Mickey Walsh, avançado irlandês que representou FC Porto, Salgueiros, Espinho e Rio Ave - Foto: FC PORTO
Mickey Walsh, avançado irlandês que representou FC Porto, Salgueiros, Espinho e Rio Ave - Foto: FC PORTO

«Quinito arranjou o número da minha mãe e ligou para Inglaterra para falar comigo»

Antes do Portugal-República da Irlanda deste sábado, A BOLA falou com Mickey Walsh, o primeiro irlandês a jogar em Portugal. As histórias de uma carreira recheada, do golo à URSS, em 1984, à chamada inesperada para casa da mãe. E sabe por quem vai torcer...

Num português quase perfeito, Mickey Walsh recebe com alegria o contacto de A BOLA e, de sorriso fácil, abre o livro de memórias.

— Chegou a Portugal há 45 anos e por cá continua, não é verdade?

— Já lá vão 45 anos… Nunca vendi a casa onde vivo atualmente, em Miramar. Acabei a carreira de jogador em 1989, fui para Inglaterra e as crianças fizeram lá a escola. Tínhamos uma casa perto de Londres. Eles cresceram, foram para a universidade e acabei por voltar. A partir daí, ficámos por cá, mas vou e venho e também passo algum tempo no Algarve. Estivemos lá ainda há uns dias.

— A tempo de ver o Portugal-Irlanda no conforto do lar. Vai estar de coração dividido?

— Não. Sempre fui irlandês, é o meu país. Gosto de Portugal e das equipas portuguesas, mas quero que a Irlanda ganhe, mesmo sabendo que é quase impossível…

— Foi 21 vezes internacional, mas creio que nunca chegou a jogar contra Portugal...

— Não cheguei, não.

— Que jogo mais o marcou pela seleção?

— O que vencemos contra a União Soviética, em 1984. Ganhámos 1-0 em Dublin. Naquele tempo, a União Soviética tinha uma equipa incrível, a começar pelo Dasayev na baliza. Foi a ele que marquei o golo da vitória. O Michael Robinson cruzou, eu dominei e rematei. Foi uma festa. Dá para ver no YouTube. Também tivemos um contra a Bélgica, em 1981. O árbitro era português [Raul Nazaré], anulou um golo ao Stapleton e arranjou forma de a Bélgica ganhar com um livre inventado. O Liam Brady perguntou-me como se dizia ‘ladrão’ em português e fomos atrás do árbitro chamar-lhe isso mesmo...

— Assinou pelo FC Porto em 1980, numa altura em que os estrangeiros eram raros…

— A ligação nasceu através do empresário do Hermann Stessl, treinador austríaco que estava no FC Porto. Pediu-lhe para tentar arranjar um avançado de estilo inglês ou irlandês. O agente conhecia o Tommy Docherty, que me treinava no QPR. Não nos dávamos muito bem e foi a partir daí. Vim para Portugal, conheci o Estádio das Antas, a cidade, falámos de números e aceitei a proposta. Foi uma as melhores decisões da minha vida. Na altura, o presidente era Américo de Sá. Pinto da Costa estava no clube, mas só chegou a presidente depois.

— Que história tem gravada na memória?

— Ui, tantas… Golos contra grandes equipas, contra o Benfica e o Sporting. Davam muito mais prazer do que contra os outros. [risos] Em 1985, ganhámos 1-0 na Luz, eu estava no banco e o Fernando Gomes marcou o golo da vitória. Logo depois, tinha de ir para Inglaterra, porque iam nascer os meus quadrigémeos. Fui sozinho para o aeroporto, não havia mais voos e só consegui arranjar na segunda-feira. Não havia telemóveis e não sabia se já tinham nascido ou não! Quando cheguei ao hospital, a Christine ainda estava à espera de entrar no bloco de partos. Foram os primeiros quadrigémeos não-idênticos por fertilização in vitro do Mundo! Tive de voltar logo depois. Ainda estávamos em competição e não havia tempo para ficar com a família.

— Acaba por sair no início da época que terminou com a conquista da Taça dos Campeões Europeus, em Viena.

— Nessa altura já jogava no Salgueiros. Vi o jogo em Miramar, pela televisão, a apoiar o FC Porto. Tive de sair, porque apareceu aquela lei dos estrangeiros, que só permitia que jogassem dois. A equipa tinha o Mlynarczyk e o Rabah Madjer, dois craques. Eu era o mais velho e aceitei sair. Queria ficar, mas não fazia sentido o FC Porto dar um contrato a alguém que não ia jogar. Fui para o Salgueiros, com o Rodolfo Reis a treinador.

— Primeiro o Salgueiros, depois Espinho e Rio Ave.

— Depois do Salgueiros, pensei terminar a carreira, mas o Quinito, que era treinador do Espinho, arranjou o telefone da minha mãe. Eu estava em Inglaterra, em casa dela, e ainda hoje não sei como ele conseguiu obter o número. «Mike, dá-me mais um ano, dá para ir a pé para a praia. Dá-me lá mais uma época», pediu o Quinito. A nível psicológico, ele era incrível. Nas palestras, virava-se para os outros jogadores e dizia: «O Mike está aqui connosco e vocês têm de ver como é que ele treina.» Dava moral, falava de mim como o melhor do Mundo e depois, no dia do jogo, dizia-me: «Hoje estás no banco». [risos] Ele era especial. Ficámos em 6.º lugar no Espinho, quase a ir à Europa, e o Quinito foi para o FC Porto. Pensei novamente em parar de jogar e o Mário Reis, no Rio Ave, pediu-me mais um ano… Acabei quando deixei o Rio Ave. Tinha quase 35 anos e as crianças estavam a chegar à idade de irem para a escola.

Mickey Walsh ao lado de Rodolfo Reis, na zona central da fila de trás - Foto: ASF

— Qual o maior craque com que jogou?

— Tenho de falar de muitos. Michael Robinson, Frank Stapleton... No Everton estive com o Bob Latchford, no QPR com o Stan Bowles, o Tony Currie e o Gerry Francis. No FC Porto, Jaime Magalhães, Fernando Gomes, Madjer, Futre… Eram tantos e tão bons!

— Em 2018 apanhou um valente susto, não foi?

— Sim, sofri um AVC. Fiquei com algumas dificuldades no lado esquerdo do corpo, mas ando sozinho, conduzo e vou todos os dias à piscina. Não é fácil, mas o mais importante é manter esta força e este espírito.

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