Rodrigo Rêgo no jogo do Benfica contra o Nacional - Foto: Catarina Morais/Kapta+
Rodrigo Rêgo no jogo do Benfica contra o Nacional - Foto: Catarina Morais/Kapta+

O ano que mudou a vida de Rodrigo Rêgo após a frustrante saída do FC Porto

No Famalicão detetaram e trabalharam debilidades físicas do extremo que caiu nas graças de Mourinho e dali demorou apenas um ano a dar o salto para o Benfica e para a Seleção, após a saída dos dragões

A saída do FC Porto, aos 16 anos, não foi fácil de gerir emocionalmente por Rodrigo Rêgo. Afinal, o jovem extremo tinha chegado ao clube aos seis e foi ali que fez quase toda a formação, depois dos dois anos iniciais no Beira-Mar, e de uma época no Gafanha, que representou por dificuldades logísticas no transporte para a cidade do Porto, mas sempre sob controlo dos dragões.

Mas se esse acontecimento pesou na cabeça do extremo foi apenas durante algumas semanas. Porque no Famalicão encontrou um clube que lhe deu a atenção individualizada que o fez dar o salto para o Benfica ao final de um ano.

E se há pessoa que teve um papel determinante nesse capítulo é Rui Borges, o antigo médio ofensivo que se destacou em clubes da Liga como o Alverca ou o Estrela da Amadora.

Rui Borges com Miguel Ribeiro, quando trabalharam juntos no Famalicão

«No início o Rodrigo vinha frustrado. Ser libertado por um clube como o FC Porto, que ele representou durante vários anos, é difícil de compreender quando se tem o sonho de ser futebolista. Diria que até vinha desconfiado com o que ia encontrar», assume, em conversa com A BOLA, aquele que era então o diretor de formação do Famalicão.

Apesar dessa desconfiança que, à distância, Rui Borges consegue identificar, rapidamente o atual jogador do Benfica se deixou convencer pelo plano que o clube minhoto tinha para ele.

Rodrigo Rêgo com a camisola do Famalicão

Antes de colocar em prática no campo, porém, foi preciso trabalhar fora dele, como explica o atual diretor desportivo do Zed, clube do Egipto. E é seguro dizer que sem esse trabalho, dificilmente o miúdo teria chegado ao radar de Mourinho.

«Quando ele chegou ao Famalicão detetámos-lhe um desequilíbrio físico que sentimos que estava a prejudicar a evolução dele. Tinha aquilo que chamamos de ‘pernas de cavaleiro’:  os joelhos para fora, com pernas arqueadas. E além disso era pouco desenvolvido na zona abdominal, e isso fazia com que jogasse muito com o corpo inclinado para a frente, o que lhe provocava desequilíbrio», contextualiza.

«Fizemos o tal trabalho específico, que passava por fazer uma hora de treino no campo e os últimos 30 minutos no ginásio, sempre com a concordância do Tiago Salgado, que era o treinador dos sub-17», acrescenta.

Rodrigo Rêgo em jogo pelo Famalicão

«Era muito fácil trabalhar com ele»

Como qualquer miúdo, era no campo que Rodrigo Rêgo gostava de estar. Mas o carácter que Mourinho tanto elogia fê-lo dar ouvidos a quem o estava a aconselhar e os resultados não demoraram a aparecer.

«Ao fim do primeiro mês e meio, ele já começou a entender os benefícios do projeto que tínhamos para ele. E ao ver o impacto que começou a ter no jogo dele, ficou muito mais fácil continuar esse desenvolvimento. Também porque ele é um miúdo que sempre esteve muito disponível para ouvir. Era fácil de trabalhar com ele. E não era só no campo que se sentia o foco dele, porque também tinha muito cuidado com a alimentação e as horas de sono», elogia, resumindo: «O Rodrigo tinha tudo para ser um caso de sucesso!».

