O «Steve Jobs do futebol»: até o adversário é perfeito no jogo mil de Guardiola

Manchester City defronta este domingo o Liverpool e treinador atinge marca histórica

«O melhor da história.» No lançamento do jogo 1000 de Guardiola a pergunta surgiu: «Muitos já o disseram, você é mesmo o melhor treinador da história do futebol?». Desconcertante, imprevisível, com aquele sorriso que tem, mas só quando ganha..., atirou: «Eles têm razão!»

Nem o adversário poderia ser mais perfeito neste jogo 1000. O Liverpool é, reconhece o treinador catalão do Manchester City, o mais apetecível de todos os adversários, e muito por culpa de outro técnico que deixou a sua marca no futebol, pelos resultados, pela paixão, pela forma como comunicava.

«O Liverpool, em especial com Jurgen Klopp [ex-técnico dos reds], foi sempre o maior rival que tive neste país. Não poderia haver outro melhor», afirmou Guardiola ao abordar a constatação de que o adversário no jogo mil não poderia ser mais especial.

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O professor

Muito mais do que ter criado um Barcelona que esmagava na posse de bola, que não deixava jogar qualquer adversário e... ganhava muito, Pep Guardiola é para os seus jogadores um mestre. Veja-se o que disse um dia John Stones: «Eu pensei que conhecia bem o futebol quando vim para o Manchester City. Mas Pep fez-me sentir como se não soubesse de nada. Ele abriu-me os olhos para tantas coisas, ele reinventou o meu cérebro. E eu, simplesmente, adorei. Parece que continuo a aprender todos os dias, há sempre algo novo que ele nos transmite.»

715

Número de vitórias nos 999 jogos disputados (mais 156 empates e 128 derrotas), 71,5 por cento de sucesso, o que para um treinador que fez carreira nos campeonatos mais competitivos é absolutamente marcante. No Barcelona B tem 28 vitórias em 42 jogos; na equipa principal do Barça 179 em 247; no Bayern Munique 121/161; e no Manchester City 387/549.

Também Rodri, que conquistou a Bola de Ouro antes de Dembélé, destaca esta vertente de professor no treinador do Manchester City: «Ele é o treinador mais influente da minha carreira. Elevou-me a um nível que eu não sabia que poderia alcançar. Vejo tudo mais fácil. Ele dá-nos uma caixa de ferramentas e nós ficamos com mais utensílios que todos os outros.»

Aquele golpe na cabeça

Não foi há muito. Numa rara altura de crise no Manchester City, em que o clube ia somando desaires, acumulando insucessos, Pep Guardiola surgiu no banco com um golpe na cabeça e logo disse que se lesionou por não suportar tantas derrotas. Aí nasceu a ideia de que este homem não é apenas um génio, tem muito de obsessivo no seu trabalho.

Traço de personalidade que Xavi, um dos maiores jogadores da história do Barcelona, já tinha destacado. «Ele é muito, muito inteligente. Adaptar-se-ia a qualquer estilo de futebol, independentemente do lugar. É perfeccionista, obsessivo: segue em frente até acertar. Se Pep Guardiola decidisse ser músico, seria um bom músico. Se ele quisesse ser psicólogo, seria um bom psicólogo», afirmou o antigo médio, treinado pelo catalão no Barcelona.

Número de títulos conquistados numa carreira de grande sucesso. No Barcelona B venceu o terceiro escalão espanhol em 2008. Depois, no Barça, ganhou três LaLiga, duas Taças do Rei, três supertaças espanholas, duas UEFA Champions League, duas Supertaças europeias e dois Mundiais de Clubes. Pelo Bayern, conquistou três Bundesligas, duas Taças da Alemanha, uma Supertaça Europeia e um Mundial de Clubes. No Manchester City, ergueu seis vezes o troféu da Premier League, duas a Taça de Inglaterra, quatro a Taça da Liga, três a supertaça inglesa, uma Champions, uma supertaça europeia e um Mundial de Clubes.

Ederson, guarda-redes que o encantou quando jogava no Benfica e que foi buscar para o City, também lhe cola a obsessão à análise: «Pep respira futebol. Se erras, ele grita contigo. Mas se fazes um bom passe, ele também grita para te aplaudir. É um treinador que vive o futebol como um todo… É aquele tipo de bom treinador que diz tudo o que tem a dizer na tua cara.»

E sabe o leitor o que acha Bernardo Silva do seu treinador? Que é um génio. «Um dia, se tiver de jogar noutra posição, talvez não seja a minha melhor posição, mas sei exatamente o que ele quer de olhos fechados, porque estou com ele há seis anos. Ele não pára, sabe que o jogo está a evoluir, então não deixa as outras equipas adaptarem-se a nós. Tenta sempre criar algo diferente para que os outros não se habituem à forma como jogamos. Um génio!»

E, vá, de visionário também há um pouco, como destaca Messi: «Pep é o melhor treinador que já tive. Tudo o que ele planeou acabou por acontecer sempre. É especial na forma como vê as coisas, como se prepara para os jogos e como comunica.»

