu sou o último da fila e estou aqui para servir, estou num momento completamente diferente, até na maturidade que me levam a tomar uma série de decisões. Estou muito feliz por estar aqui, com uma enorme responsabilidade, mas sinto-me mais vivo do que nunca. Tenho pena que o jogo seja já daqui a dois dias, não tenho tempo para trabalhar muito, mas ao mesmo tempo é bom porque estou desejoso que isso aconteça. Tenho paixão por isto, e isto é muita coisa junta, e quero muito. Seguramente, vocês têm alguma pergunta mais difícil para me fazer, escondida, como por exemplo se sinto que são todos os benfiquistas que estão felizes por estar aqui, se essa pergunta chegasse, antecipo já: acho que não. Acho que não. Quem é tem o poder de ter toda a gente do seu lado, a favor, que admira, acho que ninguém. De modo algum me sinto dessa maneira, mas tenho a responsabilidade e a motivação de conseguir fazer coisas boas. E fazer coisas boas no Benfica sabemos o que é. Principalmente a nível nacional, é conquistar títulos.

Porque é que disse que este é o principal desafio e o que mais o responsabiliza? Está também ligado ao facto de estarmos em eleições daqui a 40 dia? Isso mexe um bocadinho consigo? O que é que nos pode dizer sobre o contrato que assinou?
— É um contrato com uma grande ética por trás. Eu só o assinei, não fui eu que o elaborei. Foi, obviamente, elaborado pela direção do Benfica, com o presidente [Rui Costa] e com os meus representantes. Obviamente que só assino aquilo que me agrada, aquilo ao qual concordo. Mas acho que tem um conceito ético tremendo. Acho que tem da parte do clube um respeito enorme pelas eleições e pelos outros e outros consórcios que vão concorrer à presidência do clube. E acho que isso é de levar. A mim, sinceramente, sensibilizou-me o contrato ser direcionado a essa ética, dá uma ampla liberdade ou uma facilidade que em condições normais não existiria. O contrato está feito de um modo muito ético. Obviamente quero trabalhar no Benfica mas quero que as pessoas confiem em mim, quero que as pessoas estejam no mesmo barco que eu, é fundamental que isso aconteça. Se você me perguntar qual é o meu desejo, o meu desejo é cumprir os dois anos do contrato que eu tenho com o Benfica e cumpri-los com êxito. Que o êxito permita que o clube, depois ou antes, do final do contrato queira renovar comigo. Porque o meu objectivo é ser bem sucedido e como eu já disse anteriormente, no Benfica, principalmente a nível nacional, ter êxito é ganhar competições.

O que ainda tem de há 25 anos no José Mourinho de hoje?
— O que não mudou, em absoluto, é que estou doido para ganhar o próximo jogo. Há 25 anos estava doido para ganhar o jogo, há 20/10 anos estava doido para ganhar, quando joguei contra o Benfica estava dois para ganhar e agora estou dois para ganhar ao Aves SAD. Sou eu. Essa é a minha essência. O que é diferente? Tenho mais maturidade, praticamente tudo no futebol passa a ser um déjà vu, é muito difícil acontecer alguma coisa com que não me tenha deparado, venho para um clube com uma estrutura humana e profissional de altíssimo nível. As pessoas que trago comigo são ótimas.

— Acha que este é o contexto ideal para voltar? 
— O contexto ideal para mim é voltar a treinar uma das melhores equipas do mundo. A minha carreira até agora foi rica, treinei nos maiores clubes do mundo, em diferentes países. Tive uma opção errada, falta-me às vezes a palavra em português... no regreats [sem arrependimentos], porque o regreats na vida não nos ajuda em nada, mas a consciência do que fizemos bem e mal existe. Fiz mal em ir para o Fenerbahçe, não era o meu nível cultural, não era o meu nível enquanto futebol, não era. Obviamente que dei tudo até ao último dia, obviamente que tive de fazer o meu luto, como o Bruno [Lage] está a fazer agora, porque ninguém gosta de sair, mas treinar o Benfica é regressar ao meu nível e o meu nível é treinar os maiores clubes do mundo.

