Paulo Futre Jr. numa 'ted talk'. Foto D. R.
Paulo Futre Jr. numa 'ted talk'. Foto D. R.

Paulo Futre Jr.: «Há pelo menos um sobredotado na Seleção portuguesa»

Paulo Futre Jr. não pode revelar quem é, diz apenas que «nunca jogou em Espanha». E aposta que Rúben Dias ou é, ou anda lá perto. A importância, no futebol, da luta para a saída dos ‘armários’

MADRID — Paulo Futre tem dois filhos. O mais novo, Fábio, foi futebolista e agora é treinador das camadas jovens do Atlético de Madrid; o mais velho, Paulo, é um sobredotado que se dedica a múltiplas atividades. Num mês marcado por várias iniciativas antibullying um pouco por todo o Mundo, uma oportuna entrevista com alguém que felizmente não chegou a ser vítima. Paulo Futre Júnior, 36 anos, um depoimento para reter.

— No seu trabalho habitual, entra o de ajudar os jovens futebolistas sem cultura financeira a prepararem o futuro?

— Faço-o de forma informal e sem ganhar nada com isso. Acho que deveria generalizar-se o que já faz nos Países Baixos: congelar aos futebolistas uma parte do ordenado e criar um fundo de reforma com o qual possam viver quando deixem de jogar.

— O seu pai devia ter ganho a Bola de Ouro?

— Tem a de prata, que não é qualquer coisa. Ser considerado o segundo melhor jogador do Mundo é algo incrível. Naquele ano ele fez tudo para ganhar a Bola de Ouro, mas, injustamente, não a ganhou por culpa das politiquices que há no futebol.

— Uma curiosidade: quem escreve os artigos do seu pai que aparecem nos jornais?

— Desde o Euro 2004, tinha 15 anos, que sou eu quem os escreve. Ele dá-me as ideias e eu ponho-as por escrito, como se fosse o seu Chat GPT. Inicialmente ele tentou fazê-lo com alguns jornalistas, mas nenhum conseguiu encontrar o toque de como ele se queria expressar. Escrevi uma vez, ele gostou, e ficou até hoje. Algo parecido sucedeu também com os contratos de direitos desportivos: antes ele ia aos advogados para que fizessem os mandatos de representação, até que um dia eu lhe disse que era capaz fazer isso. Aprendi o básico e agora sou eu que o faço e ele já não tem de pagar a ninguém. Graças ao meu pai fizeram-se grandes transferências no futebol, uma delas a do Figo para o Real Madrid. Mas sempre quis estar na sombra e atuar de forma discreta.

Paulo Futre, Isabel e os filhos Paulo e Fábio.

— O seu pai talvez tenha nascido demasiado cedo. Que seria ele no futebol atual?

— Já pensei nisso muitas vezes. Se ele estivesse agora no ativo, seria um dos melhores do Mundo e todos os anos um grande candidato à Bola de Ouro.

— Quanto valeria no mercado?

— No mínimo 150 milhões de euros. Mas os grandes jogadores, como ele, são tão bons que não têm preço. A pergunta é quanto vale cada um dos três melhores jogadores do Mundo entre os quais ele estaria. Ninguém tem uma resposta certa para essa questão.

— Podemos comparar o Paulo Futre ao Cristiano Ronaldo?

— Admiro do coração o capitão da nossa Seleção, mas são dois jogadores muito diferentes. É impossível comparar. Fantástico teria sido vê-los jogar juntos, com um a assistir o outro. O meu pai tinha um estilo anárquico, livre, criativo, mágico; o Cristiano é a ambição, a constante regularidade, a capacidade de adaptar-se a qualquer circunstância, qualidades que fazem com que ele seja, sem nenhuma dúvida, o futebolista número um.

— Gostaria de ter visto o Cristiano no Atlético Madrid?

— Na camisola branca que ele vestiu durante anos faltavam as riscas encarnadas verticais, não tenho dúvidas de que no Atlético também teria triunfado. O meu pai, se tivesse sido jogador do Real Madrid, teria ganho, pelo menos, três Bolas de Ouro, mas se lhe perguntarem ele dirá que não trocaria esses troféus pelo carinho que ainda hoje os colchoneros lhe dedicam, que chega ao ponto de o presidente da Câmara Municipal de Madrid, Martinez Almeida, que quando era miúdo tinha o meu pai como ídolo, ter afirmado há pouco que ‘quando morrer, quero que as minhas cinzas sejam entregues ao Paulo Futre’. Não sei se em Portugal têm noção do muito que o meu pai ainda é querido por toda a gente no Atlético Madrid.

— Com a atual ditadura das táticas o seu pai poderia ser agora o jogador anárquico que foi?

