Diego Armando Maradona e Lionel Messi são figuras maiores do futebol argentino e de todo o planeta
Diego Armando Maradona e Lionel Messi são figuras maiores do futebol argentino e de todo o planeta

Vou dizer-te como te odeio, Messi!

O sentimento de abandono por parte do melhor jogador de tempos — perdoa-me, Diego — começa a bater forte. Ainda o veremos mais uns tempos, contudo o desconsolo é já total

Nota: este texto foi escrito antes do Argentina-Venezuela, a fim de entrar na edição impressa de A Bola desta sexta-feira

É uma conclusão como outra qualquer. Messi é, presunção à parte, o inimigo público número 1 de qualquer cronista. Escrevo-o mais uma vez já depois de tanto o ter escrito, antes que entre em campo diante da Venezuela para aquele que será, deu o tio a entender, o último jogo com a Albiceleste no país que finalmente ainda foi a tempo de o idolatrar após tanto o criticar. Que miras, bobo?! Foi o que pensei.

Andamos nós, desde que nos conhecemos minimamente, a dar palmadas em seco no ar, enquanto ele, qual inseto quase invisível e chato, salta de letra em letra no ecrã, do p de puta para o m de madre, esperando ainda uns míseros centésimos a zombar de nós no ponto de exclamação. De puta madre! Rais’parta, falhei outra vez...

Léo quebrou paradigmas para lá colocar os seus, criados com a sua verdade. Elementos de ligação para o recorde seguinte, fosse esse qual fosse. Se não agora, César, seria amanhã ou depois, não te iludas! Torna impossíveis os meios-termos, os quases, os ses. Inúteis resultam os lamentos de passes mal feitos, de cruzamentos mal medidos, de bolas aos ferros. Um golo de Cristiano, belo como poucos, parece filmado em technicolor devido ao contraste. Coisa de outros tempos, em que o futebol não era bem a mesma coisa. Dizem!

O que encantou sempre foi a simplicidade. Tudo parecia fácil, como a lendária insinuação que faz confessar o criminoso em ambiente de sauna e beatas, todas do arrogantezinho de meia tijela, a fumegar. O que poderiam fazer? Prendê-lo?

Os defesas quase que se afastam, fecham os olhos perante o que se avizinha. Os guarda-redes sofrem de nanismo momentâneo, as balizas crescem para o dobro, em altura e largura, impossíveis de cobrir mesmo por super-heróis. Bola e bota não descolam, e a Pulga acelera girando as pernas sem respeito por ligamentos e articulações, como num desenho animado do passado, daqueles que Vasco Granja (paz à sua alma!) teimava em esquecer, antes de fechar com vaselina e punch line para a história.

Os outros gigantes que o acompanharam no passado e aqueles que respiram o mesmo ar no presente, de Kaká a De Bruyne, de Ozil a Odegaard, de Xavi a Pedri, de Iniesta a Gavi, de Rooney a Kane, de Nani a João Félix, de David Silva a Saka, de Alexis a Mbappé, de Di María a MacAllister, de Agüero a Álvarez, de Busquets a Rodri, de Forlán a Vini Júnior, de Salah a Yamal, de Neymar a Rodrygo, entre tantos outros, arriscam o anonimato.

Um grande golo, mesmo de bicicleta e de fora da área, torna-se obsoleto quando a bola vira ouro ao primeiro toque do seu pé esquerdo, naquele jeito desinteressado de quem aparenta fazer as coisas sem querer. De quem corre sem haver outra hipótese que não seja chegar primeiro.

Não há ser mortal que se aproxime e os outros, como Pelé e Maradona, sentem, onde quer que estejam, a imortalidade ameaçada, eles que se ameaçavam reciprocamente praticamente todos os dias. É a tua vez, tio! There can be only one! e os vidros estilhaçam atrás de Connor MacLeod. É tarde, o cansaço já não me deixa grande espaço para a lucidez, e ainda tenho, porque sim, de não me deixar adormecer para ver tudo pela televisão.

É verdade que Messi escreve história a cada finta, mas, perguntem-se, que história teria sido essa com papéis invertidos: a Pulga no Real e Ronaldo no Barcelona, reinventado nas jogadas de Xavi e Iniesta. Ou agora, o português nos Estados Unidos rodeado de amigos em festas pré-reforma e o argentino esfomeado na Arábia Saudita, alcançado pelos recordes que sempre perseguiram o rival. Nunca o saberemos. A vida ainda não se constrói com realidades alternativas.

Houve um tempo em que escrevíamos que enquanto não fosse campeão do mundo não poderia reclamar o título de maior de todos os tempos, até que o foi. Mas se não tivesse sido será que teríamos tido coragem para renegar as evidências? Que tudo parece pequeno ao pé do minorca das Pampas, que não conseguia crescer como os outros, tornando-se o cúmulo da sua própria ironia!

O que os outros fazem está destinado a ser irrisório, facultativo e, se eu tivesse dormido mais umas horas, encontraria mais depressa a palavra que me falta... Dispensável, isso! Nós, mortais, estivemos sempre destinados a escrever sobre as suas jogadas magistrais, os passes inimagináveis, os dribles imprevisíveis, os golos mágicos. As mil e uma vidas reinventadas em campo por um solista que só teve par, aí sim, no Pelusa. Que saudades, Diego! Porque nada mais parecia existir na periferia de ambos. E, mesmo assim, quando escrevemos, será que conseguimos mesmo escrever algo diferente dos demais, que tanto o tentaram e tentam, com tanta vontade como nós? Só te peço mais uma vez: espera pelos outros, Léo! Pela nossa saúde!

Quando lerem isto, o Monumental já terá feito a sua vénia... monumental. Já terá sido homenageado por amigos, pela família e por todo um país que sente o futebol como mais nada e com tanta força que lhe sobra pouco para o resto. Não sei se voaram papelinhos como na primeira imagem que tenho desse mesmo palco, aos quatro anos, na final do Mundial de 1978, mas vou imaginar que sim. Que deu uma volta de honra, que foi como se tivesse vencido o Mundial uma outra vez, ainda que todos saibamos que nova oportunidade surgirá daqui a alguns meses. Ou a Argentina não jogasse como joga. Seria a prova dos nove de algo que nunca precisou de qualquer tipo de prova. Nós sempre o sentimos, apenas não o conseguíamos dizer.

Vivi no tempo de Maradona e o futebol nunca mais foi o mesmo. Vivo ainda no de Messi e sei, sem precisar de citar fontes, que haverá um antes e um depois do argentino. Mesmo que me apaixone por outros no tempo que me resta e Cristiano Ronaldo consiga cumprir o seu destino de ser o maior do que todos os outros menos um. E tal como o Olé um dia virou Culé, numa manchete para a história, aviso-vos este espaço corre o risco de mudar de nome. Talvez «Lá, onde o génio dos génios descansa». Mas esperarei pelo momento certo, pela última crónica.