A 'vénia' de Sir Alex

Este texto não poderia terminar sem uma mensagem de outro dos treinadores que tem lugar da destaque na história do futebol, Alex Ferguson, que orientou o maior de todos os rivais do Manchester City, o United. «Pep! Estou absolutamente encantado por te dar as boas-vindas ao prestigiado Clube dos 1000 do Hall of Fame da LMA [associação de treinadores]. O teu profundo amor e paixão pelo jogo sempre foram evidentes e deves estar muito orgulhoso do impacto indelével que continuas a ter no futebol mundial», afirmou Sir Alex.

O número de clubes que representou como treinador. Além de apaixonado por futebol ofensivo, Guardiola é um caso de fidelidade. Começou no clube do coração, o Barcelona, e rapidamente (após uma época, 2007/2008) passou da equipa B para a principal. Em quatro anos ganhou tudo o que havia para ganhar e depois de uma época sabática, a de 2012/2013, mudou-se para o Bayern Munique. Três anos depois, em 2016, chegou onde tem sido mais feliz, o Manchester City.

«Alcançar mil jogos e conseguir tal longevidade no futebol é um marco que nunca pode ser subestimado. Continuar a conquistar campeonatos, Ligas dos Campeões e taças nacionais em três das ligas mais competitivas da Europa é extraordinário. Anseio por celebrar contigo num jantar de gala da LMA para te introduzir formalmente no Clube dos 1000», afirmou o escocês.

Dez frases de um treinador único

Se perdemos, continuaremos a ser a melhor equipa do mundo. Se ganharmos, seremos eternos [antes da final do Mundial de Clubes de 2009].

Eles são incrivelmente positivos. Na minha carreira, como jogador e treinador, trabalhei com muitos jogadores portugueses e senti-me sempre muito confortável com eles. Têm uma mentalidade muito especial, são imensamente competitivos.

O Manchester City é Bernardo Silva e mais 10. Se eu ficar aqui, ele fica também. Ele é mais esperto do que os outros porque, normalmente, quando tentas duelos um-contra-um frente a um adversário, perdes 10 em 10. Mas ele é tão inteligente que escolhe o momento certo, quando eles não estão equilibrados. Por isso é que ele é tão inteligente.

Sento-me, vejo vídeos e faço anotações. É aí que a inspiração surge – o momento que dá sentido à minha profissão. O instante em que tenho certeza de que consegui. De que sei como vencer. É o momento em que meu trabalho se torna verdadeiramente significativo.

Aprendi que, quando estás certo, deves lutar contra o mundo inteiro.

Estou encantado por ter fracassado. Amo os fracassos. Nesta sociedade onde tudo tem de ser perfeito, onde tens de publicar no Instagram o prato que estás a comer… ‘Ah, que bom, que feliz que eu sou’. Todos os dias temos de mostrar que somos felizes.

Nunca vou treinar o Manchester United ou o Real Madrid. Preferia ir para as Maldivas.

Se ganhar a Premier League é um dos títulos mais especiais? Não diria isso, o campeonato em que ganhámos 6-2 no Bernabéu…

No futebol, o pior são as desculpas. Desculpas significam que não consegues crescer nem avançar.

Todos os treinadores do mundo, não importa o quão bons sejam, se os vossos jogadores não entenderem o que procuram ou o que querem, não faz sentido.

O que disseram sobre Pep

Seria difícil encontrar um substituto. O Barcelona joga assim há quatro anos por causa dele. Para mim é mais importante do que eu

Messi, comentando a possibilidade de Guardiola abandonar o clube catalão no final da época 2011/12

O que mais gosto dele é que ele vê as coisas antes dos outros. Ou os outros não as veem. Quem teria imaginado que Mascherano podia jogar como defesa-central?

Johan Cruijff, referindo-se a Guardiola

Neste momento, o Barça tem ainda esta qualidade mágica de produzir um futebol que ninguém mais consegue. Quando Messi, Xavi e Iniesta jogam tudo o que sabem, são simplesmente incontroláveis

Alex Ferguson, elogiando a forma de jogar do Barcelona

A forma como ele influenciou o futebol, vencendo essa quantidade de troféus... Mas se o vires à beira do campo, comporta-se como se nunca tivesse vencido nada. A vontade que ele tem é absolutamente fora do comum

Jurgen Klopp antes do último duelo entre ambos para a Premier League, em março de 2024

É o Steve Jobs do futebol: experimental, corajoso, amante da beleza, inovador. É um exemplo a seguir

Jorge Valdano

Pep Guardiola é provavelmente o treinador que mais mudou a nossa forma de jogar futebol. Hoje em dia toda a gente quer ser Guardiola, não se pode esconder isso. Todas as equipas, desde a segunda divisão à primeira, tentam jogar como o City e todas tentam encontrar a dinâmica que o Manchester City tem, porque tem resultados e sucesso

Bruno Fernandes

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