— Acho que sim. Há jogadores que conseguem passar essa barreira, como o Vinícius ou o Lamine Yamal. Ainda se lhes permite uma certa anarquia, que é uma mais valia dentro de uma equipa bem estruturada.

— Onde poderá chegar, como treinador, o seu irmão Fábio?

— Tem qualidades para ir longe, já ganhou vários torneios importantes com as equipas jovens do Atlético e prosseguirá a sua carreira passo a posso. Além de muito talento futebolístico e visão, tem, em elevado grau, a empatia emocional necessária e importante para dirigir um grupo.

— O Paulo faz muitas coisas: qual é aquela a que mais se dedica?

— Profissionalmente no que eu trabalho mais é em negócios relacionados com a tecnologia e a inovação aplicadas ao desporto e em particular ao futebol, com especial atenção ao tratamento dos dados. Também colaboro com fundos de investimento, faço assessoria a start-ups tecnológicas. Isso será o principal. De resto dou aulas em várias faculdades, exponho as minhas obras de pintura em galerias de arte, componho canções, participo nos negócios da família e quando chega ao verão dedico-me às transferências de jogadores. Este último agosto foi muito intenso, é assim que eu gosto, sempre em colaboração com o meu pai. Trabalhamos juntos em todos os mercados, quando vemos uma oportunidade lá estamos nós para a aproveitar.

— Como se ganha mais, vendendo quadros ou vendendo jogadores?

— Depende do quadro e do jogador! Brincadeiras à parte, ganha-se, de longe, muito mais com os jogadores, mas a arte é o meu hobby preferido.

— Tem um podcast em que entrevista catedráticos de filosofia. Que tem a filosofia a ver com o futebol?

— Não só há uma ligação entre ambos como futebol é filosofia. O escritor Albert Camus dizia que tudo o que aprendeu sobre moral foi através do futebol. Uma equipa como o Atlético Madrid é, claramente, histórica e tem à frente ao Simeone com a sua filosofia do ‘jogo a jogo’ e a de aprender a sofrer. Eu até costumo dizer que se o imperador romano Marco Aurélio, que também era filósofo, tivesse uma equipa, essa seria o Atlético Madrid. Depois temos personalidades como o Cruyff ou o Guardiola, que ficarão para sempre como uns grandes idealistas do futebol.

— Falando de tecnologia, que papel poderá ter a Inteligência Artificial no futebol?

— Creio que poderá ajudar a otimizar os recursos, ajudar os treinadores a melhorar as suas táticas, os ‘scouts’ e os diretores desportivos a fazerem melhor o seu trabalho. Mas no fim do dia, no relvado, estarão sempre onze contra onze e é lá que tudo se decide.

— Há, por exemplo, dados interessantes sobre o tempo que os jogadores tocam na bola…

— Está demonstrado que, em média, qualquer jogador só toca na bola entre dois e três minutos por jogo. Mas se for um avançado pode chegar a ser menos de um minuto, daí a importância de os futebolistas saberem pressionar, interpretar o jogo posicional, e de os treinadores conseguirem que eles se sintam comprometidos com a equipa mesmo não tendo a bola nos pés. Eu costumo comparar este assunto com a canção dos Queen ‘Don’t Stop Me Now’. Aqui, o guitarrista Brian May só toca durante 20 segundos, mas são 20 segundos extraordinários.

— Em Espanha o seu clube é o Atlético. E em Portugal?

— Nisso saí da costela da minha mãe: sou portista. Quando fomos campeões da Europa em 2004, pintei o cabelo de azul e fui assim para a escola.

— Há futebolistas sobredotados?

— Sim, conheço vários. Na atual Seleção portuguesa há pelo menos um, mas não posso revelar o nome. Só posso dizer que nunca jogou em Espanha. Outro com quem falei e que me surpreendeu pela cabeça que tem é o Rúben Dias. Procurei convencê-lo a fazer um teste de inteligência, estou convencido de que se não é um sobredotado está muito perto de o ser. Segundo eu sei, há mais de um caso nos três grandes clubes do futebol espanhol.

— Porque é que os futebolistas sobredotados escondem essa sua condição?

— Há ainda muitos preconceitos. Conheço pessoas, sobretudo raparigas sobredotadas, que me pedem que, à frente de outros, nunca conte isso sobre elas. Querem que seja um segredo. No mundo do futebol posso imaginar como gozariam com um jogador sobredotado no dia seguinte a ter cometido um erro ou falhado um golo. Por isso preferem que não se saiba. Para evitar sofrimentos desnecessários.

— Ou seja, os futebolistas já têm dois armários onde se escondem e dos quais dos quais lhes custa muito sair, o dos gays e o dos sobredotados…

— São dois temas polémicos, o que espero é que entrevistas como esta ajudem a torná-los mais visíveis e a fazer desaparecer estes preconceitos que ainda existem.