O menino que fazia 1200 quilómetros por semana pelo sonho de jogar no Benfica
Há uns anos, num colóquio com treinadores de futebol, ouvi uma palestra sobre camadas jovens que jamais esqueci. Dizia Duarte Machado, antigo jogador e que seguiu carreira como responsável de escalões de formação, que não enganava os miúdos. Que, desde cedo, os confrontava com a realidade: «Só 3 por cento de vós chegará a assinar um contrato profissional. E desses só 3% conseguirá contrato acima de 2.000 euros/mês. Assim, divirtam-se, aprendam, cresçam e sonhem, mas não deixem que eventual frustração vos destrua.»
Um discurso para os jovens das academias, mas que, dizia também ele, deveria chegar, isso sim aos pais, cujo sonho é tantas vezes mais vivo e exacerbado do que nos próprios filhos, os praticantes, os alunos de futebol. Os mesmos pais que, semana após semana, pressionam treinadores, para que ponham os filhos a jogar ou com dicas de como deveriam fazer o seu trabalho, ou que ofendem e atacam jovens árbitros, também em formação. Um escândalo que se repete jornada após jornada em locais de aprendizagem e crescimento onde deveria reinar a boa educação — que, naturalmenre, reina entre alguns pais e mães destes jovens do futebol; infelizmente não em todos.
Muito me surpreendeu — talvez por ideias pré-concebidas de que este é um fenómeno do sul da Europa e que a norte impera o bom-senso — a entrevista recente de Anthony Taylor à BBC, na qual o consagrado árbitro internacional inglês chama a atenção para o crescente fenómeno da violência verbal e física contra jovens árbitros nas competições das camadas de formação do futebol inglês. E remata: «Vivemos uma fase cultural em que a expectativa pela perfeição é reinante e exacerbada. Não esperem que sejamos perfeitos, parem com isso!»
É com essa expectativa de perfeição que muitos miúdos e muitos pais andam pelo futebol. O sonho de ser o próximo Cristiano Ronaldo, sem pensarem nos milhões de jogadores que sonharam o mesmo e nem a profissionais chegaram. «Pensaram mal, o meu filho é que vai ser», dirão.
Foi também o que pensou o jogador do Estoril, João Carvalho, craque que brilhou nas seleções jovens de Portugal e que chegou a vestir a camisola principal do Benfica, inclusive em jogos de UEFA Champions League, e que numa bela entrevista a A BOLA, conduzida por Rafael Batista Reis, recorda os sacrifícios que fez pelo sonho, os 1200 quilómetros que, com os pais, o dele e os de outros jovens, fazia semanalmente entre Castanheira de Pêra e o Seixal para poder treinar-se no Benfica. Não se arrepende. Afinal, ele é um dos 3%. E ainda sonha...