O abraço entre Diogo Sancho, Pedro Sancho e Francisco Sancho depois do inusitado duelo em família. Fotografia: Beira-Mar
O abraço entre Diogo Sancho, Pedro Sancho e Francisco Sancho depois do inusitado duelo em família. Fotografia: Beira-Mar

Quando os irmãos Sancho povoaram o relvado do Municipal de Aveiro

Jogo da Série B do Campeonato de Portugal teve contornos familiares raros. Pedro Sancho, médio do Florgrade, enfrentou os irmãos Francisco e Diogo, do Beira-Mar, com a vitória a sorrir aos gémeos aurinegros. Foram 20 minutos inesquecíveis... em família

No passado dia 9 de novembro, no Estádio Municipal de Aveiro, escreveu-se uma página rara no futebol português, numa partida da Série B do Campeonato de Portugal, em que o histórico Beira-Mar venceu o Florgrade por 1-0.  

Durante pouco mais de vinte minutos, três irmãos partilharam o mesmo relvado, mas em lados opostos da barricada. Pedro Sancho, médio centro do Florgrade, enfrentou os gémeos Francisco e Diogo, defesa-direito e médio centro do Beira-Mar, respetivamente, em partida da 9.ª jornada. Um momento improvável, inesperado e, acima de tudo, marcante para toda a família Sancho.  

Pedro, o mais velho, tem 21 anos e cumpre a terceira época no clube de Cortegaça. Francisco e Diogo, ambos com 20, vestem a camisola do Beira-Mar e somam já vários anos de convivência no mesmo balneário. Todos cresceram juntos no Anadia, onde passaram boa parte da formação, e também por isso o reencontro em campo tenha sido tão especial.  

«Foi um momento inédito. Nunca tinha visto três irmãos no mesmo jogo», descreve Pedro.  

Francisco concorda. «Foi diferente. Jogámos quase sempre juntos, mesmo que em escalões distintos. Estarmos agora todos ao mesmo tempo em campo, uns contra os outros, foi engraçado». E Diogo acrescenta que encontrar o irmão mais velho no relvado do Municipal de Aveiro «foi muito diferente» do habitual. «É alguém com quem convivo todos os dias e, de repente, é adversário», explica.  

Os três membros da dinastia Sancho sempre souberam que o inusitado momento podia acontecer. No entanto, nenhum dos irmãos imaginou que viesse numa fase tão precoce da carreira.  

«Este ano, no início da época, percebemos que ia acontecer e, em princípio, irá acontecer de novo na segunda volta» conta Pedro. Francisco assume que já esperava um embate entre pelo menos dois dos irmãos. «Um contra o outro já era quase inevitável. Mas os três ao mesmo tempo era algo que não estava à espera que acontecesse tão cedo, ainda que houvesse alguma possibilidade», admite.   

Naturalmente, o jogo entre um dos históricos do futebol português como o Beira-Mar e o jovem Florgrade, fundado em 2019, foi um pequeno acontecimento familiar, com Pedro a reconhecer que o jogo «já era falado há algum tempo».  

Os pais e amigos dos irmãos Sancho fizeram questão de marcar presença. «Por quem é que a nossa família iria torcer? Apenas não queriam que nos aleijássemos».  

Pedro revela que até dentro do plantel do Florgrade surgiram brincadeiras: «Perguntavam-me se iria impôr respeito aos meus irmãos.»   

Mas dentro de campo qualquer hipotética rivalidade fraternal ficou para trás e tudo foi... normal.  

«No jogo nem notas que estás a jogar contra o teu irmão. É um adversário igual», garante Diogo. Pedro recorda o único lance que levantou algum falatório caseiro.  

«Fiz uma falta ao Diogo. Não foi maldosa, foi o que aconteceu». Francisco admite que o jogo, pela forma como evoluiu, nem deu para grandes duelos. «Quando estivemos os três ao mesmo tempo, o jogo já estava mais partido», recorda.   

Os irmãos conhecem-se tão bem que conseguem identificar o que admiram uns nos outros. Para os gémeos, o ponto forte do irmão mais velho é a visão de jogo e a qualidade de passe. Por sua vez, Pedro distingue o duo aurinegro com nitidez. «Apesar de serem gémeos, são diferentes. O Francisco é explosivo, rápido, cruza muito bem. O Diogo é muito trabalhador, tem boa visão e muita caixa».   

O encontro entre Florgrade e Beira-Mar cruzou ambições distintas. O Florgrade, recém-promovido, procura garantir a manutenção o mais rápido possível. O Beira-Mar, histórico do futebol luso, também assumiu a permanência como prioridade, apesar de acreditar que pode mirar mais alto.  

«Temos equipa para mais. Jogo a jogo, podemos andar lá em cima», considera Diogo. Mais a norte, Pedro partilha o otimismo. «Temos qualidade para fazer um grande campeonato. Não falo em fase de subida, mas em fazer o melhor possível», afiança.   

Sonhar a verde e branco  

Apesar da rivalidade momentânea, o sentimento comum é de orgulho e ambição. Todos ambicionam em chegar o mais longe possível e, possivelmente, viver do futebol. «Queremos viver do futebol. É a nossa vida», refere Diogo. Apesar dos quase 50 quilómetros que separam Cortegaça de Aveiro, o sonho dos irmãos Sancho vai desaguar a Alvalade, com os três a afirmar em uníssono que o clube de eleição seria o Sporting.  

E este momento, este jogo histórico para a família Sancho, como ficará na memória? Pedro responde sem contemplações: «É excelente história para contarmos um dia.» Francisco acrescenta que «foi bom acontecer tão cedo. Pode vir a acontecer mais vezes».  

Diogo, por sua vez, lança o desejo que completa o ciclo. «Espero que não seja a única vez e gostava que um dia acontecesse em patamares superiores — ou até os três juntos na mesma equipa».   

De casos como os irmãos Jérôme e Kevin-Prince Boateng, que se enfrentaram num Mundial representando Alemanha e Gana, respetivamente, aos irmãos Giuseppe e Franco Baresi, que se enfrentaram várias vezes no derby della Madonnina, ao serviço de Inter e Milan, não há muitos exemplos onde três irmãos coincidiram no mesmo jogo. Um dos poucos que se equipara ao feito dos irmãos Sancho, nesse sentido, foi o dos irmãos Wallace. A 22 de outubro de 1988, Danny, Rod e Ray Wallace representaram o Southampton numa partida frente ao Sheffield Wednesday.  

Sem saber como se irá desenrolar as carreiras dos irmãos Sancho, a coexistência dos três irmãos em campo poderá repetir-se, pelo menos, no jogo da segunda volta. Em Cortegaça, Pedro poderá acertar contas com os dois adversários —leia-se os irmãos mais novos.