Proença: fazer o que nunca fez (após década que não deixa esperança)
Detesto a morte, obviamente por tudo o que a rodeia, mas ainda mais pelo pudor que há em falar mal do morto. Se foi um canalha porque não dizê-lo? Se não o foi, porém não conseguiu evitar alguns feios pecados, por que razão se deve omiti-los? Acontece a todos os que morrem: foram todos bons homens e não mereciam ter ido. Foi demasiado cedo. Ainda tinha muito para viver. Deus, qualquer que seja aquele em que acreditam, foi muito injusto. Coitadinho.
Já avisei: os que não falarem mal de mim não são bem-vindos ao meu funeral. O que importa é que sejam justos. A justiça é talvez o valor que mais prezo nesta vida e, se me permitirem, junto com as moedas nos olhos para pagar ao mercador e o sabre de luz de Jedi – pode ser que assim também se riam à gargalhada, que é o maior favor que me fazem –, vou levar essa luta para o além.
É também um pouco o que se cola à pele dos vencedores. Não têm defeitos. É merecido. Inteiramente justo. E já não era sem tempo. Mesmo que não se conheçam os outros candidatos. Ou as ideias. Mesmo que o mérito não seja assim tanto, seja fruto das circunstâncias. Que os rivais tenham tido falta de comparência. E sejam o menos mau e não o melhor, embora na prática não tenha havido melhor do que eles.
Não sou grande fã de Fernando Gomes e da forma como dirigiu a Federação. Preocupou-se sobretudo com o que mexia com a instituição da porta para dentro, lavando as mãos de praticamente tudo o resto. Não foi a figura conciliadora que o futebol português precisava, não se quis meter nos assuntos e em discussões. Não se quis sujar.
Olhando para o seu tempo no cargo, este foi o da Cidade do Futebol, das equipas B e da Liga Revelação, do Euro 2016 e da Liga das Nações e de um canal de televisão que se propunha levar o que mais ninguém levava (e queria saber) às pessoas. O objetivo foi trabalhar para a Seleção e para as que a alimentam a curto, médio e longo prazo. Isso está nas instalações e na extensão do período pré-sénior, que evita, em teoria, que se tenha de decidir cedo demais e se perca talento. Já o canal, além do acesso que tinha para lá de qualquer outro por estar ligado à Federação, ainda quis competir com os demais com a exibição de jogos de outros campeonatos e provas, algo que pode ser discutível, se olharmos para a premissa com que foi criado. Verdade seja dita que a cultura desportiva que temos faria sempre com que esta fosse cumprida a fundo perdido.
Na realidade, a direção de Fernando Gomes trabalhou para a sua galinha de ovos de ouros, a Seleção – que inclui uma ainda maior, Cristiano Ronaldo – providenciando camadas e camadas de novos jogadores. A saúde financeira da federação é invejável e, mesmo sendo benefícios colaterais, a verdade é que o futebol português tirou proveitos dessa visão. Tal como tirariam o futebol feminino e o futsal, apostas a pensar no exponencial de crescimento que existia e que era necessário aproveitar.
É verdade que houve o VAR, só que não foi, como se esperava, o Santo Graal que as pessoas pensavam que seria. Não deu mais títulos às suas equipas e não acabou com a discussão, porque é (ainda) impossível retirar o fator humano da equação. Não há árbitro que não veja aí um avanço decisivo ou dirigente que ache que se fez mal, mas melhorou o jogo? Eliminou o ruído? Acabou com as dúvidas?
Pedro Proença, gestor, administrador de empresas e administrador judicial, não chega agora à FPF como chegou à Liga, que, segundo o próprio, estava em «insolvência técnica». A instituição não tem essa necessidade, tal como o organismo tinha outras, bem mais prementes, e que ficaram por resolver, embora o antigo árbitro tenha deixado aí, até novas eleições, uma interina da sua confiança. Se é que isso faz algum sentido, porque é impossível deixar de pensar num controlo quase absolutista dos dois órgãos que mandam no jogo (por pessoas diferentes, mas que trabalhavam juntos, porque à mulher de César não bastava… vocês sabem a história), mesmo que seja por uns dias, o que decididamente não vai ser.
Na era Proença, que durou uma década, houve nova sede inaugurada com pompa e circunstância, reequilíbrio financeiro e nada mais. Os estádios continuam vazios, só alimentados pelos três grandes, de passagem. A centralização dos direitos televisivos, a apontar para valores que mais parecem de outros campeonatos, está por alinhavar quanto mais por acertar e há dúvidas, mesmo com a pressão do Governo, da última palavra dos mais poderosos, nomeadamente do Benfica, que já transmite metade dos seus.
A competitividade está cada vez mais fraca e se às vezes parece dar um ar da sua graça não são os pequenos que se aproximam dos grandes, mas estes que baixaram a qualidade e caíram para mais perto dos mais humildes. Até o 6.º lugar no ranking da UEFA aparenta estar a escapar-se, ainda que, em 2026/27, os Países Baixos fiquem sem o registo 2021/22, o que pode reequilibrar a luta e dar novo fôlego aos portugueses. E se o ruído baixou foi porque entraram novos atores, não porque se tenha feito algo nesse sentido.
São quatro anos para Proença provar que é mesmo um solucionador de problemas. Certamente que a propaganda dirá diariamente que sim, como tem feito sempre que pode, porém é preciso olhar para lá da mesma em jeito de fact-checking. É verdade que o antigo juiz precisa de fazer o que ainda não foi feito, mas também necessita de ser o que ainda não foi desde que abandonou os relvados. Criativo. Mas também reflexivo. Ser capaz de estudar as causas e ir ao encontro da raiz das fragilidades a fim de anulá-las, ao mesmo que consegue criar um rumo e estabelecê-lo. À primeira vista, dez anos depois, não deixa grande esperança de que seja capaz de o fazer.
É muito mais do que cumprir um orçamento ou seguir um guião. É desafiar os agentes do futebol a sair da sua zona de conforto. Não basta o mais do mesmo, ainda que possa bastar para UEFA ou FIFA, e até para o cargo dos cargos. Há muitos que querem melhorar o futebol português e não podem fazê-lo. Já quem pode deveria seguramente querê-lo. E muito.