O sucesso imediato, ainda no clube minhoto, traduziu-se na convocatória para a Seleção de sub-17, como lembra Rui Borges. Mas isso era apenas o início.

Ainda antes de se mudar para o Benfica, Rodrigo Rêgo tornou-se internacional sub-17

«Melhorámos a capacidade física e ele em seis meses conseguiu a primeira internacionalização. E logo em janeiro fomos abordados pelo Benfica para a transferência do Rodrigo. Houve mais clubes que o abordaram, mas a rapidez com que o Benfica tratou de tudo foi decisiva. Era impossível segurá-lo no Famalicão, mas ele depois foi um exemplo para recrutarmos outros jogadores para o clube, nomeadamente do Benfica», nota.

O «ranhoso» não esquece quem o ajudou

Hoje, depois de Rodrigo Rêgo se ter estreado na Liga, Taça de Portugal e Champions no espaço de uma semana, torna-se fácil perspetivar o sucesso do extremo. Contudo, Rui Borges assegura que não havia muito por onde enganar.

«A estrutura familiar do Rodrigo é muito coesa. Nomeadamente os pais e ele. E ele quer muito triunfar. Quer sempre mais. É o ‘ranhoso’, como chamamos no futebol. Quer sempre ganhar, quer sempre fazer o drible. E depois tem uma enorme facilidade para fazer tudo: finta para a esquerda, para a direita, faz cruzamento com os dois pés e tem golo», descreve.

Porém, nem sempre o leque de opções em campo foi tão alargado. E no caso, houve dedo do antigo médio.

«Ele jogava na direita e fazia a finta sempre para dentro. Ele era bom no movimento, mas eu dizia-lhe ele tinha de variar, porque tornava-se previsível para os adversários. Então, no final de um treino, fiquei a trabalhar com ele alguns movimentos. Eu ia para dentro e rematava de pé esquerdo. Depois ia para fora e cruzava de pé direito. E disse-lhe: ‘se eu que tenho 50 anos, consigo, tu não consegues?’. Piquei-o um pouco. E ficámos ali a repetir aquilo. E ele começou a trabalhar nessas alternativas, o que lhe abriu o leque de opções. Ele agora vê-se no jogo dele que vai para fora, para dentro, cruza de pé direito e de pé esquerdo. Porque ele tem capacidade para fazer muitas coisas», defende.

Rui Borges trabalha atualmente no Egipto, ao serviço do Zed FC

Tanto que mesmo depois de deixarem de trabalhar juntos, a comunicação entre os dois não se perdeu. «De vez em quando, eu mandava-lhe uma mensagem a dizer; ‘passarinho’, vai mais para fora, ou vai mais para dentro. Estás a driblar pouco, vai para cima dos adversários, chuta!», porque sentia que ele ainda podia dar mais.

Essa dedicação é também reconhecida pelo camisola 67 do Benfica que teve um gesto que mexeu com Rui Borges.

Rodrigo Rêgo em ação contra o Atlético, no Estádio do Restelo — Foto: SL Benfica
Rodrigo Rêgo em ação contra o Atlético, no Estádio do Restelo — Foto: SL Benfica

«Na véspera de se estrear ligou-me para me dizer que ia ter os primeiros minutos na equipa principal do Benfica. E esse gesto dele, de não se esquecer, deixou-me muito emocionado. Os pais também falaram comigo no dia do jogo e até elementos do Benfica que sabem que eu desenvolvi por ele um sentimento de grande carinho. É uma alegria grande vê-lo triunfar», admite.

Nesse sentido, o dirigente defende que o caso do jogador de 20 anos do Benfica deve servir de exemplo para tantos outros miúdos que por vezes têm pedras no caminho.

«O Rodrigo representa na essência alguém que parecia ter perdido o sonho, quando saiu do FC Porto. Mas com trabalho duro e o foco certo deu a volta e está a começar a afirmar-se ainda numa tenra idade», conclui.

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