Martínez tem tanta qualidade à disposição que jogar da forma mais simples não tem piada nenhuma (Foto Imago)

Martínez tem tiques de Guardiola

Selecionador resolveu adaptar Rúben Neves ao eixo da defesa, deixando três centrais no banco. O motivo da inovação só pode ter sido para estimular o grupo... Este é o 'Livre sem barreira', espaço de opinião de Hugo do Carmo

Aí está Portugal lançado para mais uma fase final de um Mundial. Vão ser já 26 anos consecutivos sem falhar uma grande competição de seleções. Parece coisa pouca, nomeadamente para as novas gerações, mas para outras, como, por exemplo, a minha, que já passei os 50 anos, sabemos que não é assim. Aliás, basta recordar as participações anteriores a 2000. O memorável Mundial de 1966, com Eusébio a liderar os magníficos Magriços, e depois o México-86, para sempre o do caso Saltillo. Pelo meio dois Europeus: França-84 e Inglaterra-96.

Virou o século e mudou o paradigma. Portugal é hoje uma das seleções mais fortes do Mundo e não me estou apenas a referir à conquista do Euro-2016 ou ser o atual detentor da Liga das Nações — competição que também conquistou em 2019, a primeira edição —, seja qual for a prova ou o adversário, a Seleção Nacional já nos habituou a lutar pela vitória. Se é favorita ou apenas candidata, como muitos treinadores, mais por estratégia, no meu entendimento, preferem, considero que é pouco relevante. Portugal está lá para ganhar, sem a mínima dúvida. O que acaba por ser o mais natural, dada a qualidade dos jogadores de que dispomos atualmente.

Temos primeiras escolhas de topo mundial e alternativas de luxo para todas as posições. Acredito que a maior dificuldade seja mesmo escolher. Os 23 ou 26 convocados ou mesmo o onze para cada jogo. E o último, com a Hungria, foi para mim uma grande surpresa. Não gosto muito de falar depois dos jogos, porque aí todos acertamos ou pelo menos não há forma de as nossas escolhas ou convicções serem testadas na prática. Podemos dizer o que quisermos que nunca... falhamos.

Abro aqui uma exceção para abordar o jogo em Budapeste, que até terminou com uma vitória, o que facilita sempre qualquer análise… sem segundas intenções. Por mais explicações que tenha ouvido, continuo sem perceber a adaptação de Rúben Neves ao centro da defesa, isto quando no banco ficaram três centrais: Gonçalo Inácio, António Silva e Renato Veiga.

O médio do Al Hilal pode ter muita qualidade com bola, e tem-na de facto, e até percebo que a estratégia assente cada vez mais na posse de bola, mas não haveria outro jogo para testar Rúben Neves ao lado de Rúben Dias? Ainda mais numa defesa clássica, a quatro, que expõe sempre mais os centrais? Num modelo com a defesa a três, que Roberto Martínez até já adotou — sem grandes resultados, registe-se —, até o próprio Rúben Neves se sentiria, certamente, mais confortável. Mas não, foi mesmo contra o adversário mais forte do grupo e na casa deste que o selecionador nacional resolveu inovar.

O resultado foi o que todos sabemos. Ganhámos e estamos já destacadíssimos na liderança. Carimbar o passaporte para o continente americano não vai passar de uma formalidade, mas considero que era desnecessária aquela abordagem na Hungria. Se tivesse sido na Arménia ainda me fazia algum sentido, até porque permitiria poupar algum dos centrais para o embate mais complicado, isto com os jogos separados por apenas quatro dias.

Mas não, Roberto Martínez quis mesmo inovar. Sinceramente, parece-me, por vezes, que o espanhol tem tiques do compatriota Guardiola. É tanta a qualidade à disposição que jogar da forma mais simples não tem piada nenhuma e não há nada melhor do que inovar, para não lhe chamar outra coisa, para estimular o grupo. Só pode ser esta a razão…