Kelly Slater: «O surf era um mistério, não havia previsões e tinhas de ligar à tua mãe a dizer como correu»
— O que o mantém apaixonado pelo surf, após todos estes anos, e que o leva a continuar a competir, como aconteceu em Pipeline?
— Bem, não é difícil entusiasmar-me para surfar em Pipeline. Adoro aquele local, desde miúdo, e sempre quis surfar lá. Quero sempre surfar lá. Se me deixarem continuar a surfar, eu vou… Eu sempre adorei surfar mais do que tudo, sabes? É por isso que é difícil dizer 'vou parar' ou 'estou a acabar a minha carreira'.
— Por isso é difícil?
— Não… Competir tem sido uma forma de expressão para mim, mas agora… já não é o meu foco principal. Já não estou a competir a tempo inteiro. E não sinto falta. Vejo os rapazes agora em Bells e penso: 'Olha, fixe', mas não me incomoda. Há certos eventos em que gostaria de estar sempre, claro, como Pipeline. Ou talvez surfar no Cloudbreak [Fiji], vai ser o top 5 final este ano. Também adorava competir lá, se tiver oportunidade.
— Tudo menos Peniche...
— Gosto de Peniche… Em alguns dias. Mas, sabes, na maioria dos anos, as condições não têm sido boas. Só funciona com uma maré, o vento está errado, a direção do swell não ajuda… É uma luta contra os elementos. Há dois anos, por exemplo, tivemos 30 dias bons até ao dia em que chegámos. Depois ficou mau. Só tivemos um bom dia de surf, e foi isso. Mas tem sido um bom palco. Gosto de atuar perante aquele público. Sinto-me muito confortável e raramente fico nervoso.
— Tem consciência do que fez pelo surf a nível mundial?
- Não sei… Quer dizer, sei o que fiz na minha carreira e tudo mais. Sei o que conquistei nas competições. Mas não sei o que isso significa para cada pessoa que sabe quem eu sou. Não sou eu que tenho de dizer. Se influenciei alguém de forma positiva, ótimo.
— Agora o surf tem palcos diferentes. É olímpico, a World Surf League é de facto um evento que está espalhado por todo o Mundo. Prefere agora, mais organizado, mais profissional ou a competição como era antes, mais simples?
— Às vezes tenho saudades de outros tempos, dos anos 90, de andar pela Europa, ir a França… Era tudo muito cru, muito de raiz, selvagem sabes? Às vezes tenho saudades disso. O surf não era um desporto mainstream. Agora é muito mais. Temos pessoas mainstream, conexões, piscinas de ondas… tornou-se mais acessível, está na moda. Mas os primeiros anos como profissional foram muito divertidos, porque era um mistério. Não era tudo tão planeado. Acordávamos e decidíamos no momento. Não tínhamos previsões de surf, de vento como agora. Nem webcasts ou transmissões ao vivo. Tinhas de ligar à tua mãe depois do campeonato para lhe dizer como correu. Ela não sabia. Não havia ninguém na praia com um telemóvel. Nem sequer tínhamos telemóveis [risos]! E acho que, às vezes, o difícil acesso torna as coisas mais interessantes. Por isso tenho saudades desses tempos. Mas esses dias não voltam, e isso, por vezes, deixa-me um pouco triste.