Movimento e Política
O Chefe gostava da mudança porque não gostava de estar parado. E não gostava de estar parado porque gostava da mudança. Eram estas as suas duas ideias sobre o assunto. O Chefe tinha outras ideias, mas sobre outras questões. Sobre estar parado e movimentar-se eram estas as suas ideias. Duas.
Tentava alternar. Por vezes orgulhava-se de uma delas, outras vezes da outra. O chefe dizia:
- Chama-se a isto propriedade comutativa da linguagem. Tal como dois mais três é igual a três mais dois, não gostar de estar parado é igual a gostar de movimento. E mais: gostar do movimento é igual a não gostar de estar parado. Não sei se me entenderam?
Os dois Auxiliares do Chefe tinham entendido.
- Portanto - disse o Chefe, apontando para um deles - você!
- Eu?!
- Sim, você!
- Que fiz eu?
- Nada. É esse o problema. Precisamos de fazer coisas. Não podemos estar parados. Já vos expliquei a questão da propriedade comutativa?
- Já, chefe. Gostámos muito! Dá cinco; três, mais dois, dá cinco.
- Pelos vistos não percebeu. Não importa o resultado. O que importa é o movimento. Entende?
Os dois auxiliares do Chefe entenderam. Pela segunda vez.
- Pois bem. Os dois, agora, mantendo-se sentados, vão bater com os pés no chão, muitas vezes, até eu mandar parar. Não param até às eleições!
Que bela ideia. Chefe.
O Chefe que gostava de movimento (2)
Permanecendo sempre sentados, os dois Auxiliares estavam há vários dias a bater com os pés no chão. A sola dos sapatos parecia lentamente desaparecer e, por dentro das meias, cujo tecido praticamente evaporara, os pés ardiam, como próximos de uma lareira. Um e outro tinham já várias feridas nos pés. No entanto, o sorriso aberto na cara dos dois Auxiliares jamais afrouxara. Era preciso movimento, movimento! - dissera o Chefe. Até às eleições.
- Alto! - gritou, subitamente, o Chefe, levantando o braço. - Lembrei-me de que podíamos fazer um movimento que implicasse uma mudança no espaço.
Os dois Auxiliares ficaram espantados, boquiabertos.
- Com mudança de espaço!
- Espaço, como?
- Oh, Chefe, mas isso…
- ... não poderá ser... precipitado?
- Os nossos adversários não estão à espera de um corte brusco com o passado - disse o Chefe. - De vez em quando temos de mudar por completo os nossos objectivos e a nossa forma de agir.
- Mas são quatro da tarde...
- É o momento de se levantarem.
- Excelente ideia, Chefe.
- Muito bem.
- Pensei então nisto. Vejam lá o que vos parece desta minha solução. Os dois vão trocar de cadeiras - continuou o Chefe. - O Excelentíssimo Auxiliar vai para a cadeira do Excelentíssimo Auxiliar. E o Excelentíssimo Auxiliar vai para a cadeira do Excelentíssimo Auxiliar.
- Chefe, não percebi exactamente como...
- Eu também... - murmurou o outro.
- Explicando melhor. O Excelentíssimo Auxiliar da minha direita vai para a cadeira do Excelentíssimo Auxiliar da minha esquerda. E o Excelentíssimo Auxiliar da minha esquerda vai para a cadeira do Excelentíssimo Auxiliar da minha direita. Isto, ao mesmo tempo.
- Ao mesmo tempo?
- Sim, e vice-versa.
- Vice-versa?
- Exactamente. Depois ficam na nova cadeira uma hora, hora e meia...
- Muito bem.
- ... sempre a bater com os pés no chão...
- Os pés...
- ... e depois: vice-versa outra vez.
- Vice-versa outra vez como, Chefe?
- Mudam outra vez de lugar.
- Só há duas cadeiras, Chefe.
- Vice-versa duas vezes - questionou ainda, com um leve murmúrio, o outro - não é o mesmo que ficar tudo como estava antes?
- Não, porque é vice-versa ao mesmo tempo. Ou seja. Você troca de lugar com o seu colega enquanto o seu colega troca de lugar consigo. Entendeu? É um vice-versa ao mesmo tempo. Um conceito estratégico.
Apesar de um ou outro engano, os dois Auxiliares cumpriram escrupulosamente as instruções.
Vice-versa simultâneo e movimento no espaço! Como o Chefe estava contente.