O caso Gyokeres 'vs' Sporting
A caótica negociação dos direitos desportivos do atleta do Sporting (SCP) Viktor Gyokeres —onde participam diversas partes interessadas, cada uma com a sua própria agenda, ambição e ego — traz à tona uma das mais desafiantes perguntas do futebol atual: quem tem realmente o poder numa transferência de direitos desportivos? O jogador? Os agentes? Os clubes?
O jogador, apesar de não participar diretamente nas negociações, tem a capacidade de influenciá-la significativamente decidindo se aceita ou não uma transferência e os seus pressupostos, mesmo que o seu clube o queira transferir. Os agentes e os clubes têm papéis e interesses distintos, o que, por vezes, quando desalinhados, pode levar a constrangimentos difíceis de ultrapassar. Observe-se o caso Gyokeres. Enquanto os agentes (Hasan Cetinkaya/Kenan Mert) concentram-se principalmente em maximizar as oportunidades de carreira e os benefícios financeiros, e ser a voz, o escudo protetor e, aparentemente, os mentores por trás dos movimentos da carreira do jogador. Para além de tentarem alavancar os seus honorários e comissões. Os clubes — vendedor ou comprador —priorizam os seus objetivos estratégicos, desportivos e financeiros. Ou seja, são focados no sucesso, incluindo o desempenho da equipa, estabilidade financeira e uma imagem credível e vencedora.
Na atual negociação de transferência de Gyokeres para outra entidade, decorrem vários embates com elevada tensão e conflitos criadores de excelentes manchetes de media, que exigem uma gestão cuidadosa para evitar perda de valor para todas as partes. Algo que está muito próximo de acontecer perante o desalinhamento entre as expetativas do jogador, dos agentes e as do SCP. O jogador, aparentemente, só equaciona transferir-se para o Arsenal. Os agentes, ao incluírem no contrato entre Gyokeres e SCP a cláusula de representação simultânea do jogador e do SCP na angariação de um futuro comprador dos direitos desportivos, e outra referente ao pagamento obrigatório de €6 M caso angariem uma proposta vinculativa no valor de €60 M, demonstraram as suas intenções em condicionar o processo de decisão numa futura transferência. O SCP, consciente do ativo que possui, blindado por um contrato de longa duração e uma cláusula de rescisão de €100 M, pretende o maior retorno possível do seu investimento inicial e do posterior investimento no desenvolvimento do atleta. Ou seja, criou a expetativa de transferir por um valor mínimo de €70+10 M. Por último, o Arsenal, único clube que tornou público interesse em Gyokeres, tem a expetativa — provavelmente alimentada pelos agentes — de conseguir um acordo inferior ao valor estipulado pelo SCP.
Neste momento, é evidente que os agentes e o SCP não se alinharam na definição dos pressupostos da alienação dos direitos desportivos de Viktor Gyokeres, o que resultou em relações pessoais e institucionais depauperadas devido a uma forte carga emocional negativa — onde sobressaem as ameaças ao SCP e a deceção pela não concretização das expetativas iniciais, ambas por parte dos agentes Hasan Cetinkaya/Kenan Mert e do jogador, o que impactou o processo de decisão do Sporting — e a negociação transformou-se numa luta. A ameaça em negociação é muitas vezes expressa pelo negociador com menos poder, comprometendo a relação, centrando a negociação no acessório e tende a condicionar as concessões da outra parte.
Como ultrapassar as nocividades das ameaças e voltar à mesa das negociações? Provavelmente o primeiro passo é incentivar as partes a avaliarem o que irá acontecer se não for alcançado um acordo e quais as consequências. O segundo passo é reverem e adaptarem as suas expetativas, comportamento negocial e a negociação recentrar-se em novos interesses preocupando-se desta vez em não perderem o foco e o objetivo para potencializarem o sucesso. Por último, o jogador, os agentes e o SCP perceberem que se mantiverem as posições atuais irão todos perder de diversas formas. O Sporting em termos económicos — compromete uma mais-valia — e desportivos — o balneário provavelmente poderá reagir negativamente ao regresso do Gyokeres, com inerente efeito no desempenho desportivo. No caso do jogador e agentes, ambos terão elevados custos reputacionais e perda de futuros ganhos económicos.
Regressando à pergunta inicial, quem tem realmente o poder numa transferência de direitos desportivos? O caso Gyokeres versus Sporting permite compreender o caráter complexo e multidimensional do processo de transferência de direitos desportivos e como as expetativas, os acontecimentos e os comportamentos emocionais influenciam o desempenho final. O bom resultado da negociação é expresso no cumprimento do objetivo, que só se garante pela capacidade individual das partes e a coordenação e força do todo. Assim, qualquer uma das partes pode ter o poder nas suas mãos desde que esteja alinhada com as outras e o todo seja maior que as partes.
Na verdade, a transferência de direitos é um acordo de partilha de poder baseado numa comunicação aberta, transparência e vontade de encontrar soluções mutuamente benéficas. Logo, os agentes alinham-se com o jogador e angariam o potencial clube comprador partindo das premissas que o clube atual se encontra disponível para a transferência e definiu o valor e condições acessórias. Assim, quando as partes respeitam o papel uma da outra e privilegiam o bem comum, a magia acontece e cria-se valor. Mas quando existem agendas pessoais e os egos inflamam, o caos reina e todos saem a perder.