Quando chegou ao FC Porto em 2002 prometeu ser campeão? Pode prometer o mesmo?
— Quando na altura eu prometi e cumpri, podia ter prometido e não cumprido. São fases de um homem de 60 anos ou de um homem de 40. Neste momento, aquilo que eu prometo é que penso e penso verdadeiramente que o Benfica tem todas as condições para ganhar o campeonato. Temos dois pontos perdidos. Seguramente iremos perder mais ao longo do campeonato. Espero que não, O Benfica tem potencial suficiente, dentro daquele balneário, para ser campeão. E eu não me escondo. A promessa [de ser campeão] não [faço], mas a convicção de que podemos e devemos sim.

Quando puder meter os dedos todos na equipa, vai jogar com quatro defesas ou com linha de três centrais?
— No meu clube anterior, as coisas foram fáceis. Queria jogar a quatro, mas o clube contratou cinco jogadores no dia seginte à minha saída. Enquanto lá estive era impossível jogar com quatro defesas quando a equipa tinha sete centrais. E só um ala. Adapto-me muito ao que existe. Elogiei o plantel do Benfica e voltarei a fazê-lo. Se me perguntar se tentei jogar com as palavras e emoções, retirar pressão à minha equipa e pôr essa pressão, obviamente que sim. Mas não retiro nenhuma palavra ao que disse na altura, que o Benfica tinha feito um ótimo trabalho no mercado, dotado a equipa de potencial que, se calhar, não tinha na época passada. Como dizia ontem, estou melhor mas não sou propriamente um grande exemplo de fair play, quando perco mordo os dedos, não foi com grande facilidade que me saiu os parabéns ao Benfica, ao Bruno [Lage], o Benfica mereceu tudo isso, reconheço o que aconteceu. O Benfica tem um bom plantel, tem bons jogadores, tinha um bom treinador, mas a nossa vida é assim. Aproveita a oportunidade para dizer que precisamos de fazer um luto quando o nosso trabalho é intrrompido, seguramente o Bruno sofre neste momento, como sofri há um mês, mas a nossa vida é assim e desejo-lhe as melhores felicidade.

— Como vai bloquear o ruído que vem de fora, em período eleitoral? Sobretudo com um calendário desportivo tão preenchido? E que palavras diria ao José Mourinho de há 25 anos? Como acha que ele iria reagir?
— Diria: fizeste tudo bem. Da maneira como a minha carreira se tem processado, acho que fiz tudo bem. Obviamente que não fiz tudo bem, fiz muita borrada, tomei muitas decisões erradas, mas acho que as coisas correram-me bem. Relativamente ao ruído, ruído mediático, sou muito forte a não o sentir, porque me protejo muito. Não sou um maníaco daquilo que dizem sobre mim, sobre a minha equipa, tento passar ao lado. Não desrespeitando o trabalho dos media, é uma proteção minha, não ter tempo, nem condições para estar preocupado com coisas que são exteriores àquilo que posso controlar. Aquele que de vós me elogiar tremendamente, não vai mudar a minha vida. O que me criticar tremendamente, também não a vai mudar. Talvez pelo facto de treinar clubes muito grandes e com influência mediática, habituei-me a bloquear e a passar um bocadinho ao lado. Acabei de conhecer os nossos responsáveis pela Comunicação Social e eles podem dizer-vos que uma das primeiras coisas que lhes pedi foi que só quero saber as coisas fundamentais. Não preciso de breafings diários, não preciso de grandes detalhes. Preciso só de saber pontos-chave, em dias-chave. 

Esteve no Dragão há pouco tempo e foi muito aplaudido. Voltará lá a 5 de outubro. Que receção espera?
— Estou à espera de uma receção diferente. A que tiveram foi normal, sou um treinador histórico no clube, as pessoas reconhecem-no, não ia ao Dragão há sensivelmente 20 anos. A receção foi normal. Regressar como o treinador do grande rival, sabendo que o objetivo não é desfrutar de uma visita mas ganhar o jogo, obviamente espero uma receção diferente. O respeito que tenho por eles e o respeito que eles têm por mim não vai mudar. Mas volto como treinador do grande rival e, obviamente, não há muita volta a dar. Mas não tenho qualquer problema.

Alguns adeptos acusam-no de ser agora um treinador mais defensivo. Pode prometer um futebol atrativo e ofensivo?
— Com bola temos de atacar com 11 e manter alguns equilíbrios. Sem bola temos de defender com 11 e morder muito. O Benfica, nos últimos jogos, mordeu pouco.