O exemplo de um Abel reinventado (para Mourinho e outros)
Palmas para Abel Ferreira! Não é só a presença nas meias-finais da Libertadores e a luta pelo título no Brasileirão, mas ainda o regresso do Palmeiras demolidor, quando a curva ameaçava ser descendente, com adeptos, há pouco mais de um mês, a pedir a sua demissão. Só que o português reinventou-se. Libertou-se do círculo de pensamentos negativos que o travava e concentrou-se em retomar o caminho certo.
É verdade que o plantel cresceu em qualidade e criatividade — e agora há um Felipe Anderson de alto quilate, bem diferente daquele mais apático que regressou da Europa, e um Andreas Pereira ao nível do que brilhou no Fulham — onde antes só se podia contar com Raphael Veiga, porém ainda lhe acrescentou a compatibilidade de um tigre esfomeado por mostrar que o Barça não se enganou em contratá-lo com um patinho feio a aspirar a ser cisne, como são Vítor Roque e Flaco López. A dupla vitória frente ao River Plate é uma afirmação do renascimento palmeirense e o quase desbravar de uma rota até a final da maior competição sul-americana. Mesmo que não o sinta assim, acredito que Abel Ferreira precisou de ganhar primeiro a batalha consigo próprio para voltar a vencer com regularidade as que lhe surgem no relvado.
Noutra latitude, também em português, outro treinador regressou aos holofotes: José Mourinho. Ótimo para a comunicação social e adeptos, e para a visibilidade internacional do clube e da Liga. Até os jogadores sentiram o impacto, como se viu em algumas manifestações públicas. Só que os jogos não se ganham só com aura e experiência e, tal como suspeitava, e apesar do pouco tempo de trabalho, não foi por se trocar Lage por Mourinho que de repente se ficou com o principal problema da equipa resolvido: o ataque posicional.
As primeiras partes diante de Rio Ave e Aves SAD não foram assim tão diferentes dos tempos de Bruno Lage, mesmo com um Ríos mais solto — que paradoxalmente parece cada vez mais perdido, não entendendo a sua missão em campo — e Ivanovic mais ou menos encaixado na esquerda, dependendo da ajuda que Dahl consegue dar para o libertar da largura e o reaproximar da baliza. Carreras foi mesmo a maior perda para esta época, pela consistência que já tinha no momento defensivo e sobretudo pelo que acrescentava no ofensivo, no passe de construção, no transporte em velocidade ou em drible e também no posicionamento sem bola à largura, algo cada vez evidente. O jovem espanhol regressou a casa e o sueco está longe, muito longe, de ser parecido, o que mexe com vários posicionamentos.
Entretanto, ao primeiro mau resultado, Mourinho virou-se contra o VAR. Há muitas coisas de que também não gosto no futebol moderno, incluindo arbitragem e vídeo-arbitragem, mas o técnico não se preocupou muito com a racionalidade da opinião. Simplesmente disparou. Como tantas vezes nos últimos anos. Já melhor esteve quando chamou Gonçalo Moreira ao plantel principal, mantendo viva a ideia de que está atento à Academia. Mesmo que apostar em alguém seja bem mais do que uma promoção ou de alguns minutos no final de partidas controladas.
O Sporting perdeu a Supertaça e o primeiro clássico, todavia, nos restantes encontros apresentou-se em bom plano. Só saberemos no final se resistiu ou não à saída de um jogador da dimensão de Gyokeres, que resolvia muitos jogos difíceis, porém encontramos um tecido coletivo forte, com Trincão a assumir enorme protagonismo ao lado dos regressados Pedro Gonçalves e Morita, que não tiveram problemas em deixar encaixar a melhor face de Luis Suárez. O colombiano tem estado em grande plano, acrescentando mobilidade (de aproximação ao meio-campo, de ataque à profundidade e no preenchimento dos espaços), associação e capacidade de finalização, embora talvez seja aqui que surge a grande diferença para o sueco. No entanto, face ao desnível na Liga, para os embates do dia a dia Rui Borges parece ter, para já, a situação controlada. Resta saber como será nos clássicos, e naturalmente na Champions.
Já o Gyokeres do Arsenal está longe de convencer, apesar de já ter marcado por três vezes, nos sete encontros em que participou. Nos jogos grandes, e são muitos na Premier, passa despercebido entre os centrais rivais e, nos restantes, a dimensão física que lhe dava brutal vantagem por cá é trunfo menor. Talvez se pensasse que, por os Gunners se debaterem há muito com a falta de um 9 e Gyokeres ser tão desejado no Emirates, Arteta iria de certa forma adaptar o modelo, contudo, não o fez. Gyokeres é o novo Gabriel Jesus, ein neuer Havertz e está longe de ter características semelhantes. Precisa de bola no pé ou no espaço para correr e rematar, não é um poacher. Não o podem enjaular na pequena área. Não se transforma um puro-sangue num cavalo de dressage.
O FC Porto arrancou a campanha na Liga Europa. É verdade que os portugueses têm a mania de fazer as contas demasiado cedo, antes até de se entrar em campo — e há a questão da profundidade do plantel e o das equipas inglesas, que por muito mal que estejam na Premier são sempre rivais duros —, no entanto é difícil não ver os dragões como potenciais candidatos. O mérito de Farioli (e de Villas-Boas em não ter medo de mais uma aposta de risco) é inequívoco e o italiano até já traz na bagagem a sabedoria de que o mais difícil não é chegar ao topo, mas sim manter-se lá.
Volto a Inglaterra por culpa da incrível implosão do Aston Villa. Estive em Birmingham há um ano encontrei um clube a festejar o regresso à Liga dos Campeões, onde a admiração por Unai Emery e o diretor desportivo Monchi era visível, ao ponto de a filosofia de ambos ecoar nas palavras dos outros dirigentes. De lá para cá, o clube teve de vender craques por causa do fair-play financeiro, perdeu os emprestados Rashford e Asensio e apenas contratou Guessand. Ainda não ganhou e foi eliminado da Taça da Liga. Monchi já saiu e diz-se que o venerado Emery será o próximo. Football, bloody hell — sempre a repetir-se.
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