Rui Borges deu ao Sporting o bicampeonato que escapava há mais de 70 anos e ainda lhe juntou a Taça de Portugal (IMAGO)

Sporting: todos desconfiam de Rui Borges

Não é fácil ser Rui Borges. Talvez porque não foi nascido, criado e formado para o futebol nas duas grandes áreas metropolitanas nem no litoral dum país inclinado para o Atlântico… Este é o ‘Nunca mais é sábado’, espaço de opinião de Nuno Raposo

Não é fácil estar na pele de Rui Borges. Pode parecer um paradoxo, por o treinador do Sporting ter a si colado o rótulo do obreiro final do bicampeonato inédito em 70 anos e da dobradinha que fugia de Alvalade há mais de 20; por os leões irem na frente do campeonato, apenas com duas jornadas, é certo, mas na liderança e com 8-0 em golos; por as duas exibições na Liga terem merecido rasgados elogios e já com o cunho do transmontano, que ousou mesmo mudar do 3x4x3 de sucesso instituído por Ruben Amorim durante quase cinco anos para o seu 4x2x3x1 que não funcionou quando em dezembro de 2024 chegou a Alvalade (e por isso teve a inteligência de voltar atrás) mas que está a funcionar, e muito bem, neste arranque de 2025/2026.

Mas mesmo assim, não é fácil estar na pele de Rui Borges. Porque mesmo assim todos desconfiam dele. Eu mesmo, neste espaço, desconfiei várias vezes, ou melhor, coloquei em causa se o treinador teria unhas para a guitarra leonina e já no verão, durante o defeso, convidei-o (como se Rui Borges estivesse preocupado com aquilo que eu penso…) a manter o 3x4x3 e não avançar para o seu 4x2x3x1.

A desconfiança de todos, até dos sportinguistas que usam na camisola o escudo do bicampeonato por Borges selado, ganhou forma durante a pré-temporada, suportada pelas exibições que não convenceram e como sempre também por se ver no início um mercado que mexia como nunca tanto na Luz como no Dragão…

Aqui escrevi também que Rui Borges ia precisar de ajuda. Porque mudar o que durou tanto tempo e correu tão bem necessitaria da compreensão e empenho de jogadores; do investimento da SAD; dos adeptos, da paciência dos adeptos que já se sabe são capazes de apontar o dedo ao menor sinal que interpretem como fraqueza. Ora os jogadores começam a interpretar muito bem o jogo do treinador; a administração ofereceu-lhe o avançado que precisava para substituir Gyokeres e que está a calçar como uma luva neste novo sistema, deu-lhe mais armas e está empenhada em dar-lhe o extremo-esquerdo de pé direito prometido e que há tanto tempo anda à procura nos mercados; os adeptos, esses, gostaram do que viram nestes dois últimos jogos — eu até vi pela primeira vez o sistema a funcionar da Supertaça Cândido de Oliveira mas que o Sporting perdeu para o rival Benfica e que manteve a desconfiança de muitos.

É que mesmo assim, mesmo que se brinque e já se diga que este leão de Borges joga uma espécie de tiki taska, há muita gente, mesmo sportinguistas, a desconfiar do treinador…

Porque ainda não teve teste no campeonato com equipa que dê para fazer comparação, dizem muitos. Mas talvez seja porque Rui Borges não faz parte do rol dos treinadores bem-falantes que estão muito em voga — sendo a comunicação fator determinante nos dias que correm ainda acho que não tem de ser necessariamente o mais importante e às vezes único grande atributo dum treinador…; talvez porque não foi nascido, criado e formado para o futebol nas duas grandes áreas metropolitanas nem no litoral dum país inclinado para o Atlântico; talvez por ser da terra das alheiras e nisso ter orgulho.

Por tudo isto não é fácil ser Rui Borges. O teste com o FC Porto, na 4.ª jornada, é que vai tirar as primeiras teimas, dizem. E já estou a ver que se ganhar, OK, afinal este Sporting de Rui Borges pode ter pernas para andar; se perder já estou a ver também os primeiros a atirar pedras, sem quererem saber da forma como perdeu, mesmo que tenha perdido apenas porque o adversário teve os seus méritos e não por demérito leonino. Todos vão desconfiar de Rui Borges, vão voltar a criticar a comida de tacho da tasca — o termo usado na verdade foi taberna, de forma depreciativa e com altivez de superioridade. Mas também me parece que Rui Borges se está nas tintas para isso. Até porque o futebol apresentado nestes dois últimos jogos até foi… gourmet.