Kelly Slater: «Havia muita festa, drogas, álcool… O surf foi a minha saída»
— Um dia perfeito para si continua a ser na praia?
— Um dia perfeito para mim é surfar o dia todo… E depois estar tão cansado que adormeço no sofá com a guitarra ou com o meu filho de nove meses deitado em cima de mim.
— Dizia-se muitas vezes que a sua disciplina alimentar e rigor com horas de descanso era um dos segredos da longevidade…
— Agora já não sou tão rigoroso, mas no geral sou disciplinado. Tento não comer muito açúcar. O problema é que adoro comida. Como demais, às vezes. E adoro cozinhar.
— Qual é a especialidade?
— Ovos. Faço ovos de mil maneiras. Adoro fazer pequenos-almoços. Também faço muitos bifes, saladas… E sobremesas. Faço chocolate com coco, cacau em pó e mel, sem açúcar. Às vezes uso mel ou xarope de tâmaras em vez de açúcar. Também faço sobremesas geladas, como bananas cobertas de chocolate preto e manteiga de amendoim. A minha namorada adora quando invento com o que temos no frigorífico ou no congelador. Gosto mesmo de cozinhar.
— Algumas pessoas dizem que essa disciplina permitiu, aos 53 anos, competir com os melhores, com idades bem diferentes…
— Sim, sou selvagem [risos].
— Um pouco como acontece com Cristiano Ronaldo, cujo segredo não realmente um segredo, mas sim o cuidado com a alimentação, o treino, o descanso...
— Sim, claro. Talvez, mas tive muitas influências em jovem. Muitas delas negativas. Havia muita festa, drogas, álcool… Cresci na Flórida nos anos 70. Muitos dos tipos que conheci eram traficantes, viciados… Mas só percebi isso mais tarde. Pensava: ‘Como é que aquele tipo tem um Porsche?’ ‘E animais exóticos em casa?’ Depois percebi que aquele caminho não levava a lado nenhum. O surf foi a minha saída. Permitiu-me ter uma carreira, viajar, ganhar dinheiro, comprar uma casa, um carro. E isso era muito para um miúdo de uma cidade pequena.
— Há algum lugar onde queira ir e ainda não tenha ido?
— Muitos! Quero conhecer o mundo inteiro. Ir à Birmânia, Mongólia, Filipinas, Chile… Fui convidado para as Galápagos e para a Antártida mas ainda não fui. Gostava de ir à Islândia, Noruega… E passar mais tempo em Marrocos. Nem tudo é para surfar, às vezes é só por turismo. Nunca vou conseguir visitar todos os lugares que quero, mas vou tentar.
«Éramos vistos como segundas escolhas»
— Muitas pessoas acham que o surf tem esse mundo espetacular, sempre descontraído e até romântico de viajar para surfar, que é só festas, surf e diversão. Mas não é só isso...
— Claro que não! Fazemos amigos, há comunidades por todo o mundo. Voltas a um lugar e vês caras conhecidas. Fazes memórias para a vida toda, mas há muito mais e muito trabalho.
— Em Portugal só tivemos dois surfistas na World Surf League: o Tiago e o Kikas. Porque é tão difícil para um país com tantas praias ter surfistas ao mais alto nível?
— Não sei… Há sítios no mundo com grupos de grandes surfistas. Por exemplo, tivemos sete surfistas da Florida no top 44! Isso é muito. E quando há talento concentrado, todos se puxam uns aos outros. O Brasil cresceu imenso. Tiveram sempre bons surfistas, mas nenhum a lutar pelo título. Depois apareceu o Medina. E antes dele, o Adriano venceu o título. E agora há o Filipe, o Ítalo… De repente, o Brasil ganhou vários títulos. O mesmo aconteceu na costa leste dos EUA. Sempre se disse que só os do Havai ou Califórnia eram bons. Nós éramos vistos como ‘segundas escolhas’. Mas depois começámos a ganhar, e isso mudou a opinião das pessoas. Agora temos 22 títulos mundiais.
— Mas 11 têm o mesmo nome como vencedor…
— Sim, é verdade [risos], mas os outros 11 não.
— No Brasil até já surfou com pai e filho, atravessando gerações.
— Sim, com o Ian [Gouveia] e o Fabio. E também o pai do Filipe competia quando comecei. Também surfei contra o Michael Ho e agora contra o Mason Ho. É engraçado. E acho que os estou a manter vivos e alertas!